Após duas participações na disputa para a prefeitura de Caxias do Sul, o PSOL não vai lançar candidato no próximo pleito. Ao Pioneiro, o último candidato ao Executivo pelo partido, o servidor aposentado Francisco Corrêa falou sobre a organização da legenda e avaliou os cenários políticos local e nacional. Confira:
Desde que o senhor concorreu às eleições para prefeito, em 2016, e deputado estadual, em 2018, não se expôs tanto politicamente, assim como o seu partido. Por que esse recuo?
O que se esperava do partido era que tivesse um impulso em nível de Caxias, mas não ocorreu. A gestão (do partido) teve uma série de falhas e não se chegou onde queria se chegar. Depois disso, tenho estado afastado do cenário local, mas tenho participado do mandato da Fernanda Melchionna (deputada federal pelo PSOL), tenho participado de discussões. Ela reúne periodicamente um número de pessoas e a gente foca no mandato federal, representa a região, leva para ela as situações daqui da Serra.
O PSOL é um partido que cresce a cada ano e se torna mais representativo. Por que houve esse movimento contrário em nível municipal?
Foi a paralisia que o partido passou. O partido não buscou aproximação com movimentos sociais, meio sindical, que é a nossa dinâmica de atuação principal. Chegou um período que deveríamos atuar muito, e o PSOL apareceu pouco. Claro que a gente sabe que não é fácil fazer oposição de esquerda no contexto de Caxias, pois o bolsonarismo aqui é forte, mas, de qualquer maneira, eu reconheço em alguns integrantes do partido essa paralisia, não se buscou a linha que o partido desempenha em Porto Alegre e Santa Maria, por exemplo.
Tem como resgatar o diretório de Caxias e reativá-lo?
Acreditamos que sim, mas é preciso assumir o partido de verdade e tomar iniciativas que o aproximem dos movimentos sociais.
Fala-se muito nas eleições e se repete para o próximo pleito a intenção de criar uma frente ampla de esquerda. Acredita ser viável?
Essa iniciativa surgiu, mas deu uma parada. Tínhamos uma proposta com relação a isso, que era atuar juntos nas demandas principais, mas revermos com relação a eleições. Para nós participarmos de uma frente para as eleições, a nossa proposta era de que se fizesse entre os partidos uma eleição prévia, aberta, de quem seriam os candidatos a prefeito. Só a partir dessa iniciativa nós iríamos compor essa frente. Na linha de atuação, entendemos que a frente faz sentido, mas a composição para as eleições é uma questão mais complicada. A origem do PSOL é uma dissidência do PT, lá no Governo Lula ainda, quando começou o Mensalão. Discordamos e construímos o PSOL. Então, fazer frente com o partido do qual saímos cuja dinâmica continuou, com casos ainda mal explicados e negação de uma autoavaliação das condutas passadas, é complicado, acho praticamente impossível uma aliança eleitoral.
O senhor mencionou que é complicado fazer oposição de esquerda em Caxias. O último prefeito de esquerda foi Pepe Vargas, e isso já são quase 20 anos. Acha que é possível um governo de esquerda se eleger novamente?
Uma coisa é a figura Pepe Vargas. É uma pessoa que reconhecidamente teve duas gestões diferenciadas. Conseguiu mudar o perfil de Caxias para melhor. Mas hoje, vinculado à sigla PT, tem um desgaste muito grande. Outros partidos, como PCdoB, também estão indicando candidatos. Eu, sinceramente, acho que é um trabalho hercúleo a esquerda em Caxias fazer enfrentamento, com esse cenário nacional e esse grau de influência que as redes sociais, a partir das fake news, exercem, sobretudo na camada menos politizada. Por exemplo, em Caxias, nitidamente, a CIC (Câmara de Indústria, Comércio e Serviços) e outros órgãos que representam o empresariado local abriram totalmente a sua postura favorável à gestão do (presidente Jair) Bolsonaro. Se fores ver a influência que isso exerce no conjunto do eleitorado caxiense, é muito grande. Para a esquerda, é um enfrentamento muito difícil, porque as pessoas já não respeitam como deveriam as propostas socialistas e voltaram a taxar as pessoas como comunistas. Mas é uma luta que a gente sabe que não é fácil e deve continuar. Mas tenho a impressão de que essa frente não vai emplacar em Caxias. Claro que o cenário de alguma maneira empurra para isso. É indiscutível que, se o Pepe for o candidato, ele sabe que sozinho não tem força, não tem mais a força que teve. Na última eleição, sequer foi para o segundo turno. Seria interessante para o PT se tiver essa frente.
O debate político nos últimos anos se concentra mais na rivalidade ideológica. O conceito de política na prática acabou se perdendo em meio a essa disputa?
Essa polarização que se deu entre Lula e Bolsonaro e com a retirada de Lula da forma como foi retirado do cenário, acabou virando uma espécie de fanatismo de um lado e de outro. De um lado é um fanatismo da extrema-direita e do outro, da esquerda. As pessoas não discutem mais aquilo que é mais importante, que é o fortalecimento da democracia. É esse o risco que hoje estamos correndo. Toda a prática do Bolsonaro no governo não reafirma que a democracia está garantida. Todas as questões que eram pontuais acabaram ficando para trás.
O senhor citou a CIC. Acredita que entidades conseguem induzir a mentalidade da população?
Eu acho que elas têm um poder e ele, às vezes, se faz visível através da mídia. É indiscutível, por exemplo, a influência da opinião de quem preside a CIC. É óbvio que o eleitor menos politizado tem dificuldade de fazer análise crítica do cenário como um todo e tende acreditar no que essas pessoas falam.
A Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL, acabou se tornando um símbolo de uma morte por motivos políticos. Como o senhor avalia como fato histórico na nossa política?
Temos cobrado, enquanto partido, de forma sistemática, o desfecho disso. Enfim, quem mandou matar? Ainda que de forma nebulosa, está cada vez mais claro o envolvimento de milícias do Rio de Janeiro e que é bem possível que haja alguma relação com a família Bolsonaro, considerando que alguns integrantes de milícia estavam bem próximos do gabinete do filho dele (Flávio Bolsonaro). Entendemos claramente como crime político e recado: vai ser assim daqui em diante. É óbvio que não vão sair matando um parlamentar por dia, mas tem morrido muita gente, muita liderança, indígena, ambientalistas. A morte da Marielle é emblemática, aconteceu num momento em que acreditávamos que havia um respeito pela democracia, e isso foi um sinal de que não (há o respeito).
O que pensa da gestão de Daniel Guerra?
Uma série de percalços, um atrás do outro. Esse número exaustivo de tentativas de impeachment surgiu da relação dele com o vice-prefeito (da época, Ricardo Fabris de Abreu). Deve haver reconhecimento a alguns acertos, mas deve-se reconhecer vários erros, o pior deles é a falta de diálogo com todos os setores da comunidade. Foi um desprezo muito grande à população mais pobre. O prefeito não é sensível a reivindicações, fecha gabinete, viaja e leva o chefe de gabinete junto, não fica ninguém respondendo. É uma gestão bastante atabalhoada. Eu penso que um administrador tem de buscar a empatia e não a antipatia com vários setores da comunidade.