Que existe preconceito com as temáticas relacionadas a direitos humanos, não há dúvida. Mas como se ultrapassa essa barreira? Para o doutor e mestre em Sociologia e especialista em Segurança Pública, Marcos Rolim, o Brasil ainda tem um longo caminho a trilhar.
Referência no assunto, Rolim diz que o Brasil tem uma experiência democrática ainda muito curta e que levará tempo para que o tema seja encarado da forma que merece. Neste sábado, dia em que se comemora os 68 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ele reflete sobre o assunto e não poupa a mídia pela imagem distorcida criada.
Confira os trechos da entrevista concedida por telefone:
Pioneiro: Para que servem os direitos humanos e por que são importantes
Marcos Rolim: Os direitos humanos servem para se afirmar um padrão de civilização que algumas nações do mundo já alcançaram, mas que a maioria ainda está muito distante, especialmente países como o Brasil, onde falta um caminho muito grande para se assegurar direitos, para se assegurar uma cultura de respeito, de civilidade e de garantia.
O que falta no Brasil?
No Brasil falta muita coisa. A primeira e mais importante delas é governo. Segundo, nos falta cultura, especialmente cultura democrática. O Brasil vive mergulhado em uma onda de ódio, intolerância, preconceito, e isso é muito ameaçador, porque as possibilidades de injustiças e violência aumentam quando as pessoas estão dispostas a sentenciar os demais, a excluir os outros que pensam diferente. Há um déficit civilizacional. O Brasil não passou por nenhum movimento como o Iluminismo. Nós desconhecemos questões elementares, por exemplo, direito de defesa, diversidade, respeito. São coisas que as pessoas desconhecem como regra. São carências básicas. Elas são muito vinculadas umas às outras. A falta de cultura democrática nos possibilita um sistema político completamente disfuncional. A falta de consciência política faz com que a população eleja representantes corruptos e isso favorece a demagogia. Isso está dentro de uma situação de um círculo vicioso de falta de virtudes cívicas.
Por que há tanto preconceito com a temática dos direitos humanos?
Um dos temas fundamentais é que a imprensa no Brasil não ajuda. Setores importantes da mídia reproduzem uma visão preconceituosa contra os direitos humanos. Na verdade, os jornalistas são parte desse problema. Eles são representantes do senso comum, retratam em seus comentários muito frequentemente aquilo que a maioria das pessoas acha e alguns veículos exploram essa sintonia com a população para garantir margens maiores de audiência. Então, por exemplo, quando tu vês programas na televisão aberta do tipo policial, do tipo mundo cão, onde os apresentadores estimulam a prática da violência, onde tratam as pessoas que são suspeitas com todo o desrespeito já como se fossem bandidos. Isso é uma barbárie que acontece na tevê brasileira há anos e no rádio brasileiro há anos. É claro que as pessoas que estão assistindo a esse tipo de mensagem vão se convencendo de que é isso mesmo. O quadro da dor envolve todos nós de alguma forma. Nós todos estamos nesse ambiente cultural de intolerância e os direitos humanos são afetados por isso, porque eles contrariam essa lógica. Quando eu digo "todas as pessoas têm direitos", isso é difícil de ser compreendido. Quando digo que a pessoa suspeita da prática de um crime só será culpada quando for julgada culpada, isso é difícil de entender. Para a grande maioria das pessoas, seria mais aceitável se a polícia matasse os suspeitos. Na verdade, o que está pulsando aí é uma Idade Média que o Brasil carrega e ainda não se livrou.
E como se supera isso?
Acho que faz parte do nosso processo democrático. O Brasil tem uma experiência democrática muito incipiente, muito nova. Esses últimos 30 anos são o período mais longo de democracia da nossa história. Durante toda a República, nunca tivemos um período tão longo de democracia. Trinta anos é praticamente nada. Então, é nesse convívio com a diferença, no debate público, é errando, apostando, mudando que a gente vai construir essa cultura democrática, que outros países construíram porque têm uma experiência centenária de democracia. No nosso caso, tudo é mais novo, é mais difícil, especialmente agora. Eu acho que a gente está num momento muito particular dessa crise no Brasil, por conta da crise econômica, por conta da insegurança que afeta todos nós, há uma onda de violência e criminalidade no Brasil que começou nos anos 1980 e que vem se agravando, até pela falta de políticas públicas dos governos brasileiros e as pessoas amedrontadas, vitimadas muitas vezes, elas têm mais dificuldade de reflexão. O medo é sempre um mau conselheiro. E as pessoas, quando estão amedrontadas, elas estão muito mais aptas, disponíveis aos manipuladores, aos demagogos. Então, o Brasil está correndo risco, como os Estados Unidos provou agora, de, na próxima eleição de 2018, elegermos um demagogo, alguém que representa esse medo disseminado e explora esse medo.
E de que forma o respeito aos direitos humanos pode beneficiar a todos, não só a quem teve algum direito violado?
Se eu digo que ninguém pode ser considerado culpado sem trânsito em julgado de uma sentença, isso quer dizer o seguinte: nós todos, eu, tu, todos que vão ler essa matéria, temos esse direito. Eu não vou amanhã ser encaminhado à prisão mediante uma acusação qualquer da qual eu sou inocente sem que eu tenha a chance de me defender. Ninguém está livre disso, qualquer pessoa pode ser processada, qualquer pessoa pode ser acusada injustamente, qualquer pessoa pode ser confundida, inclusive, com um criminoso. Essas garantias são garantias para nós, não são para os bandidos, são para as pessoas todas, inclusive as suspeitas de práticas de delitos. Só vai se entender isso quando a pessoa é violada, aí ela entende que o direito dela foi violado. Acho que vale a pena insistir muito que Direitos Humanos significa, por exemplo, direito à saúde, à educação, à liberdade de expressão. Tudo isso são direitos fundamentais. O mundo se construiu como civilização a partir desse reconhecimento de que há direitos que são de todos, que não são de grupos, que não são de indivíduos.