Um dos episódios mais marcantes da história da Serra, a venda irregular de carne de cavalo para fazer hambúrgueres, teve um desfecho em Caxias do Sul após mais de dois anos. Seis réus foram condenados pela comercialização da carne como se fosse de gado para hamburguerias — um deles é Reny Mezzomo, que morreu e, portanto, teve a punibilidade extinta. As penas aplicadas, segundo a Justiça, chegam a cinco anos e quatro meses de reclusão. Os réus estão em liberdade e podem recorrer da decisão.
A sentença, de fevereiro, é da juíza Taise Velasquez Lopes, da 4ª Vara Criminal da Comarca de Caxias do Sul, que julgou parcialmente procedente denúncia formulada pelo Ministério Público Estadual. Isso porque dos 10 réus denunciados, quatros foram absolvidos das acusações (veja mais abaixo).
Conforme a sentença, Reny e o filho, Eduardo Mezzomo, seriam os responsáveis pela aquisição e abate dos animais. Alexandre Gedoz participava do processo e cortava a carne que depois era comercializada. Já Daniel Gnoatto, além da distribuição, atuava na moagem e preparação dos hambúrgueres, tarefa também atribuída a Ismael Lima e Marcos André de Bortoli.
— A deflagração da operação em 18 de novembro de 2021 confirmou as suspeitas de abate, desossa, moagem e preparação de hambúrgueres a partir de carne de equino, tudo ocorrendo em total descompasso com a legislação vigente, sem as inspeções sanitárias no local do manuseio e sem o controle de qualidade da carne – que era, posteriormente, comercializada — descreveu a magistrada na sentença.
Ela também ressalta que a irregularidade praticada não se encontra na comercialização da carne, mas no desrespeito às normas que regulamentam essa atividade. Os responsáveis pelas casas de lanches, Airton Miguel Brando e Robson Kemerich Samoel, foram absolvidos da acusação pela prática do crime de entrega e venda de mercadoria em condições impróprias para o consumo. Conforme a decisão, embora tenham adquirido a carne sem exigência de notas, não há elementos de que enganavam os clientes.
O promotor de Justiça Alcindo Luz Bastos da Silva Filho afirmou que, no seu entendimento, as penas e as multas poderiam ter sido fixadas em patamares maiores. Dessa forma, dentro dos prazos processuais, o Ministério Público deve apresentar recurso de apelação em relação a parte da sentença.
Os condenados
Eduardo Mezzomo seria o responsável pela compra, pelo abate irregular de cavalos e descarte. Também auxiliaria Alexandre Gedoz na desossa das carcaças. O abate ocorreria na chácara da família Mezzomo, na Estrada Quinto Slomp, em Forqueta, no interior de Caxias do Sul. Ele foi condenado pelos crimes de organização criminosa, entrega e venda de mercadoria em condições impróprias para o consumo, obter e entregar matéria-prima em condições impróprias ao consumo e fabricar substância alimentícia corrompida e nociva à saúde. A pena é de a cinco anos, quatro meses e 24 dias de reclusão. Ainda conforme determinação cautelar Mezzomo segue proibido de desempenhar atividade econômica envolvendo o ramo alimentício.
O que diz a defesa de Eduardo: o advogado Vinicius de Figueiredo afirma que: "a juíza que conduziu o caso mostrou elevado senso de Justiça e considerou apenas os crimes que estavam de acordo com a realidade. Como se esperava, a parte da denúncia que havia se mostrado um exagero foi desbastada com energia. Eduardo Mezzomo nunca negou sua participação nos fatos, assumindo sua responsabilidade desde o início da operação. Foi condenado a pouco mais de cinco anos em regime semiaberto e ainda não avaliamos a necessidade de recorrer da decisão."
