O Plano Diretor de Bento Gonçalves chegou quarta-feira à Câmara de Vereadores com uma série de críticas ao trabalho desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb), órgão da prefeitura responsável pela revisão do documento.
A falta de discussão com a comunidade e a possibilidade de flexibilização para atender aos interesses da especulação imobiliária são apontados como um retrocesso. Contratada pela prefeitura em 2015, a revisão do Plano Diretor esteve a cargo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e custou mais de R$ 185 mil aos cofres do poder público municipal.
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Entre as principais polêmicas, estão a possibilidade de construção de edifícios de até 16 pavimentos nas ruas Salgado Filho e Parnaíba, no bairro São Bento; e o aumento de 14 para 16 andares em outros sete bairros: Centro, Cidade Alta, Botafogo, Juventude, Humaitá, Licorsul e Universitário. Além disso, a nova proposta retira o estudo do impacto de vizinhança para todas as atividades e pretende exigir apenas para atividades de uso especial, como shoppings, casas noturnas e restaurantes.
Preocupado com a preservação de um dos principais destinos turísticos do Estado, o novo Plano Diretor pretende reduzir o perímetro urbano do Vale dos Vinhedos. Para evitar que a área urbana avance para a rural, estabeleceu-se o Arroio Pedrinho como um divisor físico.
A diretora adjunta do Ipurb e presidente do Conselho Municipal de Planejamento (Complan), Melissa Bertoletti Gauer, reconhece que a proposta original entregue pela UFRGS era de tornar mais densas algumas regiões da cidade, mas salienta que o Ipurb atendeu à reivindicação da Associação de Moradores do Bairro São Bento em manter a permissão de construir até dois pavimentos no bairro.
– A proposta do Executivo ficou assim: no corredor gastronômico (formado pela Rua Herny Hugo Dreyer e Avenida Planalto) ficaram dois pavimentos, podendo chegar a mais um. No restante do bairro (São Bento), apenas residências de dois pavimentos – garante Melissa.
Segundo a diretora adjunta do Ipurb, o plano tem muita inovação e visa à qualidade do espaço do empreendimento e também do entorno. Ele ainda exigirá o sistema de tratamento de esgoto de fossa e filtro fossa para residências construídas em uma área irregular próxima à bacia de captação de água do Barracão.
“O projeto é megalômano e inaplicável”
Uma das lideranças do bairro São Bento, o engenheiro eletricista e mecânico Marcio Chiaramonte, 59 anos, é um crítico ferrenho da revisão do Plano Diretor. Ele afirma que a proposta atende à necessidade da especulação imobiliária, dos arquitetos e construtores e que encontraram caminho por meio do Complan. Segundo ele, a cidade precisa de infraestrutura, ruas, esgoto, sinalização e segurança.
– Fizeram um projeto megalômano, pagaram uma fortuna e o plano veio completamente inaplicável. Ele define recuos, mas permite o aumento da altura dos prédios.
Ele também critica a falta de audiências públicas com a população e lamenta que o órgão responsável pela condução da revisão do plano, o Complan, seja formado também por entidades da construção civil, de engenheiros, arquitetos e corretores de imóveis.
– Colocaram a raposa para cuidar do galinheiro.
No site do Ipurb consta apenas a realização de duas audiências, realizadas em maio e agosto de 2015.
– O texto do Plano Diretor é esquizofrênico, porque fala em preservar a paisagem, mas pretende terminar com ela com a construção de prédios. Fala em mobilidade, mas não trata de ruas e infraestrutura. Cita o meio ambiente, mas quer enfiar prédio em área de proteção ambiental. O Plano Diretor não contempla infraestrutura, plano viário, não tem praça. Só tem prédio e mais prédio – critica Chiaramonte.
Para a diretora adjunta do Ipurb, Melissa Bertoletti Gauer, o plano foi debatido dentro dos conselhos municipais, que são representativos, nas duas audiências públicas em 2015 e em reuniões setoriais nos distritos.
– O Fórum de Políticas Públicas tem 62 entidades e é bem amplo, mas a grande audiência será realizada na Câmara de Vereadores – argumenta.
Melissa se defende das acusações de Chiaramonte.
– Quando se faz um plano, a gente não vai agradar a todos. Se atendesse mesmo à especulação imobiliária, nós deixaríamos o Plano da UFRGS, que propôs 10 pavimentos no São Bento, e nós mantivemos dois pavimentos – explica a diretora adjunta do Ipurb.
“O plano deve ser qualitativo”
O diretor da Associação dos Engenheiros e Arquitetos Região dos Vinhedos (AEARV), Matheus Vanni, garante que a entidade realizou estudos e debates e apresentou sugestões. Ele defende a limitação de pavimentos, conforme proposta da UFRGS.
Confira os principais trechos da entrevista.
Pioneiro: Quais foram as sugestões da AEARV?
Matheus Vanini: A AEARV fez detalhados estudos e debates. Entre as sugestões apontadas estão as de que o Complan fosse um órgão deliberativo e representado por 18 membros (1/3 do setor público, 1/3 de entidades de cunho técnico e 1/3 de entidades representativas da comunidade); que não houvesse aumento do perímetro urbano e que fosse mantida a proposta original da UFRGS pela inclusão da análise da qualidade espacial. (há um documento muito ilustrativo sobre o tema).
A entidade defende a construção de prédios de 16 pavimentos em bairros residenciais como o São Bento?
Não. Defendemos a limitação de pavimentos conforme proposta da UFRGS (sendo construções de, no máximo 10 pavimentos, e com análise da qualidade espacial, podendo chegar a até 14 pavimentos).
O morador do bairro São Bento Marcio Chiaramonte diz que a revisão do Plano Diretor atende à necessidade da especulação imobiliária. Como avalia essa crítica?
O Plano Diretor atende à sociedade como um todo, incluindo a construção civil e demais setores, assim como os moradores do bairro São Bento, que solicitaram a não verticalização da área e foram atendidos pelo poder público. No entendimento da AEARV, o ideal seria o consenso para um plano mais qualitativo, como constava na proposta feita pela UFRGS. O resultado apresentado até o momento pode ser considerado como o encaminhamento inicial de um futuro PD (Plano Diretor) que mantém os direitos do plano atual, dá mais liberdade e é mais atualizado com a realidade atual do município. Porém, não resultará em acréscimo de qualidade muito significativo para a sociedade/cidade.