O agora ex-vice-prefeito de Caxias do Sul, Ricardo Fabris de Abreu (Avante), seguiu a vida normalmente após deixar o cargo. Três horas depois de apresentar a renúncia na Câmara de Vereadores, foi à academia. Antes de começar a malhar, conversou com a reportagem do Pioneiro.
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Vestindo camiseta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para "causar", brincou, falou sobre os motivos para deixar o posto no Executivo municipal e que, embora não tenha renunciado como estratégia para a votação do impeachment do prefeito Daniel Guerra (PRB), que ele protocolou em 17 de dezembro, acredita que os vereadores terão mais liberdade para decidir:
— Eu acredito que permite aos vereadores decidirem com isenção de ânimo melhor, sim, porque não podem mais me acusar agora de estar agindo em interesse próprio.
Fabris também avaliou o governo Guerra que, segundo ele, vai de mal a pior, e sua própria atuação na administração.
O ex-vice-prefeito retorna ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), onde é servidor concursado, em fevereiro. Ele não tem planos de voltar à política.
Confira:
Por que a renúncia agora, dias depois do pedido de impeachment?
O pedido de impeachment traz diversos pontos que merecem especial atenção da Câmara. Eu fiz o que tinha de fazer, o que era possível fazer. Vocês sabem que não tenho nenhuma função delegada dentro da prefeitura. O prefeito não me permite isso desde o início do mandato. Como coloquei nas próprias razões do impeachment, tenho uma obrigação legal de fazer esse tipo de denúncia porque, dentro da minha boa fé e da melhor compreensão, são fatos graves que merecem ser apurados pela Câmara de Vereadores e, feito isso, não vejo mais um objetivo lógico no sentido de eu permanecer e renovar nos próximos dois anos o que aconteceu nesses últimos dois anos. Nós sabemos que o prefeito não vai permitir que eu participe da administração e é uma decisão que, por mais que pareça equivocada, ele pode fazer, ele é o prefeito, eu não sou. Não sou mais nem o vice-prefeito agora. Não tem por que insistir em uma situação cujo resultado a gente sabe qual é, ou seja, vai ser um desperdício de tempo para mim, para a minha vida, para a minha profissão e também para o município. Se o prefeito quer governar sozinho, deixa ele governar sozinho.
A sua saída deixa a Câmara mais à vontade para votar o impeachment?
Não saí pensando nesse aspecto. Eu coloquei no impeachment que, na hipótese de ele passar, eu sairia. De fato, eu teria feito isso na hipótese do impeachment ser aprovado. Eu acredito que permite aos vereadores decidirem com isenção de ânimo melhor, sim, porque não podem mais me acusar agora de estar agindo em interesse próprio ou de um favorecimento pessoal ou até questionar a veracidade dessa declaração que eu fiz, que eu sairia na hipótese de aprovar o impeachment. Dá maior liberdade aos vereadores para eles decidirem, não que devesse ser assim, porque o que eles devem fazer é analisar os fatos que estão ali friamente à vista da lei, e não pensando nas considerações pessoais com relação ao vice-prefeito.
Qual a sua avaliação sobre o governo Guerra?
A minha avaliação é de que vai de mal a pior. É um governo autoritário, o prefeito quer governar sozinho, ele se cerca de auxiliares que são submissos, que não têm poder de decisão. Isso se revela nessa frequente troca de secretários e de outros servidores de escalões mais baixos, que tem acontecido, e não é o que eu esperava. Durante esse dois anos, me dediquei àquilo que prometi me dedicar, que era segurança pública. Eu elaborei, às minhas expensas, todo um estudo de segurança pública que eu vou ter tempo de compilar e apresentar para o próximo prefeito, porque apresentar para o prefeito Guerra é desperdício de recursos, ele não vai dar a mínima atenção. Tenho a impressão de que Caxias está perdendo com isso, que Caxias está encolhendo, que Caxias está ficando desprestigiada, e como eu disse outras vezes, que ele teria tempo ainda nesses dois anos de mandato de remediar essa situação. Mas ele não parecer estar aberto a sequer cogitar essa possibilidade. Ele deveria ouvir as pessoas, ouvir as associações de bairros, ouvir os secretários competentes que ele tinha e que saíram porque não suportaram a situação a que foram submetidos. Ele deveria dar atenção ao que a imprensa escreve, que toda essa cobertura, não só a de vocês (Pioneiro), mas de outros veículos tem ponderado bem os tópicos da administração que precisam ser ajustados. Existem ilegalidades visíveis e que vão causar problemas sérios a médio prazo para Caxias. Eu me refiro a terceirizações ilegais na saúde pública; me refiro à forma como precatórios judiciais estão sendo tratados e acrescendo os débitos exponencialmente; me refiro à forma como a tarifa de (ônibus) 2017 foi tratada, causando um passivo para o município; à questão de discriminação; à questão de reduzir todo o orçamento para atividades culturais. Uma cidade que já foi capital da cultura não pode se submeter a isso. Nós todos sabemos o benefício e que é impossível tu dissociar cultura de educação. E o prefeito, na minha opinião, talvez pela origem dele, era bancário, ele pretende administrar a cidade como se fosse um banco, como se ele fosse um tesoureiro de banco, pensando só no caixa, em fazer caixa e reduzir gastos e cortar custos, o que me parece absolutamente inapropriado porque o município não é uma empresa, o município não visa ao lucro, o município se submete à legislação completamente diferente e tem um objetivo que não é lucrar, como é o objetivo de qualquer empresa. O objetivo do município é o bem-estar social. O município não pode ser endividado, mas ele tem de investir toda a receita no bem-estar da população.
