O Governo do Estado analisa atualmente a possibilidade de alterar o sistema de definição de protocolos de distanciamento social e enfrentamento ao coronavírus. A mudança visaria principalmente atribuir maior responsabilidade e participação aos municípios. Apesar da maioria das regiões e prefeituras manifestarem recorrente descontentamento quanto à classificação pelas cores das bandeiras que recebem, a alteração não é consenso. Nesta semana, o presidente da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), Maneco Hassen, defendeu uma "atuação unificada", que a decisão continue sendo soberana do Estado. O posicionamento não repercutiu de forma tão positiva nos municípios, que requerem maior controle nas medidas e alcance das restrições.
Um dos apoiadores da maior divisão de responsabilidades entre o Estado e as regiões é o prefeito de Bento Gonçalves, Guilherme Pasin (PP). Embora seja próximo do governador Eduardo Leite (PSDB), Pasin acredita que o modelo de distanciamento controlado atualmente vigente não tem a mesma eficácia do início.
Para o prefeito de Bento, cidade com maior número de óbitos relacionados ao coronavírus da macrorregião da Serra, algumas restrições, como funcionamento de comércio e restaurantes, podem ser amenizadas. Ao Pioneiro, Pasin avaliou a possibilidade de mudança de modelo de análise de bandeiras e comentou sobre o desempenho da cidade no combate à pandemia. Confira:
Pioneiro: Seria favorável em dividir as responsabilidades de definição de protocolos entre municípios e Estado?
Guilherme Pasin: Acredito que sim, acredito que o modelo de distanciamento controlado é importante e cumpriu com seu papel, deu visibilidade do problema para a nossa comunidade, oportunizou aos municípios que não fizeram seu trabalho prévio de organizar suas estruturas de saúde, sua rede hospitalar. Foi pedagógico o suficiente para que todos compreendessem as bandeiras como uma sinaleira da gravidade da situação. Agora ele já está indo a ponto de virar o fio, ou seja, está apertando demais e, assim como o parafuso que aperta demais, ele quebra a rosca, a gente precisa entender os momentos e realidades locais. Acredito que a evolução seja um trabalho conjunto com os municípios, uma atribuição de responsabilidade às regionais de saúde, que atribuam seus próprios protocolos em cima de uma orientação, e não uma imposição do Governo do Estado.
O senhor comenta que o programa do Estado cumpriu seu papel, mas desde o início os municípios discordam das decisões do governo. Ao sugerir o novo sistema, é uma espécie de recado dos municípios do tipo "deixe-nos fazer do nosso jeito agora"?
Não, não. Acredito que os recursos estejam muito amarrados numa falta de compreensão do modelo do Estado com a realidade vivida no momento. Os indicadores propostos pelo Estado em algumas situações não nos parecem justos. Estamos na Serra na segunda semana seguida na bandeira vermelha e, nesse tempo, recebemos muitos pacientes de outras macrorregiões. Veja, se nós estamos realmente num ambiente de alto perigo, nós não deveríamos de forma alguma estar ajudando outras regiões. O processo de auxílio a outras regiões deve existir, é para isso que o Estado serve, para equilibrar as situações, mas essa situação quer dizer que não estamos (a Serra) tão mal assim. Hoje estamos com 80% da nossa capacidade ocupada de UTI, quando no ano passado estaríamos em 115%. Então, a falta de sensibilidade em alguns pontos faz com que alguns municípios se movimentem e apresentem seus recursos. Precisa evolução, precisa melhoria. Vejo muito mérito no movimento do Estado, mas ele precisa evoluir, pois a população está cansando. Se a gente não souber relaxar em alguns pontos que podem ser relaxados com segurança, e apertar naqueles que devem ser apertados, talvez a gente perca o cidadão que hoje está engajado e aí, quando você trabalha com descontrole social e desobediência civil, a gente perde o jogo de qualquer jeito.
O que deve ser apertado?
Principalmente os pontos desnecessários, as aglomerações indevidas, os finais de semanas, as festas, as reuniões. Isso precisa ser apertado. Comércio, por exemplo, pode sim trabalhar de forma flexibilizada com muito controle, como estávamos fazendo quando estávamos na bandeira laranja. Hoje nós temos o delivery, o pegue e leve, mas quem está controlando tudo? Quem pode provar que por trás das cortinas fechadas as coisas não estão acontecendo às escuras e não às claras? Estando às claras, a gente consegue fiscalizar, mas na informalidade não temos como. Os restaurantes, poxa, será que a gente realmente precisa fechar tudo isso? Ou a gente pode trabalhar com o mínimo possível?
Por que há tantas mortes em Bento? Falhou em algum momento a gestão?
