Polêmico, o tema da ideologia de gênero chegou à Câmara de Vereadores em formato de projeto de lei. Apresentada pelo vereador Chico Guerra (PRB), a proposta proíbe a "construção, divulgação e apreciação de material que disponha sobre ideologia e/ou identidade de gênero nas escolas".
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Conforme o parlamentar, não se trata de proibir a discussão do assunto, mas de possibilitar que não se aproveite de um público cativo para falar de temas tão complexos como a individualidade das pessoas. Para ele, a discussão é válida tanto para professores quanto para pais, mas não para crianças, que estão em formação da sua personalidade.
— Não há problema algum que indivíduos maduros discutam a ideologia que quiserem, mas não podem impor isso ao público infantil — destaca.
O projeto, segundo Chico, está em consonância com a opinião pública, as decisões dos Legislativos nacional e estadual e a hierarquia constitucional de competência da matéria.
— E, sobretudo, com direito das famílias em não submeter obrigatoriamente seus filhos ao conteúdo de ideologia de gênero imposto por meio da escola — acrescenta.
A iniciativa estipula que todo o material utilizado nas escolas deve ser analisado antes, no caso, pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) e pelas equipes diretivas dos colégios. O projeto tramita pelas comissões do Legislativo e não há data para ir à votação no plenário. Se for aprovado, é enviado para a sanção do prefeito.
Como funciona na rede municipal
O tema sexualidade não passa batido nas escolas da rede municipal. Conforme a secretária de Educação, Marina Mattielo, as escolas trabalham educação sexual de maneira transversal e de acordo com a faixa etária dos alunos. Não há uma disciplina específica para abordar o assunto, mas é comum que os professores de Ciências se dediquem mais ao tema. Nas aulas de educação sexual, é trabalhada, por exemplo, a diferença entre feminino e masculino.
A própria secretária, antes de assumir a pasta, dava palestras nas escolas sobre educação sexual. Para ela, o projeto do vereador Chico Guerra desmistifica o que é ideologia de gênero e previne futuros desconfortos.
— O que a gente não pode é falar de ideologia de gênero. Trabalhamos respeitando as crianças, a diversidade, conversando com os pais. Se houver preconceito, se trabalha com a turma. Não somos contra a educação sexual — frisa.
Sociedade influencia, mas não vai definir
Profissional dedicada ao tema da sexualidade, a psicóloga e psicanalista Nelzi Zavarize classifica a identidade de gênero como algo relativo. Segundo ela, a pessoa nasce homem ou mulher e, durante o crescimento, vai se identificando. Não se trata de uma construção social ou cultural:
— A sociedade até pode influenciar, mas não vai definir a sexualidade. Se uma pessoa convive em uma comunidade homossexual, não quer dizer que ela vai ser homossexual.
Nesse sentido, conforme Nelzi, aprender sobre as diferenças não torna um heterossexual em homossexual. Informar, aliás, é importante para evitar a violência.
— Deve haver informação, não imposição — resume.
O que diz o projeto de lei:
Art. 1º Fica proibida a construção, divulgação e apreciação de material que disponha ou faça referência à ideologia de gênero e/ou identidade de gênero nas escolas municipais de Caxias do Sul/RS.
Art. 2º Todos os materiais didáticos deverão ser analisados antes da distribuição nas escolas municipais de Caxias do Sul/RS.
Art. 3º Não poderão fazer parte do material didático nas escolas em Caxias do Sul/RS materiais que fazem menção ou influenciam o aluno sobre a ideologia ou identidade de gênero.
Art. 4º Materiais que forem recebidos, mesmo que por doação, com referência à ideologia ou identidade de gênero, deverão ser substituídos por materiais sem referência à mesma.
Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 6º Revogam-se todas as disposições em contrário.
