Na última sexta-feira, o histórico político gaúcho Pedro Simon completou 90 anos. Aposentado desde 2015, após mais de cinco décadas consecutivas de atuação em cargos públicos, ele encerrou uma trajetória de 32 anos no Senado, 16 anos como deputado estadual do Rio Grande do Sul, um ano como ministro da Agricultura e quatro como governador do Estado. Simon, que chegou a ser chamado de “maior grife da política brasileira” após crescentes e sucessivas votações conquistadas ao longo das décadas em atividade, iniciou sua carreira ocupando uma das cadeiras da Câmara de Vereadores de Caxias,entre 1960 e 1962.
O episódio,que marcou o início da trajetória do que viria a se tornar um renomado político brasileiro de raízes gaúchas, simbolizou também o término de sua formação política na cidade, onde não só se criou, mas também descobriu sua aptidão para a oratória.
– Tudo começou em Caxias. E, desde então, Caxias sempre esteve em primeiro plano na minha vida. Tenho muito carinho e recordações gratas. Sempre teve lugar de destaque,como estudante, professor universitário, vereador, como político – destaca Simon.
Com o auxílio da obra A fascinante história de Pedro Simon, escrita por José Bacchieri Duarte, e do próprio, o Pioneiro relembra esse começo, iniciado na migração de famílias libanesas para a região da Serra, nas primeiras décadas do Século 20, seguido por uma infância difícil e consumada na descoberta da vocação política do jovem Pedro. Apesar da breve atuação no Legislativo, Pedro de destacou como parlamentar atuante, tendo atribuída a ele, por exemplo, a criação da Feira do Livro da cidade e das associações de bairros.
A importância de Caxias na trajetória de Simon é atestada por Bacchieri Duarte,na biografia não-oficial de Simon escrita há quase 20 anos: “Não há dúvidas de que os primeiros 15 anos de sua vida talvez possam ser apontados como os que mais contribuíram para a formação de seu caráter. Ele sempre diz que três instituições são as grandes responsáveis pela sua formação moral: a Família, a Religião e a Escola. Pois acreditamos ter sido exatamente nesse período em que viveu em Caxias do Sul aquele que, de certo modo mais marcante, diz um trecho de livro. De sua casa em Rainha do Mar, no município de Xangri-lá, Simon concedeu na quarta (29) esta entrevista de 50 minutos por telefone. Ele relembra a infância, sua trajetória e o desejo de contribuir com a política.
A CHEGADA EM CAXIAS
Em 1898, os libaneses chegavam à Serra.Eles foram atraídos pela promessa de um futuro próspero. Entre as famílias que para cá vieram no decorrer dos 20 anos seguintes, estavam os David, Simon, Sehbe e Kalil, todos oriundos de El Kufur, situada a 80 quilômetros da capital, Beirute. Entre eles estava Jorge Simon, que veio com esposa, Jalila, a filha, Alice, a mais velha da família formada depois também por Salém, Hilda e Pedro.
Perda da mãe e início dos estudos
As famílias pioneiras de libaneses se instalaram inicialmente na região conhecida como “Boca da Serra”, localidade próxima de Vila Seca. Ali estabeleceram- se vendendo mercadorias pelas ruas e, aos poucos, foram se mudando para a área urbana. Já aos seis meses, Pedro perdeu sua mãe, Jalila. Passou a ser criado por duas famílias, a formada pelo seu pai, Jorge, e suas três irmãs; e por seus tios que passaram, a partir de então, a pais adotivos, Nicolau e Olga. Desde o princípio, Jorge definiu como prioridade na criação do filho a dedicação aos estudos, decisão que surtiria efeito no futuro e nas prospecções do menino.
O pequeno Pedrinho, então, foi matriculado no Colégio Nossa Senhora do Carmo. Frágil de saúde na infância, Pedro demandava atenção das suas duas famílias, que viviam dias de poucas glórias.Os escassos recursos se tornavam insuficientes para bancar o internato das três irmãs no colégio de Ana Rech e a educação de Pedro: era frequente o recebimento de cobranças pelo pagamento de mensalidades atrasadas. Enquanto Jorge pedia ajuda para os mais íntimos, o menino fazia sua parte e usava livros de colegas de séries seguintes para não gastar com material, enquanto vestia roupas feitas de retalho costuradas pela própria irmã. Para piorar, as finanças da família se agravaram quando dois tios de Pedro, sócios comerciais de seu pai, foram assassinados após briga de negócios na celebração de Natal da família em Ana Rech. Aos 10 anos, Pedro enfrentava outro problema: o atraso pedagógico. Foi então que um conselho indelicado, porém, bem-intencionado, o constrangeu o suficiente para lhe servir de inspiração.
A obra A fascinante história de Pedro Simon narra a seguinte fala proferida por um ex-professor de Pedro: “Meu filho, por que, ao invés de estares perdendo teu tempo aqui no colégio, não começas logo a trabalhar.Turco nasceu só para ganhar dinheiro.Teu futuro está no trabalho,não no estudo”. As palavras transformaram o menino, que passou das notas baixas e comportamento rebelde para um aluno aplicado. Uma combinação de poucas horas de sono e muita leitura.
