A Polícia Civil deflagrou, na manhã desta terça-feira (11), a Operação Calvário, cumprindo 13 mandados de busca e apreensão em Bom Jesus. Os alvos da ação são o presidente da Câmara de Vereadores em 2018, Rafael Silveira (Progressistas) — e que não ocupa mais o cargo público —, o atual vice-prefeito, Diogo Kramer (PDT) e também o atual vice-presidente do Legislativo, Rafael Santos Oliveira, o Garga (MDB). Eles são investigados, segundo a polícia, por peculato e associação criminosa. Outros quatro vereadores e três servidores também estão na mira da operação, mas não tiveram os nomes divulgados. A polícia, nesta terça, foi na Câmara de Vereadores e na casa dos 10 investigados. Foram apreendidos celulares e documentos. Ninguém foi preso.
O modo de atuação dos vereadores consistia, segundo a polícia, em realizar viagens para destinos como Florianópolis (SC), São Paulo (SP), Brasília (DF) e Foz do Iguaçu (PR), com a justificativa de realização de cursos nos locais. Para a Operação Calvário, a polícia confrontou as informações dos cursos realizados pelos vereadores que mais tiveram gastos com diárias em 2018 com a atividade legislativa deles.
— Na verdade, o início da investigação foi no ano de 2018. A gente acompanhou todos os relatórios de auditoria do Tribunal de Contas e, dali pra frente, houve medidas cautelares que nós representamos anteriormente — explica o delegado Max Ritter.
Segundo o promotor do Ministério Público (MP) de Bom Jesus, Raynner Sales de Meira, que investiga os agentes públicos por improbidade administrativa, a operação ocorreu a partir de denúncias de que os vereadores estariam usando as diárias como complementação de renda, além de utilizarem os locais como um ponto turístico.
— Um fator que chamou atenção é que os destinos de realização dos cursos são pontos turísticos, e a maioria deles fora do Estado. Segundo a lei municipal, as diárias pagas para estas viagens são em dobro. O que se viu também é um número exacerbado dos cursos, em que os vereadores e servidores praticamente não paravam na cidade de Bom Jesus, e não se via um retorno qualitativo do trabalho a partir da realização desses cursos. Houve situações em que servidores em cargos comissionados, que já tinham conhecimento de que se desligariam das funções, realizaram viagens e cursos, sem que a eventual absorção de conhecimento gerasse uma repercussão positiva para a administração pública — explicou o promotor.
Além disso, no entendimento do MP, há um padrão de interesse dos vereadores pelos cursos antes da pandemia, quando os vereadores e servidores podiam viajar sem as restrições sanitárias.
— Se verificou um grande interesse para a realização dos cursos nos destinos citados, muitas vezes mais de uma vez no mesmo mês, e esse mesmo padrão não se verificou durante a pandemia. No período de pandemia, embora as instituições forneciam os cursos de capacitação telepresencialmente, não se verificou o interesse dos agentes públicos na realização dos cursos. Ou seja, como o curso era remoto e não haveria necessidade de deslocamento, não haveria justificativa para pagamento de diárias — destacou.
Segundo a apuração da Civil, Silveira usou, em 2018, sozinho, R$ 97.600 em diárias. No mesmo exercício financeiro, oito assessores dele realizaram mais de 180 cursos pagos pela Câmara. Na lista de diárias de servidores aparece uma servente da Câmara, que participou de um curso de Capacitação de Formação de Pregoeiros e Comissão de Licitações nos dias 25 e 26 de janeiro daquele ano, em Florianópolis. Ela recebeu R$ 1.674,54. O nome dela não foi divulgado.
Ainda de acordo com a investigação, Bom Jesus foi o município recordista em gastos com diárias de viagem em 2018 dentre todas as 497 cidades gaúchas: foram mais de R$ 382 mil reais pagos em diárias na Câmara de Bom Jesus. Porto Alegre, no mesmo período, segundo informações do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), gastou R$ 181 mil com as viagens, menos da metade que Bom Jesus. Cambará do Sul, por exemplo, município que tem mesmo porte e é próximo de Bom Jesus, gastou, em 2018, 22 vezes menos. Caxias do Sul gastou, no mesmo período, R$ 16 mil em diárias.
Contrapontos
O delegado afirma que o celular do vice-prefeito não foi localizado durante as buscas na casa dele nesta manhã. Kramer estava no gabinete dele na prefeitura e disse que perdeu o celular e, por isso, não entregou o aparelho à polícia.
— Estou tranquilo. Entreguei três celulares e os certificados dos cursos que participei. O meu celular pessoal eu perdi, por isso não entreguei. Em 2017 já se falava do excesso das diárias. Quando assumi, tentei moralizar essas questões, apresentei um projeto de resolução na Câmara em que a gente limitou um teto, que era de R$ 20 mil. Isso aconteceu apenas em 2017. Em 2018 esse teto foi aprovado de novo, mas o uso das diárias ficava a critério da presidência, que poderia aumentar ou suplementar, então o teto deixou de ser respeitado — disse Kramer.
A prefeita de Bom Jesus, Lucila Maggi (MDB), afirma que o afastamento do vice não é cogitado e que vai aguardar o desfecho da operação para tomar medidas:
— Não existe qualquer possibilidade (de afastamento) porque não temos nada que possa desabonar a conduta dele como vice-prefeito.
Segundo o promotor Raynner Sales de Meira, a investigação de improbidade administrativa se encaminha para um final, mas já foram ouvidas testemunhas, servidores e vereadores na investigação da promotoria.
— O que se aguarda agora é a análise dos materiais apreendidos na operação. Em termos de afastamento (do vice-prefeito e do vereador que ainda exerce o cargo), ele pode vir tanto com uma sanção, como em uma medida cautelar, se eventualmente se verificar que os agentes públicos investigados obstruíram de alguma forma a operação. Eventual responsabilização e condenação pela prática desses fatos pode gerar a suspensão dos direitos políticos e consequentemente a cassação dos mandatos, além de que eles (os dez investigados) podem se tornar inelegíveis por oito anos de acordo com a lei da ficha limpa — reforça Meira.
A reportagem buscou contato com Silveira e Garga, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.