Opiniões
"As escolas públicas municipais trabalham as diferentes formas de expressão, sempre embasadas em princípios e valores como igualdade, liberdade, construção do conhecimento e cultura da paz. Atendem mais de 40 mil alunos, sendo reconhecidas historicamente pela qualidade do ensino. Os materiais didáticos utilizados em sala de aula são fornecidos pelo Ministério de Educação, ou seja, estão dentro das normas e padrões definidos pelo Governo Federal. Os Art. 205 e 206 da Constituição Federal estabelecem que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família e deve ser ministrada com princípio de liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. O ensino é resultado de um processo de lutas e conquistas dos educadores e da sociedade, comprometidos com um projeto que prepare para a participação política e social. O magistério está amparado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96), no Plano Nacional de Educação e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e em Caxias do Sul constrói seus referenciais de educação com ampla participação da comunidade. Também existe um processo de discussão nas Conferências Nacionais de Educação, nas quais participam representantes de professores, gestores e estudantes de todo o Brasil, contemplados em todos os níveis e modalidades de ensino. Quanto à aplicabilidade do projeto, entende-se que existem assuntos mais recorrentes, como a falta de estrutura nas escolas, adequações físicas, falta de uma rede pública de educação infantil gerando a compra de vagas na rede privada – ocasionando gastos elevados. Portanto, dispensar investimentos (pessoal e material) neste sentido seria comprometer a resolução de problemas mais iminentes. Por essas razões, nos posicionamos contrários ao projeto." Nota do Sindicato dos Servidores Municipais (Sindiserv), presidido por Silvana Piroli
"Isso a gente vive dentro e fora da escola. Na minha escola, é zero comentado e proibir só piora. Minha escola é bem homofóbica. Não tem muito debate. É um direito que a gente tem. A maioria dos meus colegas concorda em não proibir, porque a gente é bem unido, a gente vive conversando sobre isso, a questão da direção ser homofóbica e machista." Estudante de 14 anos do 9º ano do ensino fundamental da rede municipal. (Para garantia de preservação, não está sendo feita a identificação)
"Acredito que quando o assunto é debate de gênero, questão de gênero dentro das escolas, não é querer impor uma ideologia aos estudantes, até porque esse debate não se trata disso, não se trata de as pessoas serem o que elas têm vontade. O debate de gênero precisa fazer parte de uma discussão de auto-conhecimento de quem tu é, de quais são tuas características. Acredito que o debate de gênero é importante dentro da escola para as pessoas poderem se conhecer e compreender o porquê de toda aquela “diferença” (não sei se essa é a palavra certa) que está acontecendo com elas. Acredito que o debate não tem que ser proibido, mas sim pensado em como vamos debater e abordar de forma correta o assunto." Júlia Carolina da Silva Ferreira, presidente da União Caxiense dos Estudantes Secundaristas (Uces)
"As diretrizes curriculares nacionais preveem que os componentes curriculares e as áreas do conhecimento devem se articular sempre a partir de temas abrangentes e contemporâneos, que vão afetar a vida humana em escala global e individual, e isso inclui sexualidade e gênero. Essas diretrizes foram construídas por várias mãos, a partir da realidade que a gente vive. Esse diagnóstico mostra como a identidade de gênero de cada um pode impactar nas questões relacionadas à evasão escolar e à violência. O gênero é um campo de estudo multidisciplinar, são identidades e representações abordadas sob diferentes áreas e perspectivas. Então, falar de gênero na escola é uma forma de tornar a escola um espaço mais inclusivo. O debate é necessário e importante para fortalecer a escola democrática e inclusiva. Dado sentido a essa diferença de cada um, não pode ser entendido como doutrinação. Os professores não podem subverter a ideia de sexo biológico, o que tu vai trazer para o debate é a classificação pessoal e social, que tem uma função, que é respeitar a pluralidade do sujeito. A gente tem, além dessas diretrizes construídas, a Constituição maior, que é reconhecida como constituição cidadã por respeitar o exercício dos direitos pessoais e individuais, os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista. Então, o mais importante é o debate, por isso que o debate sobre gênero é indispensável para a escola porque ele é o caminho mais racional e próspero para a gente construir uma sociedade mais respeitosa e menos violenta." Claudia Fin, 41 anos, professora de História
"O problema da ideologia de gênero é que o pessoal está querendo forçar a barra e impor, eles não querem simplesmente o direito das pessoas que são homossexuais e que buscam uniões homoafetivas. O pessoal está indo muito além. A gente reconhece, a pessoa é livre. Agora onde o negócio colide com muita gente e eu faço parte dessas pessoas que se sentem agredidas com isso, é eles quererem impor essa ideologia, forçar que a escola comece a dizer para a criança que ela não é masculina nem feminina, que ela é simplesmente ser humano e que lá na frente ela vai escolher se é masculina ou feminina. Eu tenho uma neta, de um ano e cinco meses. Ela é menina e isso tem de ser colocado claramente. Sou contra a ideia de que eu, como educador, como pai, como avô e como cidadão não possa mais falar claramente que homem é homem e mulher é mulher. A gente tem de fazer essa distinção. A gente não tem de agredir pessoas que escolhem ser homossexuais. Eu não posso ser contra as pessoas, mas eu posso ser contra uma ideia e uma prática. Entendo que o homossexualismo é uma coisa antinatural, pecaminosa, errada, mas a pessoa é livre. A sala de aula, especialmente da criança pequena, não é lugar para discutir isso e para ficar querendo criar essa novidade, como se existisse um gênero indefinido." Irmo Arnaldo Hübner, 56 anos, professor de História e Geografia