A estreia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na condição de réu da Justiça Federal está amparada em indícios circunstanciais, como quebra de sigilo telefônico, telemático (e-mails) e agendas apreendidas que confirmam encontros dele com outros réus. Zero Hora teve acesso à denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra Lula e outras seis pessoas, aceita pelo juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília.
Lula é acusado de participar de um complô para comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da Área Internacional da Petrobras, que está preso por corrupção e inclusive já foi condenado no âmbito da Operação Lava-Jato. A ideia era impedir que Cerveró delatasse a participação de Lula e outras pessoas em tráfico de influência para empresas beneficiadas por contratos com a Petrobras.
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Foram denunciados, além de Lula, o ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT, agora sem partido), o pecuarista José Carlos Bumlai (amigo de Lula e frequentador do Palácio do Planalto nos seus governos), o filho dele, Maurício Bumlai, o banqueiro André Santos Esteves, Diogo Ferreira Rodriguez (ex-assessor de Delcídio), e Edson Siqueira Ribeiro Filho, que atuou na defesa de Cerveró.Delcídio e Diogo Rodriguez firmaram acordo de colaboração premiada na Lava-Jato e são as principais testemunhas contra os demais réus. Em contrapartida, poderão ter a pena reduzida, em caso de condenação.
O MPF acusa todos os envolvidos de tramarem a entrega de R$ 250 mil à família de Nestor Cerveró, para evitar que o ex-diretor da Petrobras delatasse atos de corrupção na estatal.As principais provas são testemunhais. O ex-senador Delcídio (que chegou a ser preso e foi cassado por envolvimento em corrupção) diz que encontrou Lula em meados de maio de 2015 na sede do Instituto Lula, em São Paulo. Conforme ele, Lula manifestou grande preocupação pela possibilidade de José Carlos Bumlai ser preso, em decorrência de delação de Nestor Cerveró."Cerveró precisa ser ajudado", teria dito o ex-presidente Lula.
Delcídio diz ter concordado em "transmitir o recado de Lula" ao filho de José Carlos Bumlai, Maurício, e ter acertado com ele pagamentos de R$ 50 mil mensais a Cerveró, a partir de 22 de maio de 2015. Outros quatro pagamentos teriam sido feitos em 12/06/2015, 4/07/2015, 17/08/2015 e 25/09/2015.
Veja os demais indícios que levaram Lula a ser transformado em réu:
Transferências bancárias
- Cópias de registros de transferências bancárias de José Carlos Bumlai e Maurício Bumlai para Edson Ribeiro, advogado de Nestor Cerveró.
Depoimentos comprometedores
- Depoimento de Edson Ribeiro confirmando que o dinheiro dos Bumlai seria para ajudar Cerveró.
- Colaboração premiada de Diogo Ferreira, chefe de gabinete de Delcídio Amaral, confirmando que o dinheiro dos Bumlai era para pagar o silêncio de Cerveró quanto à corrupção governamental na Lava-Jato.
Passagens aéreas e agendas
- Cópia de bilhetes de viagens de Diogo Ferreira a São Paulo para receber dinheiro em espécie, sacado pelos Bumlai.
- Cópia de e-mails de funcionários do Instituto Lula, nos quais há cópia da agenda mostrando diversos encontros de Lula com Delcídio do Amaral. As reuniões aconteceram dias 16/04/2015, 30/04/2015, 08/05/2015, 19/06/15 e 31/08/15, "no curso das tratativas da compra do silêncio de Cerveró e durante o período em que os pagamentos foram efetuados por Delcídio, Maurício Bumlai e José Carlos Bumlai", ressalta a denúncia do MPF.
Telefonemas de Lula e Delcídio
- Registros de oito telefonemas de Lula (quebra de sigilo telefônico) para Bumlai, dias antes do primeiro pagamento de Bumlai a Cerveró.
- Registros de dois telefonemas de Lula a Bumlai no dia seguinte ao primeiro pagamento.
- Registros de telefonemas de Delcídio a Bumlai, no intervalo entre as conversas de Bumlai e Lula.
Delação de empresários
- Depoimento dos empresários Salim Schahin e Fernando Schahin confirmam que José Carlos Bumlai falou que Lula interveio na contratação da construtora Schahin pela Petrobras, para construção de um navio-sonda. Teria feito isso para compensar o pagamento de um empréstimo feito pelos Schain ao Partido dos Trabalhadores. "A contratação estava abençoada por Lula", declarou Salim.
O que disse Lula
Ouvido a respeito, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu sua amizade com José Carlos Bumlai, admitiu ter se reunido com Delcídio do Amaral e inclusive discutido com ele ''aspectos da OperaçãoLava-Jato". Lula negou, porém, qualquer participação ou mesmo saber de pagamentos feitos a Nestor Cerveró para comprar seu silêncio.