Pivô de uma crise no gabinete da prefeitura de Caxias do Sul, que culminou com duas decisões judiciais para mudar a titularidade do chefe do Executivo, o vice-prefeito Antonio Feldmann (PMDB) dá a sua versão para os acontecimentos.
Tudo começou após optar por não assumir o cargo de prefeito na ausência do titular, Alceu Barbosa Velho (PDT), que retorna nesta quarta-feira das férias no México.
Confira a entrevista:
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Pioneiro - Por que o PMDB não tem candidato único a deputado federal em Caxias?
Antonio Feldmann - Porque não tem nenhum, nem dois, nem dez. Não existem candidatos a deputado em nenhum partido. As candidaturas serão definidas em junho. Acontece que a lei eleitoral estabelece, nesse caso específico, que o vice-prefeito, estando na função, mantenha-se no cargo, mas não pode assumir como prefeito seis meses antes da eleição. Eu não sou candidato, não estou em campanha, não existe candidatura. No momento adequado, o partido irá definir quem será.
Pioneiro - Por que o senhor não se licenciou para concorrer a deputado federal?
Feldmann - Não, não existe a figura da licença para o vice. Pelo menos a Lei Orgânica não diz isso. Só diz que se prefeito e vice se ausentarem do município por período superior a 15 dias, tem que ter licença da Câmara. Inclusive, aí teve uma confusão, porque a imprensa entrou em uma barriga, e colocou cinco dias, comparando ainda com o caso da Marisa (Formolo). Só que foi aprovada uma emenda pela Câmara que mudou isso para 15 dias. Então, pode sair sem autorização da Câmara. A não ser a licença saúde, mas não estou mal, não ia fazer isso. Fiz o que achei ser o certo, dizer a verdade. Tem toda essa discussão, que pode até gerar jurisprudência para todo o Brasil, mas eu não poderia agir diferente.
Pioneiro - Por que o senhor não renuncia, como sugere o procurador de Justiça Alexandre França?
Feldmann - Não vou cogitar e não vou fazer. Eu não preciso renunciar. A lei me dá essa garantia. A lei tem um monte de distorções. É um absurdo. Prefeito, governador, presidente que concorram a uma eleição, podem ficar no cargo (desde que seja reeleição, no mesmo cargo, claro). E eu assumir como interino não posso, porque me torno inelegível. Por isso que a reforma política no Brasil é tão necessária.
Pioneiro - O senhor participou da negociação da data das férias do prefeito?
Feldmann - Não. Só me chamou e me comunicou.
Pioneiro - O senhor acha adequado que o prefeito tire férias no período de seis meses que antecede a eleição?
Feldmann - Eu não vou julgar. É um direito dele, de tirar férias em qualquer dia do ano. Não cabe a mim questionar, porque é legítimo, é legal.
Pioneiro - Cidadãos têm insinuado que o prefeito agendou as férias neste período a fim de prejudicá-lo, beneficiando a candidatura a deputado federal de Washington Stecanella, do PDT de Alceu. O senhor acredita nisso?
Feldmann - Não acredito nisso. Conheço o prefeito, sua índole, caráter, ele jamais faria isso. Digo de coração. Ele me chamou lá dentro (no gabinete) e disse que ia sair. Eu falei que faria um ofício, como já aconteceu em Caxias, de que não assumiria. Isso demonstra minha boa fé, justificando que ficaria inelegível. Ele disse "então tá". De tanta transparência, fizemos a solenidade do Toigo. Realmente, tem várias pessoas fazendo ilações, mas é preciso fazer uma reflexão. Qual foi a origem de tudo isso? Foi uma denúncia do PT. Foi um processo que deu movimentação por causa da ação do Partido dos Trabalhadores na Câmara de Vereadores. Pelo menos que levem isso para fazer uma análise do que está acontecendo. Ponto final, não vou dizer mais nada.
Pioneiro - Então, se não tivesse surgido a denúncia, talvez nada teria acontecido...
Feldmann - Não. Já aconteceu isso outra vez em Caxias, acontece em todo o Brasil. Foi motivado por um interesse político, eleitoral também, eu acredito. De repente alguns começam a se sentir ameaçados mas, por favor, estamos em uma democracia, todo mundo pode concorrer, tem espaço para todo mundo.
Pioneiro - A sua relação com o prefeito é boa? De 5 a 10, que nota o senhor dá?
Feldmann - Oito. É boa, o prefeito tem me dado incumbências, representação oficial em muitos momentos institucionais. No Conselho Diretor da UCS, no trem regional, posses, festividades, isso é prova de confiança. Tentam criar uma desavença, uma situação de divergência todo dia, não é só nesse momento.
