Uma nova prática está surgindo com força: o uso de recursos próprios para custeio de atividades públicas. A medida já foi adotada pelo prefeito de Caxias do Sul, Daniel Guerra (PRB), que utilizou dinheiro do bolso para comprar passagens aéreas quando foi a Brasília, em março. O chefe do Executivo também abriu mão do veículo oficial. Dois vereadores viajaram ao Exterior neste ano, Gustavo Toigo (PDT) e Paulo Périco (PMDB), e arcaram com os custos das viagens.
Leia mais
Esposa do vereador Renato Nunes assume como CC em Caxias do Sul
"Balança o triplex" do PT. Será que cai?
Prefeitura de Caxias do Sul muda a relação com a Câmara dos Vereadores
Prefeito Daniel Guerra diz que seu governo é alvo de sabotagem e terrorismo
A justificativa tem sido a economia que gera aos cofres públicos, em tempos tão austeros. A medida é simpática aos olhos da população, mas traz questionamentos. Conforme o especialista em Direito Administrativo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Aragon Érico Dasso Júnior, a opção em arcar com os gastos pode demonstrar mais que simples economia, mas a falta de certeza no interesse público da atividade:
– Por vezes, tu vai encontrar casos onde o prefeito ou o vereador ou secretário, com receio de um apontamento futuro, opta por esse caminho porque ele não tem clareza se o interesse público é tão evidente assim. Se ele estivesse convicto do interesse público, ele utilizaria do procedimento comum que é solicitação de transporte e das diárias – destaca o Doutor em Direito.
Para o diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, que atua no combate à corrupção, Manoel Galdino, o correto seria que esses agentes políticos doassem o valor das passagens ou das diárias para a prefeitura ou Câmara, para que o rito "da coisa pública" seja seguido.
Galdino acrescenta que essa prática pode favorecer políticos ricos, que podem bancar algumas atividades que outros não podem. Conforme ele, todo cidadão pode ser candidato e deve poder governar em condições de igualdade, por isso a importância de que o dinheiro seja público.
– Se o prefeito quiser doar, pode doar independente de quem está no poder e não apenas para beneficiar ele mesmo. A gente não quer que vereadores que possam fazer viagens sejam os ricos e um vereador pobre não possa. A gente não quer que o eleitor se veja estimulado a votar em rico porque o rico usa o seu dinheiro para governar melhor. A gente quer que eles sejam iguais na representação do eleitor – frisa Galdino.
Agenda deve ser pública
A última viagem do prefeito Daniel Guerra a Brasília, nos dias 22 e 23 de junho, foi cercada de mistério. Inicialmente, a assessoria de imprensa e a Chefia de Gabinete divulgaram apenas que ele estava em agenda externa. A confirmação de que Guerra tinha ido a Brasília só chegou quatro dias depois. O motivo alegado pela prefeitura foi que o sigilo era estratégico. No portal da transparência, a justificativa é: "Para participar de reunião sobre ação judicial movida contra o Município".
Conforme Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil, um agente político, mesmo quando argumenta que a agenda é sigilosa, precisa explicar os motivos. Por exemplo, se representa uma ameaça à sociedade a sua divulgação:
– Ele precisaria classificar, digamos, se é uma questão de segurança, e dizer por qual período a informação vai ficar em sigilo. Essa fundamentação vaga de que é uma questão estratégica está fora da lei – avalia Galdino.
Este ano
:: O único vereador a utilizar diária este ano foi Edson da Rosa (PMDB). Ele representou o Legislativo em junho, na inauguração da Escola do Legislativo da Câmara de Uruguaiana. O valor foi de R$ 975 para duas diárias.
:: O vereador Toigo usou carro do Legislativo para ser levado e buscado no Aeroporto Salgado Filho na viagem que fez à Europa.
:: O prefeito Guerra, na viagem a Brasília nos dias 22 e 23 de junho, usou passagens (R$ 3.883,51) e diárias (R$ 641,50) pagas pelo município. Na viagem a Brasília, em março, pagou as passagens do próprio bolso e utilizou parte das diárias, a que tinha direito, no valor de R$ 311,94.
:: Guerra abriu mão do veículo oficial, deixando o carro para a frota da prefeitura. Conforme a assessoria de imprensa, ele costuma usar o carro próprio para deslocamentos na cidade, mas também utiliza veículo do município, como no dia que foi a Brasília. O motorista o levou e buscou no Aeroporto Salgado Filho.
:: O vereador Flavio Cassina (PTB) esteve fora da Câmara no mês de junho. Durante a licença não-remunerada, ele viajou à Itália, onde permaneceu por 10 dias. Durante a licença, o suplente Clovis Xuxa (PTB) assumiu.
Prefeito e vereadores não tiveram desconto no salário por estarem em representação
Nos três casos, prefeito e vereadores não tiveram desconto nos salários, porque estavam em representação, o que é legalmente possível. Em Direito, isso se chama ônus parcial. Guerra, na primeira viagem a Brasília, com passagens pagas com suas milhas, permaneceu três dias e utilizou parte da diária a que tinha direito: R$ 311,94.
O vereador Gustavo Toigo viajou a Portugal de 15 a 24 de abril, onde apresentou no Congresso da Unesco, realizado entre 18 e 22 abril, na Universidade de Coimbra, o roteiro turístico Caminho Padre João Schiavo, criado a partir de projeto de lei apresentado por ele. O vereador também esteve na Embaixada do Brasil em Lisboa.
Já o vereador Paulo Périco permaneceu 13 dias na Itália e França, em junho. Em Milão, teve uma reunião na Câmara de Comércio, Indústria e Agricultura e visitou o Museu da Alfa Romeo. Foi também à Universidade de Padova, em Pádua, onde estudou. Na França, esteve na Universidade de Grenoble e conversou com vereadores.
Conforme o presidente da Câmara, Felipe Gremelmaier (PMDB), as viagens somente foram autorizadas porque não haveria gastos ao Legislativo. Apesar disso, tiveram que prestar contas à Mesa Diretora. Para ele, essa é uma tendência forte, que não prejudica a transparência:
– Ao contrário. Não gasta recurso e dá retorno da representação. É transparência ativa.