Em entrevista ao Pioneiro na manhã de ontem, o prefeito de Caxias do Sul, Flávio Cassina (PTB), avaliou a situação atual do enfrentamento ao novo coronavírus no município, em momento em que são crescentes os índices de óbitos, pessoas contaminadas e ocupação de UTIs.
O chefe do Executivo municipal também comentou quais medidas que pretende adotar caso o Governo do Estado garanta mais autonomia aos municípios gaúchos, a proposta de co-gestão dos protocolos do modelo de Distanciamento Controlado, acenada pelo governador Eduardo Leite às prefeituras. Apesar de defender maior flexibilização da economia, Cassina não gostou da proposta do governador.
— Cria uma espécie de bandeira intermediária. Não ajudou muito — avaliou o prefeito.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista, que se deteve exclusivamente nas medidas do governo municipal diante da pandemia.
Pioneiro: Como avalia o enfrentamento de Caxias do Sul ao coronavírus atualmente?
Flávio Cassina: Caxias tem alguns gargalos que precisam ser resolvidos com mais urgência. O principal, ao meu ver, é o comércio, em segundo lugar os restaurantes e em terceiro lugar a educação infantil. A educação infantil a gente sabe que é uma coisa mais complexa, que demanda bem mais estudos, mas o comércio e os restaurantes, nós temos dificuldade grande para resolver, e temos de respeitar as bandeiras definidas pelo governador (Eduardo Leite). A Amesne encaminhou uma proposta de flexibilização para que pudéssemos adotar critérios da bandeira laranja em determinadas circunstâncias, ou seja, mais autonomia aos prefeitos. O governador mandou resposta estabelecendo um regramento um pouco confuso. Ele não permite que quem está vermelha possa passar para a laranja e cria uma espécie de bandeira intermediária, com restrições menores que a vermelha, mas maiores que a laranja. Isso fica muito difícil. Na minha opinião, isso (posicionamento do governador) não ajudou muito.
Encontrar esse meio termo e redefinir as medidas entre as bandeiras não seria efetivamente a cogestão na prática? Qual seria o modelo ideal então?
Uma delas seria criar uma bandeira intermediária, que seria uma espécie de bandeira verde, isso defendemos já há muito tempo. Mas a principal de todas é que os prefeitos tivessem mais autonomia. O governador estabeleceu nessa proposta que todas as decisões devem ser unânimes, então aquilo que a gente quer fazer terá de ter a assinatura de 36 prefeitos. Se um só disser que não, aí pronto, não pode. Isso é uma coisa que, no nosso ver, é uma aberração.
Mas o senhor acha que é momento de flexibilizar tudo?
Como disse, algumas coisas têm de ser feitas de imediato, como o comércio. O regramento a gente estabelece.
E as medidas de coibir a circulação de pessoas, o que está sendo feito nesse sentido?
Estamos fazendo todo o possível para que não haja aglomeração. Estamos fiscalizando praças, parques e jardins, mas o problema é o centro da cidade, o comércio, muita gente continua aberta, outros parcialmente abertos, outros totalmente fechados. Então, isso nos faz pensar que quem está fazendo a coisa certa está pagando um preço mais caro que os que não estão fazendo a coisa certa.
Mas o senhor mesmo reconhece que o comércio gera circulação. Então qual seria a solução?
Não dá para solucionar uma coisa que não tem solução. Como vai controlar o povo na rua? É muito difícil. Agora, o comércio aberto com restrições e regramento bom auxilia a distensionar a situação. O comércio trabalhando com 25%, mas que possa abrir sempre, resolveria enormemente o problema.
Ainda assim tem toda a questão do inverno e agravamento da situação em termos de saúde. O senhor comentou em outra entrevista que as diretrizes seriam dadas pelo corpo técnico da saúde. Continua assim?
A situação está ficando incontrolável, basta sair na rua para ver. Muita gente não colaborando, não só do empresariado, mas principalmente do povo em geral. Não está havendo a colaboração que precisaria neste momento. Sobre a questão da saúde, estamos obedecendo todos os protocolos da Secretaria da Saúde e aí entra a questão do tratamento precoce e do tratamento alternativo. Existe um bombardeio de informações de tudo que é lado, milhares de pessoas que defendem e outras tantas dizendo que não, que não tem controle da Anvisa e de órgãos fiscalizadores. Estaremos disponibilizando para a população a cloroquina e, havendo a vontade do paciente e a prescrição médica, não temos nenhum óbice para que se possa usar essa medicação.