Pioneiro - Por que o senhor inicialmente não falou da viagem para a Argentina, já que ela estava agendada desde a Festa da Uva?
Feldmann - Estava agendada desde o dia 19 de fevereiro. Eu agendei a viagem a convite de duas brasileiras que vivem em Mendoza, irmãs murialdinas, elas marcaram algumas atividades. Era de caráter particular, tirei passagem por minha conta, não tirei diária, mas acabou sendo uma viagem com caráter oficial porque vi muita coisa boa. Só tenho obrigação de comunicar quando é superior a 15 dias (Obs.: um dia após a transmissão do cargo do prefeito Alceu Barbosa Velho para o presidente da Câmara, Gustavo Toigo, a prefeitura enviou um release, às 15h22min, do dia 2/4, de que Feldmann faria viagem de estudos à Argentina).
Pioneiro - O senhor e o prefeito conversaram durante as férias dele no México? O que foi tratado nestas conversas? Falou sobre as decisões judiciais que estão dando?
Feldmann - Só hoje de manhã (quarta). Mas eu tinha contato com o Marrachinho, que conversava com o prefeito. Mas ele (prefeito) nunca me ligou para dizer faz isso ou faz aquilo. Hoje (quarta) ele me disse que estava acompanhando tudo e que ele voltava amanhã (quinta). Ele sempre disse que me entendia, compreendia e que eu estava certo. Em momento algum houve repressão, porque tudo foi conversado antecipadamente (mais cedo, na manhã de quarta, em entrevista à reportagem do Pioneiro, Feldmann disse que falou todos os dias da viagem com o prefeito: "Nos falamos todos os dias e ele está do meu lado. Conversei com ele antes, durante e depois disso tudo. Ele sabe que estou certo, concorda comigo. Não estamos em desavença").
Pioneiro - O prefeito lhe aconselhou nestas conversas para que desistisse da candidatura e assumisse o município?
Feldmann - Não, nunca.
Pioneiro - E antes do anúncio das férias do prefeito, o senhor foi aconselhado por ele a desistir da candidatura e assumir o município?
Feldmann - A gente ouve de tudo. Especialmente nos últimos dias, muita gente dizendo para assumir e acabar com a polêmica. Gente do meio político, amigos... Outras pessoas diziam para sustentar a minha luta, que era justa, verdadeira, legal, que eu não teria nada a perder. Mas, muito mais forte, de pessoas dizendo que eu não cometi um erro. Eu assumindo, nem que fosse por uma hora, estaria inelegível. Sei que muita gente ia fazer festa, jogar foguetes. Mas vim com uma orientação jurídica, de profissionais que me disseram que eu não cometi nenhuma ilegalidade, então, me senti seguro.
Pioneiro - O chefe de Gabinete Manoel Marrachinho pediu que o senhor assumisse, depois que a Justiça acatou a liminar? Por que não assumiu?
Feldmann - Como eu disse, várias pessoas fizeram apelos, dos dois lados, normal, né? Mas sempre me respeitaram, nunca alguém chegou e disse que eu tinha comprometido a imagem da Administração. Na nossa vida, o nosso comportamento, as ações sempre vão ter reflexos. Estou consciente disso. Mas tudo isso me deu a noção de que quem me conhece de fato está ao meu lado. Fiquei chateado com algumas pessoas que fizeram ataques pessoais, mas isso são coisas pequenas.
Pioneiro - O senhor dispõe de R$ 50 mil para pagar a multa diária por não ter assumido a prefeitura?
Feldmann - Não. Eu não tenho nenhum bem. Tenho um apartamento e um carro financiados que estou pagando. Tenho duas filhas, de 12 e 13. A esposa não trabalha. Eu sou o único que sustenta a família com o meu salário. Não teria de jeito nenhum R$ 50 mil.
Pioneiro - Como fica a sua relação com o prefeito Alceu a partir de agora?
Feldmann - Não está estremecida de maneira alguma. Vai ser igual, não muda nada. Se eu tivesse feito alguma coisa por baixo dos panos, escondido, eu acho que poderia haver abalo. Mas não houve. Amanhã (quinta), tu vais ter essa resposta sem dúvida.
Pioneiro - O senhor sai com a imagem prejudicada? Como irá reverter?
Feldmann - Eu não estou em nenhum processo de canonização, não faço as coisas pensando em obter troca. Eu tenho jornalismo, filosofia, formação cristã, sete anos de seminário. Sinceramente, não faço as coisas buscando benefício próprio. E quem me conhece sabe. Tenho o trabalho de vice-prefeito, buscando o melhor para minha cidade. Isso (imagem) não me preocupa, sinceramente.