O ex-deputado estadual e federal pelo PT, Marcos Rolim, é um defensor da operação Lava-Jato que investiga atos de corrupção contra políticos e empresários acusados de desviar dinheiro público de estatais. Apesar do apoio, ele critica a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sem “provas robustas”.
– O Brasil começou a se dar conta da dimensão do problema da corrupção graças às investigações coordenadas pela Lava -Jato – diz.
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Doutor e mestre em Sociologia e jornalista, Rolim faz uma análise da conjuntura ética e da corrupção na política do país. Ele não poupa de críticas nem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Pioneiro conversou com Rolim na sexta-feira. Confira a entrevista.
Pioneiro: A ética e a corrupção na política brasileira chegaram no fundo do poço?
Marcos Rolim: Nenhuma situação é tão grave que não possa piorar. O Brasil começou a se dar conta da dimensão do problema da corrupção graças às investigações coordenadas pela Lava Jato. Esse fato, por si só, é alvissareiro e abre possibilidades para que o tema seja debatido em profundidade e que medidas sejam tomadas. Para além das necessárias condenações criminais, precisaremos enfrentar, mais cedo ou mais tarde, o desafio de conceber um sistema político que não promova a mediocridade e a falta de caráter. O atual modelo, como já se deveria ter percebido, seleciona com mais facilidade os piores. Antes, tudo isso estava ocorrendo, mas nas trevas. A diferença, em síntese, é que, agora, todos sabem, menos a velhinha de Taubaté.
É discurso comum que a corrupção está enraizada desde o descobrimento do Brasil. Como é possível mudar essa situação?
O Brasil tem uma frágil cultura democrática por conta da pouca experiência democrática. Demora muito mudar essas coisas, mas a experiência internacional mostra que é possível. Além da carência democrática, o Brasil se ressente muito do ideal republicano. A rigor, não temos uma República de fato. Quem tiver dúvida, visite um presídio brasileiro. Só o que se verá atrás das grades são pobres semialfabetizados. Por óbvio, não são apenas esses grupos que cometem crimes. O fato é que, a depender da sua posição social, do grau de influência de sua família, da cor de sua pele, as pessoas seguem sendo tratadas de forma totalmente diferente pelo Poder Público. Grande parte da população, a começar pelas nossas elites, não guarda pelo outro a menor consideração. Vemos isso o dia todo, no trânsito, no supermercado, nas inúmeras estratégias do “jeitinho”. O brasileiro quer o fim da impunidade e adora criticar os políticos, mas sonega impostos e pratica delitos com naturalidade e, nas eleições, tem especial predileção por imbecis.
E houve avanços sob o ponto de vista ético na sociedade brasileira com a Lava-Jato?
Sem dúvida que sim. Isso ficará mais claro em uma perspectiva histórica. Apenas os atingidos pelas investigações – à direita e à esquerda – não reconhecem isso. Aliás, é impressionante como os discursos se assemelham. A recente foto de Lula em um palanque com Renan Calheiros parece ser o símbolo da falência moral da política brasileira e da falta de vergonha que se instalou nas estruturas senis e cínicas dos partidos políticos, com destaque para o PT que surgiu para se opor a isso tudo, mas virou essa caricatura deprimente.
As denúncias de corrupção contra as principais lideranças do país retratam os valores éticos e morais da população?
Em parte sim, porque os empresários envolvidos e os políticos não desembarcaram de Marte. A corrupção está enraizada em muitos procedimentos cotidianos que sequer são percebidos como imorais. Levar vantagem é, ainda hoje, considerado sinal de esperteza, não de cretinice. Tudo isso conta, claro, na hora em que as pessoas vão escolher um candidato, por exemplo. Por óbvio que pessoas que não possuem princípios morais mais sólidos terminam tratando as próprias eleições como oportunidades de negócios.
Como avalia a cobertura da imprensa sobre a Lava-Jato?
As coberturas jornalísticas no Brasil já foram mais criteriosas. A grande maioria dos meios de comunicação tem tratado dos fenômenos a partir da sua superfície, com pouco senso crítico sobre a própria Lava-Jato, que, a par de seus acertos e importância, também erra e precisa ser criticada quando isso ocorre. Não deixa de ser impressionante que a primeira condenação de Lula tenha sido recebida com naturalidade pela mídia quando caberia, no mínimo, um profundo debate sobre a consistência da prova colhida naquele processo. Penso que Lula é um dos maiores responsáveis pela desmoralização do PT – ele e os dirigentes do partido roubaram o sonho de gerações inteiras; penso também que ele está envolvido em graves casos de corrupção, mas não posso concordar que alguém seja condenado sem prova robusta.
O que o país aprendeu com a Lava-Jato?
Talvez todos tenham se dado conta de que os partidos e os políticos brasileiros são mais parecidos do que eles gostariam de admitir. A ficha ainda não caiu, entretanto. Seria preciso que houvesse uma força política pelo menos que mostrasse que a corrupção que tem sido denunciada é o modo de ser do Estado brasileiro e que a forma de se enfrentar o problema exige uma profunda reforma desse Estado e um novo sistema político, com regras eleitorais completamente diversas como o voto em listas fechadas, como o fim da reeleição para todos os cargos, inclusive no parlamento, o que transformaria os mandatos em honrarias e não em carreiras. Penso que deveríamos exigir, também, a paridade de gênero na representação com metade de vagas no parlamento para mulheres e a outra metade para os homens. Infelizmente, não há uma só força política interessada em promover esse debate e em mobilizar a população para uma Constituinte exclusiva que reforme o nosso modelo político. O programa mais definido da esquerda e da direita hoje é escapar da cadeia.
O eleitor vai privilegiar a questão ética e moral na hora do voto em 2018?
Seria bom se o eleitor não renovasse os mandatos dos políticos envolvidos em casos de corrupção, ou que tenham demonstrado possuir corruptos de estimação. Com esse critério, não sobrariam 5% da atual representação do Congresso Nacional. O problema é que não acredito nesse tipo de reação dos eleitores. O que impera é o voto carismático e de natureza corporativa. Então, não me surpreenderia que a próxima representação política no parlamento seja pior que a atual. Tem sido assim a cada eleição. O problema maior será a eleição para presidente, por conta dos riscos oferecidos por uma candidatura fascista, já posta na rua, e pela ausência de uma frente política comprometida com a decência e com as verdadeiras reformas que o Brasil precisa. Vai depender de todos nós a possibilidade de se construir uma alternativa. Não dá para jogar a toalha.