A ex-senadora Heloisa Helena mantém o mesmo tom crítico de 2003, quando foi expulsa do PT por discordar das medidas do então governo Lula. Para ela, as administrações petistas não se diferem em nada das gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e do presidente Michel Temer (PMDB).
Desde que deixou o PSOL, partido que ajudou a fundar em 2004, Heloisa dedica-se à Rede, sigla liderada por Marina Silva. A alagoana não descarta, inclusive, disputar as eleições de 2018, mas garante que a prioridade é trabalhar pela vitória de Marina.
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Nesta entrevista concedida por e-mail, Heloisa comenta o cenário brasileiro e defende eleições gerais. Confira:
Pioneiro: Qual a sua avaliação do governo Temer?
Heloisa Helena: A mesma avaliação feita para os governos FHC, Lula, Dilma-Temer. São administrações que reproduzem o mesmo modus operandi em incompetência técnica, mediocridade política e muitos e repugnantes crimes contra a administração pública. Fizeram as mesmas reformas Trabalhistas e na Previdência para roubar direitos dos trabalhadores. FHC passou três anos para aprovar a reforma dele, pois à época estávamos nas ruas resistindo. Lula chegou e repetiu a mesma farsa, aprovou a dele em apenas oito meses, em conluio com o PSDB, comprando parlamentares de vários partidos com o Mensalão e silenciando vergonhosamente os movimentos sociais. Dilma-Temer fizeram a Reforma Trabalhista, por Medida Provisória, retirando direitos, inclusive em áreas de maior dificuldade popular, como acesso ao seguro-desemprego. Temer promove a continuidade da canalhice dos seus companheiros de poder. Todos eles não fizeram reformas, de fato, apenas ludibriaram a opinião pública, preservaram privilégios de políticos e outras corporações pagas pelo setor público, roubaram direitos dos trabalhadores, promoveram lucros gigantescos às seguradoras privadas e seguem duelando em cinismo e demagogia como se diferentes fossem.
Diante da crise política brasileira, qual a saída para o país?
Apesar da contenda jurídica entre o que está estabelecido na Constituição Federal sobre eleições indiretas em vacância no mandato presidencial e o Código Eleitoral que estabelece eleições diretas em cassação da chapa presidencial pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), compreendo que o melhor para o Brasil seria a convocação de eleições diretas. Compreendo que existem oportunistas que desejam a eleição direta pela posição que ocupam numa pesquisa de intenções de votos e outros que não a querem pelo mesmo motivo em sentido inverso. Não podemos ficar reféns do medo da democracia. Mesmo que a nossa ainda seja fajuta, pois a maioria dos políticos se elegem comprando votos e não há justiça social, temos obrigação em continuar lutando pelo seu aprimoramento, pois ao longo da história da humanidade todas as ditaduras, de "esquerda" e de direita, foram burocracias assassinas, corruptas, totalitárias. Na verdade, ideal mesmo seria a convocação de eleições gerais, pois são tantos parlamentares descobertos pela Lava-Jato na promiscuidade política que exala odor insuportável, mas como ainda não há previsão legal, estamos trabalhando muito pela cassação da chapa Dilma-Temer, afinal, provado está a fraude que cometeram e a roubalheira que os elegeu.
Qual sua opinião sobre a Lava-Jato?
Uma demonstração de coragem na implementação de mecanismos de fiscalização, monitoramento e controle para punir tráfico de influência, intermediação de interesse privado, exploração de prestígio, formação de quadrilha e outros crimes mais. Quem como eu, não tem corrupto de estimação, certamente repete o ditado sertanejo "quem for podre que se quebre", de direita, de "esquerda", no mundo empresarial, no Congresso Nacional, em qualquer lugar.
A senhora tem mágoas do PT por ter sido expulsa?
Claro que não! Foi uma bela chance que Deus me deu, há mais de 14 anos, de ser testada entre ter cargos, prestígio e poder e vender minhas convicções para chafurdar na pocilga deles. Fico com repugnância quando vejo Lula e Dilma no meu estado chamando Renan (Calheiros) e (Fernando) Collor de queridos companheiros e pedindo votos pra eles. Bem melhor seria para o Brasil que tudo que eu alertei há anos atrás fosse apenas loucura e irresponsabilidade da minha parte. Não comemoro nada, apenas sigo trabalhando muito para ajudar este país maravilhoso a ser uma grande e generosa pátria e quando olho os caminhos que percorri e as cicatrizes das batalhas que travei, apenas agradeço por ter tido a oportunidade de não assinar a rendição dos que se vendem ao poder.
