No dia 31 de março, Claiton Gonçalves (PDT) reassumiu a prefeitura de Farroupilha após ficar afastado por 20 dias. Na semana em que voltou ao Executivo, em meio a dois pedidos de impeachment dos quais é alvo, anunciou na quinta-feira (2) um decreto de medidas para a crise do coronavírus diferente do elaborado pelo governo do Estado, em que propunha a reabertura do comércio. Acabou voltando atrás, entretanto, algumas horas depois após questionamentos do Ministério Público Federal e Estadual. Também na última semana, em áudio vazado de uma reunião na prefeitura, gerou polêmica ao afirmar que passaria a adotar postura de "falso político" como gestor. Ao Pioneiro, Claiton falou sobre a movimentada primeira semana de sua volta à chefia do Executivo.
Pioneiro: Por que houve recuo com relação ao decreto?
Claiton Gonçalves: Estamos referendando o decreto estadual até que se possa avançar em algumas questões que propusemos nas discussões com a sociedade civil, médica, Ordem dos Advogados Brasil. O que propusemos é uma questão mais rigorosa no comportamento das pessoas. Estamos propondo máscaras faciais para todos que estiverem circulando, seja da indústria, comércio, serviços, enfim. A razão são as experiências exitosas na Europa, onde o uso de máscara fez o avanço da doença travar. As pessoas que estão se deslocando para os seus compromissos, que estão com direito de ir e vir, que não os idosos, não são as crianças e ninguém pertencente a grupo de risco, propusemos a essas pessoas que permaneçam e possam exercer suas funções. Ou seja, a gente permitiria que as mesmas pessoas que já estão na rua hoje pudessem retomar as suas atividades que não estejam incluídas no decreto. E tudo isso com um atenuante: a obrigatoriedade do uso de máscaras.
O senhor continua acreditando que o comércio tem de funcionar, então? É posicionamento que continua firme?
Sim, continuamos firmes. Acreditamos que não faz sentido manter em casa quem já está saindo de casa hoje.
Mas é possível controlar se é o mesmo público?
Quem pode não estar em casa atualmente não está em casa. Quem precisa estar em casa, está em casa. Embora tenha dissidentes, mas isso em todas as cidades. Não há nenhuma razão lógica que quem vai no posto de combustível ou no mercado não possa estar na sua loja vendendo. É a mesma pessoa. Quem vai comprar é o mesmo que vai comprar hoje. Designamos 100 agentes públicos para estar na rua o tempo todo fiscalizando e orientando a população. Primeiro haverá orientação, depois fechamento intempestivo do comércio que não siga o regramento.
Não teria sido mais fácil seguir o decreto do Estado e depois articular essa mudança?
Por que não seguir o que todo mundo está fazendo? Primeiro: propomos a uso do EPI muito mais rigidamente do que está sendo proposto na lei estadual, estamos de acordo com a determinação de que municípios podem ser mais rígidos que os governos federal e estadual. Se vamos ter mais pessoas na rua, mas muito mais protegidas, estamos sendo mais rígidos. A segunda questão é o isolamento humanitário. Queremos focar no indivíduo e conceder a responsabilidade para ele mesmo. Mais importante ainda é que precisamos da convivência comunitária, até pela questão psicológica, terapêutica.
Outra proposta é medir a temperatura de quem entra em Farroupilha. É viável?
Tem de ser feito. Temos plataforma de saúde que já foi comprada, que inclusive é um dos itens do pedido de impeachment que sou alvo, mas enfim, é uma plataforma semelhante ao que a China usou para fazer o controle da doença. Um dos aplicativos é através do telefone celular que, em contato com a mão da pessoa, informa a temperatura corporal e localiza os pontos de febre.
Mas nessa proposta era específico 37.8ºC (de temperatura corporal). Por que tão específico?
Estabelecemos como temperatura de corte. Abaixo de 37.8, pode ter não febre, mas hipertermia, se dormir muito coberto de noite você vai acordar com 37.6ºC, 37.7ºC pela hipertermia. Colocamos três décimos acima de 37.5 como linha de corte.
