O prefeito Daniel Guerra (PRB) pretende sustentar o primeiro ano de seu governo com investimentos basicamente em três áreas: saúde, educação e segurança. Por ora, uma decisão administrativa determinou o corte de repasses de recursos para entidades ligadas à cultura, esportes, entidades assistenciais e eventos comunitários.
O governo alega que a contenção de gastos tem o empurrão central da decisão da Justiça em determinar o bloqueio de R$ 69 milhões das contas para prefeitura para o pagamento de indenização à Família Magnabosco pela ocupação irregular da área do bairro Primeiro de Maio e por outros precatórios. Outra preocupação é com o pagamento em dia dos salários dos servidores municipais.
Entre as ações da prefeitura realizadas até agora, estão a incorporação de 32 médicos na rede pública, a compra de medicamentos, a cuidadoria de 400 estudantes da educação especial e proposta de ampliação em mais 1,3 mil vagas na educação infantil. Na segurança, o Executivo criou a operação Centro Legal e duas força-tarefas: uma na Estação Férrea e na Perimetral Norte, locais de duas mortes neste ano (veja quadro abaixo). Nesta sexta-feira, a prefeitura anunciou ampliação do quadro de médicos para reforço no Postão 24 Horas.
O doutor em Direito Público e professor da FSG, Adriano Tacca, diz que, ao eleger como prioridade investimentos em saúde e educação, a administração está apenas cumprindo um dever constitucional e que as expectativas da sociedade não podem ser restritas às três áreas elencadas como prioridades do governo municipal.
– Há obrigação constitucional na aplicação de 15% (de recursos) na saúde. Na educação, é preciso investir 25% (do orçamento municipal). Elas são prioritárias, mas não têm que excluir as demais.Segundo Tacca, as necessidades da população são sempre maiores do que a capacidade de investimento do Estado. Ele comenta que o administrador tem que priorizar áreas de atuação, mas não pode esquecer outros setores.
Tacca ressalta que as diversas áreas da administração pública comunicam-se entre si e, como exemplo, diz que ações na cultura, esporte, turismo e emprego contribuem para a redução de índices de criminalidade.
– Investir em segurança é somente atuar na consequência. Educação não se faz somente dentro da escola, tem outras formas de ensinar um aluno. Dar saúde à população não é só ter médicos. Os assuntos se comunicam transversalmente dentro de uma sociedade. A impressão é que vai paralisar todo o restante do município – completa o doutor em Direito Público.
Com o passar do tempo, cobranças começarão
Para o cientista político e doutor em Ciências Sociais Marcos Paulo dos Reis Quadros, a medida de prioridade a determinadas áreas adotada pelo governo municipal vem ao encontro de uma demanda atual e que pode ser considerada moderna e associada a uma visão liberal.
– A abordagem do prefeito foca naquilo que seriam as prerrogativas essenciais do Estado, como saúde, segurança e educação, por conta de limitações financeiras. É preciso se dedicar ao que é necessário – diz o cientista político.
Por outro lado, Quadros salienta que esse modelo de gestão contraria determinado entendimento da sociedade de que o Estado deve ser o provedor de tudo. E lembra que essa medida impacta, sobretudo, a faixa social que mais precisa dos serviços públicos.
Quadros diz ainda que, no campo político, a atitude pode gerar constrangimentos e questionamentos contra o governo, uma vez que há menos auxílio para áreas que são bases eleitorais dos vereadores.
Com cinco meses de governo, Quadros afirma que Guerra ainda está em período de “lua de mel” com a população em razão de ter apresentado uma proposta diferente de conduzir a política pública, mas, com o passar do tempo, os eleitores e a população começarão a cobrar da prefeitura um retorno efetivo dos serviços públicos.
ENTREVISTA: Chefe de Gabinete da prefeitura, Júlio Freitas
Pioneiro: O governo fez uma série de cortes. Esse dinheiro está sendo reservado para alguma ação especial?
Júlio Freitas: Todos os cortes que foram feitos continuam tendo a determinação do prefeito que é para educação, segurança, saúde e também para a folha de pagamento. Essa economia foi muito prejudicada pelo sequestro dos R$ 70 milhões das contas do município.
Quais os principais investimentos nas áreas da saúde, educação e segurança, prioridades do governo?
Teve compras emergenciais de medicamentos e hoje não há mais a falta disso. Há todo um planejamento desenvolvido pelas secretarias de Saúde, de Educação, pela assistência social, pela Secretaria de Segurança junto com o Planejamento para reformas de UBSs, escolas, vários projetos com captação de recursos de Brasília e próprios, reformas que precisam ser feitas e novas construções. Na saúde, o prefeito determinou ao secretário da Fazenda que não faltem recursos para absolutamente nada. O município é obrigado constitucionalmente a aplicar 15% de seus recursos e está aplicando em torno de 30%.
