A divergência entre Dilma Rousseff e Rui Falcão escancarou o distanciamento entre a presidente afastada e a cúpula do PT. Na reta final do impeachment, com remotas chances de regressar ao poder, Dilma enfrenta processo gradual de isolamento. Reclusa no Palácio da Alvorada, não encontrou respaldo partidário à proposta de chamar um plebiscito para perguntar se os brasileiros desejam novas eleições. Apesar do cenário adverso, ela não admite a hipótese de renunciar.
Já o PT não se dedica mais integralmente à defesa de Dilma. A legenda está focada nas eleições municipais, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem participado de lançamentos de candidaturas a prefeito em diversas cidades, procura se esquivar do avanço das investigações da Lava-Jato.
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O mais recente sinal do isolamento de Dilma foi emitido pelo presidente do PT, Rui Falcão, que rechaçou a tese de novas eleições na quinta-feira, após reunião da direção da legenda. Não se trata de uma divergência qualquer: a presidente afastada pretende incluir na "Carta aos Brasileiros", prevista para esta semana, a ideia do plebiscito como derradeira tentativa de virar votos no Senado.
– Não vejo nenhuma viabilidade para esse tipo de proposta – disparou Falcão.
Nos bastidores petistas, a avaliação é de que há outras querelas como pano de fundo. Em julho, depois de o marqueteiro João Santana e a mulher dele, Mônica Moura, terem confessado ao juiz Sergio Moro que tiveram uma dívida de campanha quitada pelo PT com dinheiro de caixa dois, a presidente afirmou que "não autorizou" esse tipo de prática. Ainda disse que, "se houve pagamento, não foi com o meu conhecimento". Nas justificativas, Dilma deixou o ônus com o PT e se eximiu.
– A declaração do Rui está relacionada ao fato de a Dilma ter jogado a responsabilidade do caixa dois para o PT. Aquilo criou um incômodo no campo majoritário. Ela está isolada no Alvorada, com um grupo muito restrito de pessoas em torno dela – relatou um influente parlamentar da sigla.
A interpretação é de que, sem o aval de Lula, Falcão não faria declaração tão incisiva para contrariar a posição de Dilma, que defende a ideia do plebiscito apenas com o apoio da corrente Democracia Socialista, do ex-ministro Miguel Rossetto.
– Propostas mirabolantes não vão resolver. Essa ideia de plebiscito não é consenso e teria de passar pela Câmara e pelo Senado. Imagine como passaríamos uma proposta dessas na Câmara agora? – questiona o petista, indicando a fragilidade da sigla no Congresso.
Presidente do PT do Rio Grande do Sul, Ary Vanazzi refuta a hipótese de Dilma estar isolada. Ele entende que Falcão, ao rejeitar o plebiscito, está sustentando a decisão da Frente Brasil Popular, que agrega partidos e movimentos sociais e sindicais que se uniram para criar uma agenda de mobilização contra o impeachment. Mas Vanazzi confirma que a sigla já está focada nas eleições, o que reduziu parte da mobilização do PT para reverter o afastamento de Dilma. O dirigente defende a presidente afastada no episódio do caixa dois.
– Quem tem de explicar a origem do recurso é a coordenação de campanha, que estava com o PT – diz Vanazzi.
Auxiliares de Dilma admitem as divergências, mas esperavam que o partido sustentasse o plebiscito. O comentário de Falcão irritou a presidente e os senadores que passaram os últimos meses empenhados na sua defesa. A carta é vista como única forma de convencer os indecisos que restam a votar no julgamento do impeachment a favor da petista.
Interesse em preservar biografia e justificar discurso do golpe
Mesmo ciente de que a chance de reverter o impeachment é mínima, Dilma garante a aliados que "irá até o fim" na defesa do mandato. Foi o recado passado a ex-ministros, senadores, sindicalistas e militantes que visitaram a petista na última semana no Palácio da Alvorada.
– Em hipótese alguma ela renuncia. Vai honrar o compromisso com o povo – afirma o ex-ministro Miguel Rossetto, que esteve com Dilma na quinta-feira.
Rechaçada pela presidente, a renúncia foi cogitada, em meados de junho, por assessores. Seria uma forma de abreviar a sangria no caso de uma "lavada" na votação em plenário da pronúncia do impeachment, que indicará se há elementos no processo para que ocorra o julgamento, prevista para começar amanhã. O risco de uma derrota expressiva é considerado alto entre petistas.
Apesar dos prognósticos, Dilma corta interlocutores que ensaiam discutir a renúncia. Ex-ministros, parlamentares e dirigentes do PT afirmam que desistir não combina com o perfil da presidente, interessada em preservar sua biografia e justificar o discurso de golpe.
– Se renuncia, perde o apoio que conquistou com a mensagem de defesa da democracia. Perderia o discurso de vítima de um golpe – diz um antigo auxiliar.
Sinais de um relação desgastada
Com dificuldade para evitar a perda do mandato, a presidente afastada Dilma Rousseff caminha para o desfecho do processo de impeachment com o apoio mais enfático apenas de um grupo restrito de senadores e ex-ministros. Afastada do poder desde 12 de maio, ao longo de quase três meses ela enfrenta um processo gradual de distanciamento do PT, fortalecido também pela avaliação de que são mínimas as chances de absolvição no Senado. Confira cinco pontos que mostram o distanciamento entre Dilma e o partido.
Caixa 2
Diante da confissão de João Santana e da sua mulher, Mônica Moura, que admitiram ter recebido pagamentos pela campanha de 2010 via caixa 2, Dilma se eximiu. Afirmou que, se houve ato ilícito, a responsabilidade era do marqueteiro e do PT. A cúpula do partido não gostou das palavras da presidente, que reforçam as suspeitas sobre a sigla.
Novas eleições
Dilma prepara uma carta com o compromisso de, voltando ao Palácio do Planalto, convocar um plebiscito para consultar os brasileiros sobre a realização de novas eleições presidenciais. O documento é a tentativa derradeira de tentar virar votos de senadores no julgamento do impeachment. Presidente do PT, Rui Falcão afirmou que não vê "nenhuma viabilidade" na proposta. A maioria do partido é contra e apenas a corrente Democracia Socialista, do ex-ministro Miguel Rossetto, apoia a ideia.
Política econômica
Ao tomar posse no segundo mandato, Dilma mudou a política econômica do seu governo, adotando o discurso do ajuste fiscal e o corte de despesas, personificado na figura do então ministro da Fazenda, Joaquim Levy. O PT trabalhou pela queda de Levy e não aceitou o abandono da "nova matriz econômica", baseada na lógica desenvolvimentista, que necessita de gastos públicos elevados. Caso Dilma retome o governo, o PT cobra uma guinada à esquerda.
Convenções
Enquanto Lula participa do lançamento de candidaturas do PT a prefeituras pelo país, Dilma viajou para participar de alguns eventos em defesa do seu mandato. Na convenção que oficializou Fernando Haddad candidato à reeleição em São Paulo, com a presença de Lula, a presidente enviou apenas uma mensagem. O cenário demonstra que o partido está mais preocupado com seu desempenho nas eleições municipais. A batalha contra o impeachment deixou de ser prioridade.
Longe da bancada
A relação com o Congresso sempre esteve entre as principais fragilidades do governo de Dilma Rousseff. Petistas informam que, desde o fim do processo de impeachment na Câmara, em abril, Dilma não falou mais com a bancada do partido. As portas do Palácio da Alvorada não costumam ficar abertas para deputados. Apenas um pequeno e restrito grupo de ex-ministros e senadores visitam a presidente afastada com frequência.