Não, de forma alguma. Seria de uma mentira maior qualquer afirmação dessas. Não faltou em momento algum atendimento, não faltou medicação, não faltou leito, não faltou UTI, não faltou respirador, não faltou política de isolamento. O que acontece é que a gente testa, não é o que faltou, é o que excede, comparando com os outros protocolos. Testamos todo mundo, paciente internado no Hospital Tacchini, por exemplo, chegamos a testar três a quatro vezes esse paciente. Testamos todos os óbitos, inclusive os que morreram de outras causas. Isso não é problema, a verdade nunca pode ser constrangedora, a omissão sim.
O senhor acredita então que os óbitos em Bento estão maiores que outros municípios porque os outros subnotificam?
Não, de forma alguma vai me levar a essa afirmação. Vou falar do meu, não vou falar que os outros subnotificam ou não testam, digo que nós testamos, e muito.
Então por que há tantas mortes?
Não, morte não tem a mais. Estamos no mesmo padrão de óbito do que o ano passado. O que temos são óbitos com coronavírus, mas não a causa mortis o coronavírus. Aqui não tem distorção do número de óbitos. Praticamente todos os óbitos, e eu lamento, presto minha solidariedade pessoalmente a todas as famílias, envio correspondência a cada uma delas, mas absolutamente todos os casos possuem outras razões de óbito, pacientes oncológicos, com outras comorbidades, cardíacos, pacientes que estamos há muito tempo postergando a condição de vida, veja, deixo muito clara a condição de que nenhum dos óbitos ocorridos aqui, ao menos é o que indicam as informações técnicas e científicas... nenhum faleceu em razão exclusiva do coronavírus. Todas as pessoas que falecem aqui não falecem de causas injustificadas, todas elas não falecem de síndrome respiratória aguda grave. Testamos para saber se essa síndrome respiratória é coronavírus, influenza, ou outra razão. Segundo estudo da prefeitura de Passo Fundo e da UPF (Universidade de Passo Fundo), Bento Gonçalves é o município que mais testa no RS por 100 mil habitantes. A verdade não pode ser inconveniente, inconveniência é não buscar a verdade.
Mesmo que as vítimas possam ter comorbidades, elas contraíram o vírus de alguém. Isso não significa que o vírus está circulando mais? Não lhe preocupa que uma abertura maior possa estar acontecendo no momento inadequado, de alta de contaminação?
Veja, se tu me disseres que um paciente oncológico grave que está acamado há meses, ele esteja indo para a praça, indo para o comércio, se tu me confirmar isso, eu realmente acredito nessa verdade. Agora, o perfil do óbito ocorrido aqui em Bento Gonçalves não é o perfil das pessoas que estão transitando nas ruas ou podem vir a transitar de forma segura quando os estabelecimentos comerciais abrirem com 20%, 25% de trabalhadores. Se tivéssemos perfil de óbito de pessoas com 20 a 40 anos, eu realmente ia dar verdade à sua afirmação. Como são pacientes com idade bastante avançada, danos de saúde em razão de outras doenças, esses pacientes não estavam transitando nas ruas, já estavam em casa muitas vezes acamados, ou numa instituição de longa permanência de idosos ou na rede hospitalar e não eram as pessoas que estariam nas ruas, que iriam nos restaurantes.
Mas o ponto é que essa pessoa não circula, mas alguém próximo dela pode circular, contrair e ser transmissor do vírus. Não há como garantir isso.
Não há, não há. Mas também não há como garantir que a menor partícula viva existente não transite de outras formas. A gente está falando de uma disseminação viral, e não de uma tempestade, onde a gente fica em casa, fecha a janela, espera passar a tempestade e sai de novo.
Caso haja essa deliberação pela cogestão de protocolos para os municípios, o senhor pretende ampliar a liberação para os setores econômicos?
Analisar principalmente as condições de contrapartida de cada um dos setores, quais são as garantias de saúde que o comércio vai apresentar, quais garantias dos restaurantes... O que podemos fazer é criar condições para que a gente tenha possibilidade de enfrentar.
O posicionamento informado pela Famurs (Federação das Associações de Municípios do RS) é de que seria a favor de o governo estar tomando uma medida mais ampla para o Estado, já a Amesne (Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste) defende a organização regional.
Na verdade, essa posição foi do presidente da Famurs (Maneco Hassen). A posição do colegiado da Famurs foi diferente, foi de trazer a corresponsabilidade para as regiões, para que cada uma delas possa, em cima da orientação do Estado, fazer as ponderações locais.
Então foi opinião pessoal do presidente da Famurs?
Foi uma ponderação pessoal e está sendo altamente criticada pelos presidentes das entidades, porque não foi isso que foi tratado.