A senhora mantém relações com Lula e Dilma, por exemplo?
Dilma, na verdade, nem lembro se já a encontrei pessoalmente, pois ela não era dos quadros partidários antigos do PT e quando ela chegou à estrutura de governo, nós já tínhamos saído do partido. Lula, como ousei contestar no primeiro mês do seu governo, a indicação que ele fez do banqueiro Henrique Meirelles para o Banco Central, a opção que ele fez pela banda podre do PMDB, tentando impor que votássemos em Sarney e depois a tal Reforma da Previdência, ficou impossível qualquer convivência, claro! E nas investigações que participei sobre o Mensalão, que identificou semelhante banditismo que hoje assombra o país, e no mandato independente que fiz no Senado, não havia nenhuma possibilidade de convivência com ele e a cúpula palaciana do PT, embora tenha amigos honrados que são da militância em alguns estados.
A senhora foi uma das fundadoras do PSOL. Por que decidiu deixar a sigla e por que a escolha pela Rede?
Semana passada estive em Porto Alegre para plenária da Rede e antes fui na casa da querida Luciana Genro e ficamos até bem tarde conversando com outros militantes sobre as lutas que culminaram com nossa expulsão do PT, a luta pela fundação do PSOL e muitas outras lutas que travamos juntas e seguiremos por trilhas diferentes, mas em busca do mesmo caminho. Tivemos divergências, pois os fundadores já não eram maioria no PSol e algumas decisões que queriam estabelecer e eu entendia que feriam o que definimos como cláusula pétrea no pacto fundacional, desde a legalização do aborto, que sou contra, ao apoio a Dilma e impedimentos de ajudar Marina na fundação da Rede. Enquanto alguns mudam de partido para usufruir dos banquetes do poder, outros conseguem ter a ousadia de recomeçar, e no caso da Rede, estou trabalhando muito, especialmente por Marina, pois conheço profundamente sua coragem, humanismo, compromisso social e sua capacidade de unir o Brasil.
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A que a senhora tem se dedicado atualmente?
Estou ajudando na Coordenação Nacional de Organização da Rede, assim, tenho viajado pelos estados trabalhando com nossa militância para os gigantescos desafios a serem enfrentados e também na Fundação Rede que tem como principal tarefa no segundo semestre promover debates para a construção dos 18 eixos estratégicos na construção do Brasil sustentável. Muito trabalho, imensas dificuldades, obstáculos sem fim, mas seguimos tentando, afinal, como dizem na Infantaria: "o difícil a gente faz, o impossível a gente tenta".
A senhora disputa as eleições de 2018?
Existe possibilidade, mas a única definição agora é que não mudarei o domicílio eleitoral, como muitos que me respeitam profundamente gostariam que eu fizesse por entender que em Brasília ou no Rio (de Janeiro) as possibilidades eleitorais pra mim fossem melhores. Reconheço as dificuldades extremas que enfrento em Alagoas pela perseguição implacável da poderosa estrutura de poder político, econômico e midiático contra mim, mas reconheço a coragem dos que resistem com bravura e prefiro disputar o processo eleitoral na minha terra, além de obrigar a "politicanalha" local a ter que gastar muito do dinheiro que roubam pra conseguir me derrotar.
Sua retirada da cena nacional expressa um desencanto com a política institucional?
O problema é que visibilidade pública das lutas sociais, infelizmente, só acontece para os que têm mandato político, daí, mesmo quando seguimos lutando todos os dias, não somos vistos porque a atenção pública está direcionada aos parlamentos e Executivos. Sobre desencanto, aprendi ainda na infância com minha mãe a renascer todos os dias renovando coragem, solidariedade e esperança nas mudanças estruturais profundas para vida cotidiana da maioria das pessoas que a vulnerabilidade social tudo já levou. Sou do tipo que enxuga as lágrimas, contempla cicatrizes e segue em frente independente da trincheira em que está.
A esquerda não segue errando estrategicamente ao permanecer desunida?
Que esquerda? Os governos de Lula e Dilma-Temer não foram de esquerda, foram de traição de classe, servilismo ao grande capital, roubo de direitos, promiscuidade com bilhões dos cofres públicos na formação de quadrilha para o "propinodromo" deles, que de esquerda nada têm. A Rede aglutina pessoas que se identificam como esquerda, como eu, e pessoas que são humanistas e ambientalistas e não querem ficar sob o rótulo de esquerda ou direita, como Marina. Convivemos respeitosamente com nossas diferenças e tentamos sempre os consensos progressivos na busca da construção da alternativas para superar a polarização PT-PSDB e outros que sempre parasitam qualquer poder.