Muitas prefeituras defendem uma organização regional para o enfrentamento ao coronavírus. Farroupilha participa disso? Pois, ao que indica essa questão do último decreto, o município teve uma reação individualizada.
Estive fora. O (Pedro) Pedrozo (vice-prefeito) foi quem tratou desse assunto. Eu até agora não tratei com as entidades, estamos respondendo neste momento por provocação da própria cidade. Mas já adianto que vamos estar ajudando a região. Vou estar trazendo um hospital de campanha para Farroupilha, estamos em detalhes finais, viabilizando questão de custeio com empresários e recursos do próprio município e do Ministério da Saúde. Terá 150 leitos prontos para se transformarem em leitos de UTI. E 20 leitos de UTI prontos. São 20 leitos, mais 10 que tem o hospital (São Carlos), temos mais a promessa de cinco do governo do Estado, mais 10 do Ministério Público Estadual (MPE) e possivelmente cinco que o município de Farroupilha fez vaquinha, mas que podem não chegar a tempo porque há prazo de 60 dias de entrega. Mesmo assim, vamos ficar com 45 leitos de UTI pelo menos.
E o isolamento humanitário. Qual a diferença entre ele e os chamados horizontal e vertical?
Responsabilizar cada indivíduo pelo coronavírus. Em vez de isolar trabalhadores do comércio, você permite que tenham liberdade, mas sejam responsáveis.
Responsabilizar no sentido de penalizar? Aumentar poder de polícia da prefeitura?
Exatamente. Direitos e deveres, tem direito de abrir o comércio, mas tem o dever de não distribuir o vírus. Cometeu irregularidades, a tua porta será fechada.
O áudio vazado que alegam ser a voz do senhor falando sobre sua experiência como prefeito é verdadeiro?
Sim, sim.
O senhor diz que passaria a adotar um comportamento de "falso político". O que quis dizer com isso?
Vou adotar comportamento político normal. É o que todos os políticos fazem, prometem... fazem promessas. As minhas incomodações, pedidos de impeachment, é por eu ser muito rígido, então eu quero ser um político mais normal. Eu até comento no áudio que o meu vice (Pedro Pedrozo) é muito mais político que eu, muito mais complacente, tem diálogo mais fácil com a sociedade. Eu sou mais rígido, sou mais estruturante, sou mais da política de estrutura do que a de valores.
Mas ser um falso político no jogo político ou para a população também?
Para a população não sou político, sou médico, fui eleito por isso. Esse jogo político que é de falsidade. É pegar todo o dinheiro da bancada gaúcha e mandar tudo para um hospital, mandar para a Santa Casa de Porto Alegre. Isso é muito fácil. Se não fosse por esse tipo de coisa, não seríamos um país que de novo tem sarampo, de novo tem coqueluche, que de novo tem paralisia infantil. Isso é falta de investimentos adequados de dinheiro público em programas de prevenção. Não teríamos tantas cidades sem tratamento de esgotos, com lixões a céu aberto. Para separar R$ 2 bilhões de um fundão para políticos fazerem política, ou seja, comprarem votos, isso tem dinheiro. Para gastar R$ 6 bilhões para fazer uma eleição, é falsidade com as pessoas que pagam a conta.
O senhor falou que é conhecido como médico, mas está na função prefeito. Na função de prefeito pretende atuar como "falso político"?
Ou você assume papel parecido com o de outros, ou é impeachmado.
Desistiu de renunciar?
Sim, não tem lógica a renúncia. Se eu renunciar, os processos de impeachment param e eu perco os direitos políticos por oito anos, pois assumo culpa. Se eu não renuncio e sou impeachmado, acontece a mesma coisa. Se um dia puder voltar a ser candidato, faria exatamente como eu fiz, serei muito honesto e transparente na condução das minhas ações. E se eu adoto um comportamento diferente agora no final, é porque ou eu faço isso, ou só retirado a força.
O senhor confia na sua base de apoio que o acompanhou?
Não, não confio. Eu hoje só tenho quatro votos na Câmara.
O senhor acredita que vai ser impeachmado?
Pode ser que sim. Mas vai ser difícil, tem muitos movimentos contrários. E tirar um prefeito que tem mais apoio que os próprios vereadores no período eleitoral é complicado.