Infância nostálgica no Centro
Foi na área central de Caxias que Pedro explorou o vício pela leitura e onde viveu uma infância, que considera feliz, em retrospecto. Foram dois endereços ocupados pela família: na Rua do Guia Lopes, 798, entre a Sinimbu e a Júlio de Castilhos e depois na própria Av. Júlio de Castilhos, 1.575, entre Borges de Medeiros e Marquês do Herval. Sobre essa época, Pedro recorda com nostalgia:
– Me criei naquela velha Caxias que andávamos de carroça na Júlio e jogávamos bola na frente da minha casa, a duas quadras da Praça (Dante Alighieri). Lembro como era aquela gente, aqueles agricultores. Comprávamos tudo da colônia, menos carne de gado e pão de trigo, o resto tínhamos.
O primeiro discurso
“A primeira vez que fiz pronunciamento foi na Semana da Pátria. Era gurizinho, não sei quantos anos, pequeninho, magrinho”, lembra com diversão Pedro Simon. A idade era 13 anos. O ano, 1943. Vivendo sob o Estado Novo, estabelecimentos de ensino do país precisavam respeitar cronograma para participar diariamente do hasteamento e arreamento da bandeira nacional. Naquele ano, a responsabilidade cabia ao Carmo, colégio de Pedro. Sobre o momento, assim narra Bacchieri:
“Com o pátio do colégio tomado por todos os seus alunos, dispostos em formação militar, na presença de muitos familiares, o aluno Pedro Simon foi designado para pronunciar um discurso sobre o significado do evento. E ele falou. Falou bem. Para o velho Jorge, para seus pais de criação, Nicolau e Olga, e para suas irmãs,aquele,sem dúvida, foi o discurso mais bonito que tinham ouvido em toda a vida.Abraçaram o filho e irmão, certos de que os sacrifícios que haviam feito, para proporcionar educação e instrução ao menino, já começavam a apresentar resultados.” Os dotes como orador então despontaram em Pedro, cuja característica se tornaria marcante na atuação política.
Ida para a Capital
Após concluir o segundo ano do Ensino Médio em Caxias, Simon foi morar na Capital com o pai e as irmãs. Matriculou-se no Colégio do Rosário. Os primeiros 15 anos de Pedro coincidiram com a ditadura Vargas, de 1930 a 1945.Ao fim do ciclo, a movimentação política era efervescente. Desempenhou intensa atividade nos grêmio estudantil do Rosário e presidiu o Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da PUC, onde promoveu encontros de candidatos a prefeito, governador e até à presidência da República, em época em que não havia televisão. Logo, se projetou. Posteriormente, Simon voltava para Caxias, onde atuou como professor na Faculdade de Filosofia e na Faculdade de Direito. Também administrava um escritório de advocacia na cidade.
Amigo de Percy de Abreu Lima
Criminalista renomado no tempo que exerceu a advocacia, Pedro foi iniciado no júri por Percy Vargas de Abreu e Lima, que hoje dá nome para a Casa da Cultura de Caxias, era na época inspiração para jovens que exerciam o Direito. Percy era conhecido por ser defensor do marxismo, advogar para pessoas pobres sem cobrá-las e, por isso, viver ele mesmo em situação de dificuldade financeira.
– Foi uma figura extraordinária. Era um comunista, mas não militante, era um romântico. Na nossa geração de advogados eleera o grande líder. Ele advogava e não cobrava de ninguém. Praticamente a gente tinha que ajudar a manutenção dele.E ra uma pessoa acima do bem e do mal – diz Simon.
NA IGREJA
Pedro mantinha seu hábito de frequentar a igreja. Também desempenhava a atividade política dentro da igreja. Em episódio peculiar, Bracchieri Duarte narra na biografia a influência que padres exerciam sobre o voto no final da década de 1940. Em um dos momentos emblemáticos (que Pedro situa ter ocorrido na Igreja de São Pelegrino sob missa ministrada pelo padre – e então vereador – Eugênio Ângelo Giordani, o escritor narra: “Numa igreja de Caxias do Sul, o padre que rezava a missa, na hora do sermão, depois de ter condenado o candidato do Partido Trabalhista Brasileiro à governança do Estado, determinou aos fiéis que lotavam o templo: ‘Ajoelhem-se todos. Agora digam comigo: juro por Deus que meu voto não será dado ao candidato comunista Alberto Pasqualini’. Pasqualista, Simon, aos 17 anos, não se conteve:
“Padre, o senhor está cometendo um grande erro e cometendo uma injustiça. (...) Alberto Pasqualini trata-se de um homem de formação humanista, preocupado com a justiça social, com os desafortunados, com as pessoas humildes. Alberto Pasqualini não é comunista”, relata o escritor.