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Em geral, o ônibus é maltratado por prefeitos e secretários de transportes no país. A opinião é do engenheiro civil e mestre em Engenharia de Transportes (USP) Horácio Augusto Figueira. Com experiência em pesquisas em transporte de pessoas e segurança no trânsito com prioridade para o pedestre e sócio-proprietário do escritório Hora H Pesquisa, Engenharia & Marketing, o especialista explica em detalhes o que um plano de mobilidade sustentável de uma cidade deve observar.
Pioneiro: O que um projeto de mobilidade ideal deve contemplar?
Horácio Augusto Figueira: Primeiro lugar, deve se estabelecer uma hierarquia da cidade. Nos últimos 60 anos, o “deus automóvel” imperou em todas as cabeças. Somos educados erradamente. Compramos o modelo americano e o automóvel veio para resolver o problema do planeta. Agora a gente está vendo que não resolveu e não vai resolver. Eles (veículos) continuarão ocupando grandes espaços em todas as vias, sejam elas urbanas ou rodoviárias. Na prática, o que a gente tem visto nas cidades do Brasil é mais espaço para o automóvel. Alargam ruas e avenidas, fazem viadutos, túneis, estreitam as calçadas, deixam os tempos mínimos nas sinaleiras para os pedestres atravessarem e os usuários de carros protestam quando se tenta colocar ciclovias ou ciclofaixas porque vão tirar o espaço que eles achavam que tinham por direito. Um plano de mobilidade sustentável, seja em Caxias do Sul ou qualquer cidade do Brasil, tem que seguir uma ordem de prioridade no uso do espaço viário. Em primeiro lugar, o pedestre. Não tem espaço? Se estreita a via e cria a calçada. Nas esquinas, tem que ter rampas de acessibilidade, semáforo para pedestre com tempo adequado para travessia e dane-se a fluidez veicular. Está na lei federal de mobilidade que a prioridade é o pedestre. Que cidade queremos? Uma cidade para carros ou para pessoas? A gente chegou ao planeta a pé e vai sair do planeta a pé. Depois, precisamos de faixas exclusivas para o transporte coletivo. Uma faixa de ônibus transporta mais pessoas que a faixa ao lado, congestionada de automóveis. O transporte coletivo por ônibus tem que ter total prioridade, seja faixa exclusiva à direita, tirando o estacionamento, que deve ser resolvido pela iniciativa privada. Nenhum órgão público tem que estar preocupado em resolver o problema da vaga para carro. Em terceiro lugar, coloco o transporte coletivo privado por ônibus (fretamento). Quando se proíbe uma linha de ônibus fretado com 40 passageiros, se quatro usuários migrarem para o automóvel já vão ocupar mais espaço que o ônibus que foi retirado (de circulação). Os ciclistas estão em quarto lugar, mas a bicicleta é um complemento. Aqui em São Paulo, já pode colocar (a bicicleta) no trem e vai poder entrar no ônibus. Como as viagens são muito longas se faz a integração embarcando com a bicicleta ou deixando em bicicletários. Depois, precisamos criar espaços regulamentados para que o transporte de cargas possa fazer o abastecimento da cidade. O táxi com passageiro é a sétima prioridade. Depois vem automóveis e utilitários com duas ou mais pessoas. Para cidades como Caxias, nas avenidas com três faixas por sentido, sugiro a criação da faixa solidária, onde qualquer veículo que estivesse com o condutor e o carona estaria autorizado a usar essa faixa. Depois vem os automóveis só com o condutor, as motos e os veículos em geral que fazem embarque e desembarque. A última prioridade no espaço viário são os veículos estacionados. Só posso permitir um veículo estacionado se não está atrapalhando mais ninguém.
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Pioneiro: Qual é o nível da mobilidade urbana das grandes e médias cidades brasileiras?
Horácio: O pior possível. Tirando alguns eixos que tiveram coragem de implantar os BRTs (transporte rápido por ônibus) com corredores exclusivos à esquerda, com cobrança embarcada, em geral o ônibus ainda é muito maltratado no país. Os prefeitos e secretários de transportes olham para o ônibus ainda considerando que ele atrapalha o trânsito de automóvel.
Pioneiro Após a implantação de um plano de mobilidade, em quanto tempo a população percebe os benefícios?
Horácio: Um ano é um prazo razoável, desde que as medidas sejam práticas. Algumas mudanças vão incomodar uma parcela da população que estava na zona de conforto. Se as ações forem implantadas em todas as semanas, como foi aqui em São Paulo, você dá o recado para a população com resultado prático do caminho que a administração tomou. Aqui, toda a semana implantavam uma ciclovia. Os usuários de ônibus sentiram (a mudança) e tiveram corredores em que o ganho no tempo de viagem foi de 40% sem (construir uma) obra viária. Espero que Caxias implante muita faixa exclusiva. Os comerciantes vão reclamar, mas vão brotar estacionamentos.
Pioneiro: Os projetos executados recentemente atendem à necessidade da maioria da população?
Horácio: Pelo lado coletivo sim. Dos 100% dos veículos que rodam sobre pneus, os automóveis transportam 50% da demanda e ocupam de 80% a 90% do espaço viário. Os outros 50% usam os ônibus municipais e ocupam no máximo de 5% a 10% do sistema viário. Quem está causando o caos não é o transporte coletivo. O transporte individual é bom, confortável, te dá privacidade, segurança, mas ocupa muito espaço por passageiro transportado.
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Qual a Caxias do Sul que queremos?
Fala, povo
A reportagem foi às ruas e perguntou: como é para se deslocar em Caxias? Confira as respostas:
"Depende do horário. Nos períodos de pico, é bem complicado e, às vezes, espero ônibus por mais de uma hora." Ingrid Pinguella, 17 anos, moradora do Diamantino
"Atende a minha necessidade porque moro no Centro. Mas na Zona Norte tem um pouco de deficiência, principalmente, nos finais de semana." Raul Silva, 26 anos, morador do Centro
"Está cada vez mais difícil. No Centro, ando a pé porque tem poucas vagas de garagem. Está difícil para estacionar na área central." Mauro Fontana, 64 anos, cirurgião dentista
"Os ônibus passam em vários bairros. Tem cidades bem piores. Tem bastante movimento, mas as pessoas conseguem chegar aonde querem." Suelen Cardozo, 23 anos, montadora
"O transporte melhorou bastante nos últimos dois anos.” Ruan Bressan, 18 anos, estudante, morador do Diamantino
"Muito ruim. O horário de pico é bem ruim e, quando chove, fica pior." Aline Barbara Henicka, 32 anos, vendedora, moradora do Medianeira
"Acho que a cidade não está adaptada para os idosos." Cristiano Todeschini, 28 anos, advogado, morador do Centro