Reny Mezzomo era dono da chácara e supostamente cederia o espaço para os abates realizados pelo filho Eduardo. Reny auxiliaria na desossa, com Alexandre Gedoz, de quem seria parceiro nos negócios de processamento e venda de carnes do abate irregular. Na chácara, foram apreendidos cerca de 200 quilos de carne de cavalo. Segundo o Ministério Público, as práticas na chácara eram completamente insalubres, sem medidas de limpeza dos locais ou refrigeração das carnes. As carcaças dos cavalos eram enterradas em valas cavadas na propriedade. Ele foi condenado, mas como morreu no decorrer do processo, a punibilidade foi extinta.
Alexandre Gedoz é descrito na denúncia como o idealizador do suposto esquema, além de ajudar na desossa das carcaças na chácara da família Mezzomo. Era na casa dele que ocorreria a moagem de carnes, que eram mantidas em refrigeradores e freezers para a venda principalmente para Daniel Gnoatto. Na manhã da operação, na casa dele foram apreendidas uma máquina de moagem e R$ 96,9 mil. Gedoz foi condenado pelos crimes de organização criminosa, entrega e venda de mercadoria em condições impróprias para o consumo, obter e entregar matéria prima em condições impróprias ao consumo e fabricar substância alimentícia corrompida e nociva à saúde. A pena é de a cinco anos, quatro meses e 24 dias de reclusão. Além disso, ele segue proibido de desempenhar atividade econômica envolvendo o ramo alimentício.
O que diz a defesa de Alexandre: os advogados Fabiano Huff e Fernando Tremarin representam Gedoz afirmam que: "a princípio não iremos nos manifestar quanto ao caso".
Daniel Gnoatto seria o principal comprador de carnes de cavalo. Conforme a denúncia, ele mantinha constante contato com os demais investigados para tratar sobre quantidades a serem produzidas conforme os pedidos apresentados por clientes de restaurantes e de lancherias. A denúncia reforça que Daniel sabia que a carne vendida provinha do abate irregular de cavalos. Ou seja, teria conhecimento de que se tratava de produto alimentício sem origem e corrompido. No dia da operação, Daniel foi preso com 10kg de carne de cavalo ensacadas no porta-malas do carro, prontas para uma entrega. Ele também foi condenado pelos crimes de organização criminosa, entrega e venda de mercadoria em condições impróprias para o consumo, obter e entregar matéria prima em condições impróprias ao consumo e fabricar substância alimentícia corrompida e nociva à saúde. A pena é de a cinco anos, quatro meses e 24 dias de reclusão. Ainda conforme determinação cautelar, ele segue proibido de desempenhar atividade econômica envolvendo o ramo alimentício.
O que diz a defesa de Gnoatto: a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul é responsável pela defesa. A instituição afirma que "vai analisar a decisão da magistrada e irá se manifestar apenas nos autos do processo".
Marcos André de Bortoli, conhecido como Marquinhos, foi citado pelo Ministério Público na denúncia como o suposto responsável pela confecção dos hambúrgueres e bifes de cavalo. A carne era processada na Rua Abramo Girardi, bairro Sagrada Família, em uma lanchonete clandestina. No local, foram apreendidos 500kg de hambúrgueres e 126kg de carnes sem procedência, além de maquinários e freezer. Bortoli foi condenado a cinco anos de reclusão pelos crimes de organização criminosa e obter e entregar matéria prima em condições impróprias ao consumo e fabricar substância alimentícia corrompida e nociva à saúde. Também está proibido de desempenhar atividade econômica envolvendo o ramo alimentício.
O que diz a defesa de Marcos: o advogado Vinicius Octávio Reis foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou sobre o assunto até o momento.
Ismael Lima era funcionário de Marcos André de Bortoli na hamburgueria. Ismael receberia carne diretamente de Daniel para processamento. Segundo a denúncia, ele atuava na moagem e preparação dos hambúrgueres. Lima foi condenado a cinco anos de reclusão pelos crimes de organização criminosa e obter e entregar matéria prima em condições impróprias ao consumo e fabricar substância alimentícia corrompida e nociva à saúde.
O que diz a defesa de Ismael: o advogado Leandro Carlo Schramm afirma que não se manifestará sobre o assunto no momento.
