Um relatório inédito do Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre a situação da saúde pública no Rio Grande do Sul aponta cenário de falta de pessoal, distorções no financiamento e falhas de planejamento.
O trabalho, que tem como base o ano de 2014, na gestão de Sandra Fagundes, sob o governo de Tarso Genro (PT), deverá ser apreciado pelo plenário da Corte nas próximas semanas. Caso o documento seja aprovado, a Secretaria Estadual da Saúde terá limite de 60 dias para apresentar plano de ação capaz de aprimorar o atendimento prestado pelo SUS aos gaúchos. O cumprimento do projeto, que deverá conter metas, prazos e responsáveis, será monitorado pelo tribunal.
A auditoria, obtida por ZH por meio da Lei de Acesso à Informação, teve como finalidade "identificar os principais problemas que afetam a qualidade da cadeia de serviços de atenção básica oferecidos em unidades básicas de saúde (UBSs)". O exame do atendimento prestado pelo SUS se valeu de fontes como auditorias e estudos acadêmicos anteriores, entrevistas com gestores e profissionais da saúde, pesquisa com secretários municipais da área e visitas a 11 secretarias e 25 UBSs. Os auditores dividiram a análise em quatro áreas principais: gestão de pessoas, monitoramento e avaliação, planejamento e articulação, e financiamento. Em todos, foram observadas deficiências.
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Um dos pontos a serem corrigidos é o modelo de financiamento do sistema. O relatório aponta desequilíbrios na distribuição de recursos, ou seja, por vezes municípios com pior situação financeira recebem menos auxílio do que cidades com maior receita. São citados como exemplos os casos de Triunfo e Alvorada. Triunfo, apesar de ter receita tributária per capita muito superior (R$ 5,1 mil, em valores de 2013) à de Alvorada (R$ 575), recebe ainda mais recursos per capita para a saúde. Enquanto Alvorada somou R$ 1,94 por habitante na primeira parcela da Política de Incentivo Estadual à Atenção Básica em Saúde (Pies) em 2014, por exemplo, Triunfo abocanhou R$ 4,39.
Outra distorção é que boa parte das verbas destinadas por União e Estado à área depende de contrapartidas das prefeituras beneficiadas. Em razão disso, municípios em dificuldade financeira deixam de firmar convênios e perdem dinheiro de programas como o de Saúde da Família. O levantamento do TCE calcula que os municípios perderam R$ 142 milhões em 2013 por não terem implantado todas as equipes de Saúde da Família a que teriam direito.
O texto da auditoria explica que "a dificuldade na criação e/ou expansão das eSF (equipes de Saúde da Família) reside, principalmente, na limitação de gastos com pessoal imposta pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e na impossibilidade em aportar recursos, na forma de contrapartida, para a contratação dos diversos profissionais de saúde que compõem as eSF."
Por essa razão, a lentidão no aumento da cobertura das equipes também é citada no levantamento como indício de mau planejamento na saúde. O parecer do Ministério Público de Contas sobre o tema, incluído no relatório, cita que a cobertura do programa deveria ter alcançado 70% em 2015 no Estado, mas ficou em 56,6%.
A tradição no TCE é de que plenário acompanhe o parecer do relator – no caso, o conselheiro Cezar Miola. Se isso se confirmar, o Estado terá dois meses para apresentar um plano de ação.
O que dizem os gestores
Sandra Fagundes, secretária da Saúde em 2014
Em argumentação incluída no relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE), diz que a Secretaria Estadual de Saúde (SES) priorizou a atenção básica no Plano Estadual de Saúde. Entre 2010 e 2014, segundo ela, o Estado teve o segundo maior crescimento de equipes de Saúde da Família no país – 46,2%. Sustenta ainda que o Estado nomeou 1.008 profissionais de saúde, distribuiu R$ 120 milhões aos municípios em 2014 levando em conta critérios como vulnerabilidade social e implantou melhorias no monitoramento das ações governamentais.
João Gabbardo dos Reis, atual secretário da Saúde
O atual titular da SES se compromete a discutir com União e municípios melhorias no modelo de financiamento do sistema e incentivar a contratação de servidores permanentes na área da saúde pelas prefeituras. Um Grupo de Trabalho da Atenção Básica, segundo o gestor, já vem promovendo discussões sobre o aperfeiçoamento do sistema. Lembra, ainda, que a reestruturação do quadro de pessoal foi afetada pelo decreto que proíbe contratações em razão da difícil situação financeira do Estado.
Algumas das falhas apontadas
Gestão de pessoas
-Falta de profissionais e variadas formas de relação de trabalho e padrões de remuneração, o que gera instabilidade funcional, desfavorece a construção de vínculo entre os profissionais e os usuários e compromete a qualidade do serviço.
-Foi identificada "fragilidade" dos indicadores utilizados para avaliar itens como a satisfação do usuário do SUS e dos profissionais de saúde no setor de saúde pública. Ou seja, faltam dados concretos que permitam medir o nível de contentamento da população e dos prestadores de serviço com a estrutura atual.
Planejamento
-É considerada lenta a ampliação da cobertura proporcionada por equipes de Saúde da Família. No exercício de 2015, o serviço atingiu 56,66% de abrangência no Estado, enquanto o Plano Estadual de Saúde previa como meta 70% ao final do ano passado.
Monitoramento
-São classificados como insuficientes o planejamento, o monitoramento e a avaliação da atenção básica, "de maneira a verificar a qualidade e consistência dos dados, realização de análise para efeito da programação, execução e divulgação de resultados".
Financiamento
-Distorções na distribuição de recursos federais e estaduais aos municípios prejudicam as cidades que registram piores condições socioeconômicas e, em consequência, têm populações em maior vulnerabilidade social e contam com os serviços do SUS como única fonte de assistência à saúde.
-Municípios com pior condição financeira por vezes não conseguem aderir a programas federais e estaduais, como o de Saúde da Família, devido à falta de recursos para contrapartidas e pelo limite com despesa de pessoal imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal.