Nome histórico do PT, o ex-governador Olívio Dutra dedica-se à reconstrução do partido que ajudou a fundar no final da década de 1970, após dezenas de denúncias de corrupção contra lideranças nacionais e que trouxe descrédito de parte da população.
Mesmo diante da desconfiança, Olívio garante que não pretende deixar a sigla e diz que o partido tem o que celebrar. Mas critica a falta de empenho para colocar em discussão a Reforma Política e de uma avaliação "franca" das decisões partidárias e sobre as denúncias de corrupção que envolvem lideranças petistas.
Olívio falou sobre a preocupação da consolidação da democracia e afirmou que antes de o PT apresentar nomes para a candidatura à Presidência é preciso discutir um projeto estratégico para o país.
Confira os principais trechos da conversa que Olívio manteve com o Pioneiro na terça-feira.
Pioneiro: O PT mudou muito desde a fundação. O senhor está contente com esse novo PT ou acredita que precisa voltar às origens?
Olívio Dutra: O Partido dos Trabalhadores não nasceu nos gabinetes dos executivos e dos legislativos. Ele conquistou esse espaço na constitucionalidade com o tempo. Mas o poder é um problema se você não analisa constantemente no Estado que sempre foi cidadela dos grandes grupos econômicos. Se tu não se posiciona bem, ela (a máquina pública) é triturante. O partido obteve avanços significativos na implementação de políticas sociais que possibilitaram a inclusão de mais de 40 milhões de brasileiros a ter um padrão de vida muito mais digno. No meu parecer, o partido não se avaliou nas suas experiências de estar na institucionalidade de corpo inteiro. Isso o levou a imitar práticas de partidos tradicionais na administração da máquina pública. O partido tem que celebrar, mas nunca solito. Ele governou com parcerias inclusive contrárias ao seu projeto por conta da estrutura política que deveria ser reformada. O partido deixou para depois a Reforma Política.
Recentemente, o partido passou por eleições internas. Haverá renovação?
Eu acho que não se avançou suficiente na radicalidade democrática no interior do partido. Permanece um processo de eleição em que há uma espécie de controle de cima para baixo sobre as estruturas partidárias. A base partidária ainda ficou na expectativa de uma avaliação mais consistente e franca sobre as suas experiências de governo e as ilicitudes das quais participou e protagonizou. O processo ficou aquém do que deveria avançar. Percebo uma inquietação na base partidária sobre como o partido se colocou no último período sendo o partido do presidente e da presidente da República, e em determinados momentos passou a ser um mero coadjuvante do jogo político. Temos uma mulher na presidência do partido, mas é a senadora Gleisi (Hoffmann) que também é uma pessoa que tem que dar explicações sobre tantas outras coisas, além de tantas explicações que as figuras importantes do partido têm que estar dando por conta do gerenciamento político que aconteceu longe da base partidária. O PT tem que resgatar seu projeto original e trabalhar para enfrentar desafios novos.
É difícil continuar no PT tendo que dar explicações sobre o envolvimento de lideranças com denúncias de corrupção?
O Partido dos Trabalhadores não é de uma, duas, três pessoas ou de uma tendência. Eu sempre encarei o PT como partido de construção coletiva e solidária. Quando ele deixou de ser, foi pior para a história coletiva do partido. Eu não tenho nenhuma ideia de sair do PT, e não concordo da forma que o PT se conduziu e nem como está encarando a crise que ele foi não só vítima, mas também protagonista.
Como recuperar a imagem do partido com os eleitores?
O Partido dos Trabalhadores têm que estar constantemente debatendo a democracia e possibilitar que cada cidadão e cidadã tenha a capacidade de opinar, de criticar, de cobrar e de aperfeiçoar projetos: o olho do dono é que engorda o boi. Processos como o Orçamento Participativo não poderiam ter ficado no escaninho ou meio engavetado. O Orçamento Participativo não é uma obra do PT, mas uma conquista do cidadão.
A esquerda brasileira precisa se reinventar?
Um pensamento de esquerda é um pensamento humanista. Na conjuntura mundial hoje, o Papa Francisco é um homem de esquerda. Para ser de esquerda, não precisa estar em um partido comunista, socialista ou revolucionário, mas tem que se respeitar a existência desses e de outros partidos. Tenho esperança nas transformações coletivas e solidárias. Não coloco ficha na liderança exclusiva, carismática. Eu aposto na sabedoria do povo brasileiro. Deram o golpe na democracia desrespeitando mais de 54 milhões de votos que elegeram a Dilma (Rousseff) e estão aí envolvidos nas rodilhas dos próprios laços tendo que beber do próprio veneno. Eles não têm um projeto para o país se não o de salvar o seu pelo. Chamar hoje eleições Diretas Já é uma demanda que simboliza que o povo quer participar das decisões maiores sobre destino do país, mas queremos garantir mesmo as eleições gerais em 2018.
Qual a sua avaliação do Governo Sartori?
Eles já governaram o Estado em outras ocasiões com esse projeto neoliberal. O Estado, na visão desse governo, só funciona bem se estiver reduzido nas suas funções fundamentais e sendo repassado para interesses de grupos privados. O governo estadual é a cara metade do governo federal.
Quem deveria concorrer a presidente pelo PT?
Essa é uma questão que não pode ser precipitada ou imposta. Tem que ter um projeto estratégico para o país e não meramente eleitoral. O PT tem papel importante nesta construção. Pensar que somente o Lula é a alternativa, sem antes uma conversa com os movimentos sociais, populares e comunitários, é uma precipitação.
Não seria um equívoco lançar um candidato investigado pela Lava-Jato?
Não estou dizendo que tem que lançar. O Lula tem todo direito de disputar, se vai ser eleito ou não é outra história. Eu não aposto ficha em nenhum salvador da pátria, mas entre os citados como possíveis candidatos, evidentemente que o Lula tem muito maior representatividade com todos os problemas que estão sendo lançados contra ele. Ele é uma figura que não se apaga da história do país por conta meramente ideológica ou dessa ou daquela suposição. Eu penso que a democracia no país não está consolidada pelos golpes que sofremos na história mais contemporânea. A democracia brasileira está precisando se consolidar para não sofrer mais esses golpeamentos de tempos em tempos.