Há menos de três meses na chefia do Executivo, prefeito de Caxias do Sul, Flávio Cassina (PTB), falou ao Pioneiro sobre os desafios enfrentados e a pressão sofrida pela gestão durante a fase de combate ao coronavírus. Confira:
Pioneiro: Como está a rotina do prefeito?
Flávio Cassina: Estamos enfrentando uma dificuldade grande. Embora as atividades ali fora estejam praticamente paralisadas, nós, efetivamente, não podemos parar. Temos gabinete da crise que se reúne todos os dias. E nosso horário de trabalho, contrariando as recomendações, estão sendo de 12, 13, 14 e até 15 horas por dia, mas adotando os cuidados necessários. Embora estejamos em situação de risco, não podemos parar porque o município não pode parar. Assim sendo, a prefeitura tem de manter alguns atendimentos básicos. Determinamos aos secretários que cada um defina o número de servidores que deve estar disponível para os serviços básicos não serem interrompidos. E temos validado as nossas ações a partir do que dizem os técnicos em saúde. A voz da prefeitura, do prefeito, do vice, dos secretários é a voz dos técnicos ligados diretamente à área da saúde. Não podemos cair na tentação de afrouxar as nossas convicções, pois elas são baseadas de forma sempre técnica.
Tivemos alguns dias de aceitação da comunidade caxiense à orientação de isolamento. Mas esta semana já termina com muita pressão pela retomada. Há rumores, inclusive, de que tudo volte ao normal a partir da semana que vem. O senhor vai começar a amenizar as medidas?
Alimentação e saúde, para essas duas áreas não pode haver interrupção de abastecimento e fornecimento. Desde o inicio houve flexibilizações pontuais caso a caso para que não pudéssemos interromper esses dois serviços. Algumas situações não estavam bem compreendidas, então fomos demandados pela população e pelo empresariado e fomos pontualmente resolver questão por questão. Temos sofrido pressão imensa da sociedade como um todo, mas também recebemos apoio e parcerias, principalmente com as entidades representativas e sindicais, tanto de trabalhadores quanto empregadores. Pedimos a compreensão da comunidade. Não se pode abrir tudo de uma vez só.
O presidente da Câmara de Vereadores (Ricardo Daneluz/PDT) publicou um vídeo em que defende a retomada das atividades econômicas. Esse tipo de comportamento não vai contra as recomendações?
Na verdade, pensamos da mesma maneira. Eu acho que ele está certo, porque ele sente uma pressão igual à nossa e tem preocupação igual à nossa. É simplesmente questão de organização de cronograma de liberação de trabalho, que é o que estamos pensando. Todos queremos retomada imediata dos setores produtivos, mas temos de cuidar primeiramente da saúde, o nosso mote é salvar vidas. Mas obviamente que é uma situação que não pode perdurar. Vamos estabelecer critério para retomada gradativa das atividades laborais. Algumas têm prioridade, outras podem aguardar mais. Tudo que se faz é para preservar a saúde da comunidade. Principalmente na parte das aglomerações, a palavra-chave de todas as nossas ações é evitar aglomerações. E preservar idosos, que é o grupo de risco mais acentuado. As pessoas com doenças, grávidas. Sempre preservando esses segmentos da comunidade.
Mas ainda não é muito cedo para pensar em retomar? No sentido clínico... praticamente a pandemia não chegou até aqui e já se fala em retomar as atividades...
Não é que segunda-feira vai voltar tudo. O que estamos fazendo é tentar alinhar o nosso discurso com a região como um todo. Temos reuniões seguidas com a Amesne (Associação dos Municípios da Encosta Superior do Nordeste), o prefeito (de Bento Gonçalves) Guilherme Pasin (PP) todo o dia está em contato conosco para que alinhemos procedimento único e de preferência que esteja alinhado com o Governo do Estado. Talvez o setor mais urgente seja o da construção civil, que envolve muitas atividades correlatas. Construção civil já vamos trabalhar semana que vem. Depois, gradativamente, vamos liberando outras atividades. Mas não dá para afrouxar a corda de todo, porque, se não, não adiantará de nada todo o esforço dedicado até o momento.
E quando presidente da República aponta no sentido inverso?