Essa questão ela é polêmica porque muitas entidades técnicas reiteram que não há comprovação científica ainda.
De ambos os lados, tem opiniões dos dois lados. Então a gente fica numa confusão mental. No seio da comunidade médica de Caxias há muita controvérsia.
Então não acha arriscado tornar isso acessível para a população?
Não, aí entra o aspecto da utilização precoce, no estágio inicial da enfermidade. Quando estiver completamente comprometida a saúde do cidadão, aí não adianta mesmo. Mas em condições de encaminhamentos precoces, acho que é uma solução positiva, muita gente concorda com isso e assino embaixo.
Mas há estudos que já apontam que não há também eficácia também no tratamento precoce. Permitir esse tratamento não é atribuir responsabilidade ao médico e ao paciente e abster o poder público?
Não exatamente, pois em qualquer circunstância o que vale mesmo é a prescrição médica. Poder público não tem como interferir nisso, é uma relação paciente-médico.
Continua firme apoiando a ideia do protocolo regional (sobre a hidroxicloroquina) então?
Eu sim, mas a minha equipe médica é que vai dar a palavra final. Por enquanto é flexibilizar medicamento para o paciente que aceitar.
Quando falei com o secretário ele disse não ser favorável...
Na primeira pegada ele não era nem favorável à compra do medicamento, mas as coisas vão evoluindo, as conversações vão evoluindo e as coisas vão chegando a um consenso.
Em entrevista, o prefeito de Bento, Guilherme Pasin (PP), alegou que o número elevado de mortes com covid em Bento é porque Bento testa bastante. Caxias não está testando o suficiente?
Não, não, os números estão corretos. São assustadores, mas estão corretos. E uma testagem não contamina e nem descontamina.
Ocupação de UTIs está acima de 80%, lhe preocupa que o sistema de saúde possa entrar em colapso?
Não acreditamos, está controlado desde o início e esse é um argumento que sempre colocamos ao Governo do Estado, e embora não esteja sendo aceito pelo governo, é um dado importante, pois nunca passamos de 80%, o investimento é muito grande, dobramos a quantidade de leitos, somos pioneiros na utilização do plasma, estamos viabilizando a medicação alternativa, a nossa parte está sendo feita.
Lembro que em outra ocasião o senhor comentou estar preocupado com a eventual falta de recursos humanos. Como está o município em termos de equipamentos, custos e profissionais de saúde?
Estamos chegando num momento crítico, pois não temos verba. Estamos chegando no limite. Além do financeiro, temos problema também de material humano, há dificuldade de encontrar profissionais para exercer essa atividade junto aos leitos de UTI.
E caso a demanda por atendimentos continue aumentando?
Temos alternativas, mas não acreditamos. E temos hospitais de campanha se precisarmos.
Mas profissionais de saúde já é um problema maior.
Esse sim, é mais complicado.
E qual é a alternativa para isso?
Aí temos de buscar profissionais de um jeito ou de outro para complementar.
Sobre as escolinhas, a ideia seria retomar as atividades escolares?
Aí é mais complexo, pois muitos pais não concordam e muitos querem porque não têm onde deixar os filhos. É um assunto que precisa ser debatido e também remete às escolinhas de futsal, por exemplo. Nessas escolinhas, o pessoal está pensando em começar com bem menos gente, mais treinamento, menos coletivo, e o pai vai assinar termo de responsabilidade.
Isso seria uma abertura bem ampla, abrir até as escolinhas de futsal. O senhor comentou que as pessoas não respeitam a questão do distanciamento, flexibilizar esse tipo de coisa não passaria a mensagem errada de que a situação está se normalizando?
Mas não podemos parar, temos de buscar o equilíbrio. O idoso é muito mais problema do que a criança. O idoso é muito mais indisciplinado.
Tem aquela questão de o idoso ficar em casa e as pessoas próximas a ele continuarem circulando, o risco continua o mesmo.
Nesse momento, a gente tem de buscar o equilíbrio. Qual é o ideal? Nenhum dos dois. O ideal é não termos a covid.
Com todo mundo pensando em reabrir setores econômicos e instalar leitos para alcançar bandeiras, não acha que se perdeu um pouco o foco de que o principal objetivo é cuidar das vidas?
Houve um trabalho muito forte nesse sentido, mas agora chega uma situação em que se tem de tomar outros rumos. Às vezes a coisas escapam do controle mesmo.