A distribuição de crucifixos em locais públicos no mês passado reacendeu a discussão dos limites entre política e religião. O símbolo mais visível foi colocado na Casa da Cultura Percy Vargas de Abreu e Lima acima de uma escultura em relevo com o rosto do ex-vereador que dá nome ao local e é patrono do espaço. Os objetos religiosos foram dados de presente ao município pelo prefeito Daniel Guerra (PRB).
As imagens foram colocadas também no Centro de Artes e Esportes Unificados, no bairro Cidade Nova, e no Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho, respectivamente, em fevereiro e março. A administração não informou quais repartições públicas receberam os crucifixos.
Daniel Guerra foi catequista, líder de grupo de jovens, líder das crianças e integrante de movimentos cristãos da Igreja de São Pelegrino.
Questionada inicialmente sobre o assunto, a administração disse que a colocação não se tratava de uma ordem de Guerra, mas de um direito com base legal. No final de março, o próprio prefeito afirmou que comprou os objetos com recursos próprios e que foi um presente à cidade:
— Quando nós olhamos a história de Caxias do Sul, quando nós olhamos a história do nosso país, fica muito claro o que representa para a sociedade, para a cidade e para a nação a questão dos símbolos. Então, ele é um direito e que tem base legal para tal. É um presente. Em hipótese alguma com dinheiro do recurso público. Recurso particular meu. Se tu olhar a história, a cultura da nossa cidade, esse símbolo faz parte desde seus primórdios — justificou Guerra.
O presente levantou outro questionamento: a administração municipal colocaria símbolos de outras religiões em locais públicos, desde que presenteados por cidadãos? A iniciativa da colocação dos crucifixos não agradou integrantes do governo municipal ligados à Igreja Universal do Reino de Deus. Os símbolos colocados nos órgãos públicos tem a imagem de Jesus crucificado, e os evangélicos não cultuam a cruz com a imagem do Cristo morto, mas apenas a cruz.
Questionado sobre se o governo deixaria colocar símbolos de outras religiões em órgãos públicos, por meio da assessoria Guerra respondeu:
— Essa é uma matéria vencida e já falei três vezes sobre esse assunto com o Pioneiro: por meio de nota, na coletiva de imprensa e no Gabinete Itinerante.
Nunes revisa sua posição
Em 2013, o hoje secretário de Habitação de Guerra, Renato Nunes (PR), apresentou projeto de lei na Câmara de Vereadores para retirar todos os símbolos religiosos de locais públicos para cumprir o que estabelece a Constituição Federal. Acabou derrotado.
— Os locais públicos têm que ser de todos. Quando há um símbolo de determinada religião em espaço que é de todos, está havendo privilégio — defendeu na época.
Nunes reviu sua posição. Ontem à tarde, afirmou:
— Hoje entendo que existe toda uma questão histórica e cultural de cada localidade. Com o passar dos anos, aprendi a respeitar todas as religiões, sou contra toda e qualquer intolerância religiosa. De minha parte, não terá nenhuma resistência ou oposição (à colocação dos crucifixos).
O QUE DISSERAM
O que disse a Secretaria de Recursos Humanos e Logística
“O crucifixo doado pelo prefeito é considerado item do tipo paramentação ou adereço, por isso que não é controlado pelo patrimônio do município, portanto não exige a formalização da doação.” Nota enviada pela assessoria de imprensa.
O que disse o Sindiserv
A presidente do Sindicato dos Servidores Municipais (Sindiserv) de Caxias do Sul, Silvana Piroli, diz que a Constituição diz que o Estado é laico deve ser seguida.
“Todo mundo pode fazer doação para o município. Espaço público é para realizar políticas públicas e não é espaço de religião. Os caxienses têm várias opções religiosas e alguém sempre pode se sentir desrespeitado com símbolos religiosos.”
O que disse o prefeito
O Pioneiro questionou o prefeito Daniel Guerra sobre a possibilidade de doações de símbolos de outras religiões por qualquer cidadão ou cidadã para colocação em órgãos públicos, como ocorreu com os crucifixos. Guerra limitou-se a dizer que “essa é uma matéria vencida” e não respondeu objetivamente à questão formulada.
O que diz a lei
O Brasil é considerado um Estado laico, onde há liberdade religiosa. A discussão sobre o direito de ostentar símbolos religiosos em locais públicos chegou ao Judiciário no início da década de 2010. Em 2016, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que a presença de crucifixos e símbolos religiosos nos tribunais não prejudica o Estado laico ou a liberdade religiosa.
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