Os absolvidos
Airton Miguel Pires Brando: atuava como gerente do Natural Burguer Sagrada Família, onde a investigação comprovou a presença de carne de cavalo. Brando foi absolvido, sendo que a magistrada entendeu, que embora tenha adquirido a carne sem exigência das notas, não há elementos de que enganava os clientes, sendo que ele já recebia a carne processada.
O que diz a defesa de Airton: os advogados Wagner Flores de Oliveira e Gregory Braun afirmam que "nosso escritório tinha plena esperança deste resultado para Airton. A substancial sentença proferida demonstra que não se pode acolher uma responsabilidade penal objetiva ou acusação sem a prova do dolo, figuras tão repudiadas pelo Direito Penal brasileiro. Com a prova produzida e todas testemunhas, tínhamos a convicção de que a imputação a Airton e para todas empresas na cadeia de fornecimento estava incorreta, logo a sentença demonstrou isto. Além disso, este processo somente derivou da falta de controle sanitário, que isto sirva de alerta para as autoridades. Airton e sua empresa tiveram prejuízos incalculáveis, tanto emocionais quanto financeiros, pelo manejo do Ministério Público na divulgação equivocada na mídia sobre o processo, agora reafirmamos a sua idoneidade e o seu compromisso com a qualidade de seus produtos para seus clientes."
Robson Kemerich Samoel, é o dono da Miru's Burguer, outra lanchonete em que o MP comprovou, por exame de DNA, a presença de carne de cavalo em lanches. Ele foi absolvido, sendo que a magistrada entendeu, que embora tenha adquirido a carne sem exigência das notas, não há elementos de que enganava os clientes, sendo que ele já recebia a carne processada.
O que diz a defesa de Samoel: a advogada Daniela Silva afirma que "em 17 de fevereiro de 2024, Robson Kemerich Samoel recebeu a notícia libertadora da absolvição, finalmente inocentado das acusações que pairavam sobre ele na Operação Hipo. Este momento de redenção se desenrolou em meio a adversidades, marcadas pela perda de seu único empreendimento, cumulado pelo difícil caminho enfrentado por sua esposa em tratamento contra o câncer. É crucial destacar que, inicialmente, Robson foi chamado apenas como testemunha, uma condição que, em minha visão, deveria ter sido mantida. Ao longo de anos, ele suportou as cruéis acusações que se acumularam contra sua pessoa. No entanto, a luz no fim do túnel finalmente brilhou e, após comprovar de maneira incontestável sua inocência, obteve a absolvição na comarca de Caxias do Sul. Uma vitória que resgata não apenas sua honra, mas também a esperança e a justiça que por tanto tempo estiveram ameaçadas."
Sirlei Mezzomo é irmã de Reny. Segundo a denúncia, ela intermediaria a comunicação entre os Mezzomo e os fornecedores de cavalos por mensagens de aplicativo. Durante a operação, a Vigilância Sanitária apreendeu 280kg de produtos lácteos vencidos (iogurtes e geleias) que, segundo o MP, eram vendidos aos consumidores em geral por Sirlei em parceria com o irmão e o sobrinho.
O que diz a defesa de Sirlei: a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul é responsável pela defesa de Sirlei Mezzomo e afirma que irá "analisar a decisão da magistrada e irá se manifestar apenas nos autos do processo".
Teresinha Salete Gedoz: a esposa de Alexandre supostamente manteria contato permanente com Daniel Gnoatto, de quem receberia diariamente informações sobre a quantidade de carne e de guisado que deveria ser produzido para a revenda. A demanda era repassada a Eduardo e Reny Mezzomo, suspeitos de comprar e abater os cavalos. Teresinha também receberia dinheiro da venda dos produtos alimentícios e o repassaria a seu marido.
O que diz a defesa de Teresinha: os advogados Fabiano Huff e Fernando Tremarin representam Gedoz e por mensagem em aplicativo de conversa afirmam que "a princípio não iremos nos manifestar sobre o caso".