E a avaliação do seu mandato?
Sofrível, horrível. Pouco pude fazer. Eu não sei se as pessoas sabem que eu nunca tive uma assessor trabalhando comigo, sempre trabalhando comigo. Nunca recebi um centavo da prefeitura, eu abri mão do subsídio de vice-prefeito lá no início do mandato. O que eu tinha de sala eu cedi ao secretário (José Francisco) Mallmann na época, secretário de Segurança. Veículo de representação eu cedi para a Guarda Municipal, isso não foi feito. Infelizmente, foi muito ruim, porque não tive ferramentas para fazer, e também não estou reclamando. O que eu tenho convicção é que eu fiz o possível e o que estava ao meu alcance. Como eu não tinha essas ferramentas, eu fiz o que pude. Viajei, pesquisei, procurei e estudei, fiscalizei o governo com recursos próprios. Eu acredito que, principalmente, os estudos que fiz e os projetos de segurança vão servir ao município futuramente. Nesse ponto, eu me sinto satisfeito em ter trabalhado e conhecido melhor as questões de segurança e poder terminar esse trabalho não como vice-prefeito, mas como munícipe futuramente. E lamento não ter me dedicado à transformação da Procuradoria-Geral do Município em Advocacia Geral do Município. Foram as duas únicas propostas de campanha que eu fiz: trabalhar com segurança e transformar a PGM numa AGM. O resultado da atuação da PGM nós estamos vendo agora nesse problema escandaloso que foi revelado pelo Tribunal de Contas do Estado, da percepção direta de honorários advocatícios pela Associação dos Procuradores sem que haja uma lei regulamentando isso.
O que o senhor fará a partir de agora?
Tenho férias até o final de janeiro. Vou tratar do meu retorno ao TRT4, vou voltar para as minhas atividades, sou funcionário de carreira há 35 anos lá e acredito que, passado o meu período de férias agora, em fevereiro já retorno para lá.
E na política, quais seus planos?
Na política, nenhum. Vou me envolver na política como cidadão. Como já deixei dito há alguns dias, no mês de janeiro vou renovar o pedido de impeachment, vou acrescentar mais um item, o item 10 que diz respeito a essa questão da Procuradoria. Já mantive contato com o Tribunal de Contas do Estado, eles vão me mandar uma documentação que eu solicitei. Não vou deixar de fiscalizar a administração municipal e de tomar atitudes que eu entender que deva tomar. Sou caxiense, estou na quinta geração de caxienses, nascido e criado aqui. Vou fazer isso como munícipe.
Não pretende concorrer mais?
Não. Foi um aprendizado, claro, mas eu não tenho vocação, inclinação para a política. Eu aprendi logo no começo que, por melhor intencionado que a pessoa seja, que o político seja, e por mais honesto que seja, e eu me considero um homem honesto, dentro da política eventualmente tu te obriga a negociar com pessoas que não são assim. E esse é um grande problema, vejo que é uma grande mácula que tem o sistema político como um todo, porque a maioria dos políticos eu vejo como pessoas honestas e trabalhadoras, não vejo como pessoas irresponsáveis ou com tendência à corrupção. Pelo contrário. Eu conheci muita gente disposta a trabalhar. O problema é que, sem exceção, todo político, por mais honesto que seja, num determinado momento ele vai ter de negociar com uma pessoa desonesta.
Mas isso aconteceu com o senhor?
Não aconteceu, mas provavelmente aconteceria, e eu não vou me permitir a isso, até porque eu tenho um nome a zelar, uma carreira e não tenho nenhuma necessidade de me envolver nesse meio.
Se arrepende de ter concorrido a vice?
De forma alguma. Eu sempre vou ter isso na minha vida. Fui vice-prefeito de Caxias do Sul por dois anos e isso é para poucos. Foi um grande aprendizado, não me arrependo de forma nenhuma. Foi uma coisa que eu não esperava que fosse acontecer na minha vida. Eu sempre estive em um conflito constante com o prefeito, infelizmente, mas também aconteceram inúmeras coisas boas e conheci muita gente que vale a pena e, principalmente, passei a conhecer a minha cidade numa outra perspectiva. Nós, como cidadãos comuns, temos um grupo muito restrito. Passei 35 anos em um trabalho burocrático, sentado atrás de uma mesa, e essa questão de ser vice me deu a oportunidade de ver a minha cidade com outros olhos, e isso é uma coisa muito boa.