Estamos trabalhando muito em consonância com o governador do Estado, falamos seguidamente. E quanto ao presidente da República, a gente entende o lado dele. Não nos cabe julgar a presidência porque ele tem responsabilidade de 200 milhões de pessoas. Eu não queria estar no lugar dele, não nos cabe questioná-lo, pois ele está sentindo também o que está acontecendo na arrecadação do país.
Mas não incendeia a população contra os municípios?
Muitas coisas que ele disse têm consistência, talvez a forma que ele esteja se expressando não seja a melhor.
O senhor não teme a possível perda de popularidade diante da não-flexibilização de algumas medidas que parte do que a população pede?
Não, não, de forma alguma.
Então está disposto a enfrentar as contestações e não abrir mão de tomar medidas drásticas se necessário?
Não há nenhuma preocupação. Além de não termos pretensão nenhuma política a não ser terminar esse mandato, nós temos o compromisso de fazer as coisas o mais acertadamente possível e sem preocupações, especialmente ideológicas. Estamos acima de ideologias políticas neste momento.
Prorrogar as eleições. Estaria disposto a aceitar estender o mandato?
Nunca trabalhei em cima de hipóteses. Vamos deixar as coisas acontecerem.
E como conscientizar a população? Os números de vítimas crescem em todos os lugares... Acha que a população só vai sentir quando realmente esses números infelizmente chegarem aqui?
O maior desafio é fazer com que o grupo de risco permaneça de forma isolada em casa. Pois o idoso passou por muitas encruzilhadas na vida e acha que (sobre) muitas coisas continua tendo domínio. O que não é realidade. É muito difícil controlar o idoso. A título de pilhéria, pode-se dizer que o idoso adora uma fila. E essa conscientização tem sido o maior desafio.
Mas a população em geral também pode levar o vírus para dentro de casa onde o idoso está isolado.
Há isso também. De fora para dentro, também pode acontecer, então a responsabilidade é grande nesse sentido.
O único discurso que a classe política adotou de maneira homogênea foi que "esse é o momento de cada um de nós fazer a nossa parte". O que isso significa na atuação política? O prefeito, no caso, adota medidas, mas e os vereadores? De que forma eles podem contribuir no momento?
Promovendo campanhas de conscientização nas comunidades, de forma permanente, parece que para muitas pessoas não caiu a ficha ainda. Por isso que as atividades não podem retomar de forma imediata. Tem de ser escalonada, pois estamos realmente cuidando do problema das aglomerações.
E economicamente, o que a prefeitura está disposta a sacrificar?
Financeiramente, antes do coronavírus, a situação estava muito difícil. Teríamos que fazer reiterados ajustes para poder fechar os orçamentos. Agora nem precisa dizer que a situação se agravou, não vou dizer de forma insustentável, mas muito séria.
Que tipo de medidas podem ser adotadas para amenizar?
Já estão sendo tomadas. Só na área da saúde, na abertura da UPA Central, não havia previsão orçamentária. Já começa por aí buscando R$ 25 milhões não sei de onde para fechar o orçamento. Várias outros exemplos que poderíamos citar que não havia previsão orçamentária. E falo de uma situação antes do coronavírus, que já seria uma tarefa muito difícil equilibrar as contas do município. Já na época falávamos de possível não pagamento de salários, no final do ano já teríamos dificuldade. Agora, então, ficou mais agravada a situação.
Então, o não pagamento do salário dos servidores é uma possibilidade?
Pode acontecer. Por isso a preocupação pela retomada dos investimento, pois se a arrecadação cai do jeito que está caindo... Havia no início do ano uma possibilidade de "despiora", só que agora complicou tudo de novo.
Corte de pessoal é uma medida a ser considerada?
Essa hipótese não gostaria de abordar, porque é algo que sequer passa pelas nossas cabeças. Seria a mais extrema das medidas.
O que o prefeito tem a dizer para a população neste momento?
Não queiram estar na nossa pele neste momento. Não é uma brincadeira, é uma situação que mexe com os interesses de 500 mil pessoas. Agora então parece que se tornou ainda mais complexa a nossa tarefa. É uma carga extremamente pesada. Precisamos das pessoas equilibradas que nos ajudem, se não nós próprios não teríamos força. Precisamos da comunidade, que os grupos de risco e seus familiares nos ajudem. Salvemos vidas, enquanto der.