O sequestro do valor para o pagamento da dívida com a Família Magnabosco pode impedir a abertura da UPA da Zona Norte?
A abertura da UPA Zona Norte vai nos demandar em torno de R$ 20 milhões por ano. Pode atrapalhar, sim. A média da receita é em torno de R$ 110 milhões por mês e tem o sequestro de R$ 70 milhões e mais R$ 5 milhões/mês até o final do ano (totalizando R$ 35 milhões). Então, vamos pagar em torno de R$ 105 milhões, mais a folha de pagamento em torno de R$ 47 milhões (por mês). É uma tarefa árdua. Tem que ser cuidado a todo momento para verificar a possibilidade de mudança de rumo a ser feita no meio do caminho.
A paralisação de atividades no esporte e na cultura e a suspensão das festas comunitárias não serão prejudiciais à cidade?
Sempre é. O prefeito Daniel Guerra tem entendimento de que o esporte é importantíssimo na formação da criança, do jovem e do adulto. O Financiarte é importante, as questões comunitárias são importantes. Estamos tentando passar desde o início que todas essas áreas são importantíssimas, mas, no momento de dificuldade financeira, tem que se elencar prioridades, e o prefeito elencou como prioridade aquilo que é essencial na vida do ser humano, que é educação, saúde, segurança. E para fazer com que essas ações aconteçam, é preciso cuidar da folha de pagamento do funcionalismo. Não é um desmerecimento com a classe cultural, com a comunidade esportiva e com as entidades que prestam um trabalho fundamental no município de Caxias para toda população, mas estamos infelizmente vivendo um momento de baixa arrecadação financeira, de aumento de desemprego e das pessoas procurando serviços públicos na saúde e na educação. No Financiarte e no esporte, a legislação é muito clara e diz que não podemos liberar recursos com prestações de contas em aberto. Verificamos, por exemplo, que no esporte existem entidades que estavam com prestações de contas em aberto desde 2014, 2015 e 2016. Já conseguimos baixar um número considerável de entidades que tinham esse passivo, mas agora temos que ter cuidado com a questão financeira. Não podemos liberar recursos para o esporte e para o Financiarte correndo o risco de não termos dinheiro para pagar a folha de pagamento dos servidores, de não podermos pagar todas as vagas contratadas na área da educação e o atendimento básico na saúde.
O atraso na folha dos servidores é iminente?
Não digo que é iminente, ele é real, ele é real. Desde o sequestro dos valores das contas do município, o prefeito solicitou ao secretário da Fazenda que pesquise linhas de crédito e financiamentos no mercado com instituições financeiras com as melhores taxas possíveis e, em havendo a necessidade, que isso (o empréstimo) ocorra para não atrasar a folha de pagamento.
O que o prefeito está fazendo para atender às demais demandas da cidade?
O que a administração tem feito é tentar fazer a melhor gestão possível em todas as áreas. Estamos fazendo tudo aquilo que é possível para continuar pelo menos atendendo minimamente os outros setores da população. A gente tem sofrido muitas críticas com relação às entidades que tem um trabalho fantástico de muitos anos prestados na cidade, mas às vezes sentimos que temos dificuldade de ter essa comunicação com a população e com as próprias entidades. A Lei de Chamamento Público foi aprovada em 2014 para entrar em vigor em 1º janeiro de 2017 e esse período se deu exatamente para que as administrações públicas se preparassem e que não tivessem a interrupção de nenhum serviço. Essa lei diz que o administrador não pode mais escolher entidades e tem que fazer um chamamento público com a especificação do serviço e aberto para qualquer organização social legalmente constituída. Como a administração de Caxias do Sul não se preparou, muitos convênios terminaram a vigência no final do ano passado e não puderam ser renovados. Em 1º de janeiro, entrou em vigor a Lei do Chamamento e nos emperrou completamente. Estamos tentando buscar com a Procuradoria, com o Controle Interno, a forma legal de fazer esse processo de organização da administração pública. A Lei de Chamamento simplesmente foi deixada de lado.
Tem previsão para a prefeitura voltar a atender às necessidades em outras áreas?
Estamos preparando a promulgação de um decreto municipal para regulamentar a Lei do Chamamento Público em curto prazo. Agora a previsão de colocarmos em prática depende muito da questão financeira. Se não conseguirmos reverter o sequestro de R$ 70 milhões e mais R$ 5 milhões por mês até o final do ano, vai fazer que as perspectivas ao menos para o ano de 2017 sejam bem difíceis.