“Foi um ato político do Poder Judiciário.” A definição é do ex-prefeito de Caxias do Sul Mansueto Serafini sobre a sentença da Justiça que determinou a devolução do reajuste de salário de 99% aprovado pela Câmara de Vereadores no início dos anos 1990 para o prefeito, vice e vereadores. Na entrevista por telefone, na sexta-feira, Mansueto revelou o episódio mais polêmico de suas duas gestões (1977/1982 e 1989/1992): a rejeição de um projeto de lei de financiamento com votos de parte do MDB, então partido de Mansueto.
O ex-prefeito comentou ainda sobre outro caso polêmico em sua administração: a ocupação da área da Família Magnabosco e também analisou os pedidos de impeachment do prefeito Daniel Guerra (PRB) e a Operação Lava-Jato. Confira a entrevista.
Pioneiro: O senhor enfrentou casos de polêmicos em seus mandatos. Qual foi o principal
Mansueto: Foi a rejeição pela Câmara de Vereadores, na época em 1976 fui eleito pelo MDB. O MDB estava totalmente dividido, e uma parte da bancada do partido, liderada pelo vereador Régis Prestes, aliou-se à Arena, que era o partido da oposição, e derrubou o projeto que ia provocar uma transformação na cidade. Era o financiamento que permitira ao município de Caxias realizar diversas obras nos bairros. No meu primeiro governo, esse foi um fato que me desagradou profundamente.
O segundo pedido de impeachment do prefeito Daniel Guerra em nove meses traz prejuízo para o município?
Acho que tudo isso deve passar. Um pedido de impeachment deve ter profundas razões jurídicas. Não vejo essas razões jurídicas. A Câmara de Vereadores agindo com muita sensibilidade negou o primeiro impeachment e acho que vai negar esse também, a não ser que surjam fatos novos que eu não conheço.
Recentemente, o senhor foi criticado pela decisão de permitir a ocupação da área da Família Magnabosco...
Não tenho nada a ver com isso. Essa área do Magnabosco já estava ocupada quando assumi a prefeitura. Eu tentei resolver o problema. É preciso rever historicamente os fatos. Na administração do (ex-prefeito) Hermes Weber, foi feito um acordo com a Família Magnabosco, que cederia uma área de 5, 6 hectares para que fosse construída a universidade (de Caxias do Sul). Em troca da área, o município assumiu o compromisso com a família de urbanizar o restante. Depois, a universidade conseguiu que o Estado cedesse a área da antiga estação experimental e não teve mais interesse nesta área. Na época, eu era vereador e votei favorável ao projeto de lei que era um bom negócio para o município. Começaram as invasões, mas os terrenos eram da Família Magnabosco. O município era responsável, no meu entendimento, pelos seis hectares que foram cedidos para a universidade. Tentei um acordo com a família devolvendo aquela área, uma parte da família era a favor e outra queria uma indenização pelo tempo em que a prefeitura não cumpriu sua parte no contrato, e que a Câmara não aceitaria na época. Agora, no meu entendimento, o município é responsável por apenas seis hectares e não custa essa fortuna que estão alegando.
Em outro episódio, o senhor foi condenado no processo de aumento de salário de 99% para os vereadores, prefeito e vice...
Isso foi no meu segundo governo. Quem fixa os vencimentos do prefeito e vice-prefeito é a Câmara de Vereadores. Portanto, nós não tínhamos nada a ver com isso. A Câmara votou um aumento para o prefeito que era igual ao dos funcionários públicos. Na época, a inflação era violenta. O Poder Judiciário não aceitou. Devolvi todo o dinheiro que recebi a mais. Lamento que essa decisão da Justiça tenha contrariado uma decisão da Câmara Municipal, a quem unicamente competia a fixação dos salários do prefeito e vice-prefeito, como ocorre até hoje.
Houve uma injustiça?
Acho que sim. Não tive nada a ver com isso. Apenas recebi o salário estabelecido pela Câmara de Vereadores. Foi um ato político do Poder Judiciário. Eu devolvi e não devo nenhum tostão dos 99%. Consultei o Tribunal de Contas do Estado (TCE) antes de receber o salário, e o tribunal disse que todo o aumento concedido aos funcionários públicos automaticamente caberia aos vereadores e prefeito. Lamentavelmente, o Poder Judiciário foi contra o parecer do Ministério Público, que era a favor do aumento. Ele decidiu que o aumento era ilegal e solicitou a devolução, o que foi feito por mim e por muitos vereadores.
O senhor se arrepende de alguma decisão tomada durante a vida política?
Eu devo ter cometido erros, mas acho que fiz tudo de acordo com as necessidades do município. No último levantamento feito pelo Ibope no final do meu governo, me deu ampla e total aprovação do meu governo por parte da população de Caxias.
O senhor ensaiou uma candidatura a prefeito que não se concretizou. Por quê?
No ano 2000, todas as pesquisas apontavam meu nome como o único capaz de derrotar o meu amigo Pepe Vargas. Na época, minha esposa estava hospitalizada com leucemia e não tinha condições de enfrentar uma campanha eleitoral. Disse que só concorria se todos os partidos de oposição se unissem e isso não foi possível, e eu não aceitei. Com isso, em 2000, o Pepe Vargas foi reeleito. Foi o prefeito que fez alguma coisa em Caxias que pudesse reconhecer.
E tem alguma mágoa da política?
A não ser a rejeição do projeto, o restante não tenho mágoa. Cada partido tem o direito de escolher o seu caminho. Mágoa se apaga com o tempo. Não tenho do que me queixar.
Qual a contribuição da Operação Lava-Jato?
É decisiva. A Lava-Jato foi estabelecida em boa hora. Os corruptos devem estar na cadeia. O Poder Judiciário e a Procuradoria Geral da República estão realizando um trabalho magnífico. Espero que se termine de uma vez por todas com a corrupção na política brasileira. Por outro lado, hoje quem não tem grandes fortunas não pode concorrer ou vai fazer acordos com o poder econômico. A próxima eleição, sem a participação do poder econômico e com a proibição das contribuições de empresas, vai melhorar a situação do Brasil. O Supremo Tribunal Federal deu um passo importante para que haja democracia nas eleições brasileiras.