A 1ª Vara Criminal de Caxias do Sul realizou nesta segunda-feira (24) a primeira audiência do caso do assassinato de Olímpio Itacir Santini, 77 anos, no processo que tem como ré a mulher acusada de ser a mandante do crime. A vítima foi morta com mais de 30 golpes de faca no dia 12 de janeiro. Um outro processo tramita na Vara da Infância e Juventude em sigilo e trata da verificação de responsabilidade de eventual ato infracional por parte de um adolescente, filho da mulher, e a então namorada dele, que, à época, tinham 15 e 12 anos respectivamente. Eles são os supostos autores do crime.
A audiência de instrução realizada nesta segunda é o meio utilizado para coletar as provas orais. A acusada do crime foi ouvida ao longo da tarde. O juiz Thiago Dias da Cunha, titular do 2º Juizado da 1ª Vara Criminal, preferiu não falar sobre o depoimento e nem sobre as definições da audiência. A partir de agora, se necessário, são realizadas novas diligências. Em uma terceiro momento, serão abertos prazos para que a acusação (Ministério Público do Estado) e a defesa (Defensoria Pública do Estado) se manifestem. Encerrado este período, o juiz definirá se a acusada vai a julgamento.
A mulher, 42, foi denunciada pelo Ministério Público e se tornou ré em 16 de fevereiro deste ano. O Pioneiro teve acesso ao processo referente a ela, onde estão os depoimentos dos envolvidos. Logo após o crime, a Justiça decretou a prisão da mulher e a apreensão dos adolescentes. Por terem menores de 18 anos envolvidos, os nomes deles e da mãe não serão divulgados, em conformidade com o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA). A defesa dos três é feita pela Defensoria Pública do Estado em Caxias do Sul, que disse que "só irá se manifestar nos autos do processo".
A investigação da Polícia Civil apontou que, no dia 12 de janeiro de 2023, Santini foi encontrado morto, deitado no chão da sala de casa, na Rua Victório Demori, no bairro Cruzeiro, em Caxias do Sul. O corpo estava perfurado por golpes de faca na região das costas, do pescoço e do tórax. A polícia divulgou, ao longo das diligências, que a mulher teria retirado, sem permissão, cerca de R$ 11 mil da conta bancária da vítima, que ameaçava denunciá-la por furto. Diante disso, ainda segundo a polícia, a mulher teria sugerido que o filho adolescente executasse o assassinato.
No caso dos adolescentes, ambos foram apreendidos no dia 10 de fevereiro. E cabe à Vara da Infância e da Juventude avaliar a medida socioeducativa que será aplicada, em caso de condenação, que pode ser a de internação. A medida pode ainda ser revista ao longo do cumprimento. O adolescente está no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Caxias e a adolescente foi encaminhada para entidade de atendimento socioeducativo em Porto Alegre. Já a mulher segue presa em Caxias desde o dia 26 de janeiro. Ela foi acusada pelos crimes de homicídio doloso (com intenção de causar a morte) com quatro qualificadoras – motivo fútil, recurso que impossibilitou defesa da vítima, para ocultar crime anterior e meio cruel.
Depoimentos detalham a sequência dos fatos
No dia da morte, segundo os depoimentos dos soldados da Brigada Militar (BM), uma filha de Santini tentou entrar em contato com a vítima, via telefone, mas não foi atendida. Ela foi até a casa do idoso e pediu ajuda a um vizinho para encontrar o pai. O morador da casa próxima conseguiu ver pela janela que a vítima estava caída na sala. A BM foi acionada e os policiais arrombaram a porta, encontrando o corpo perfurado por golpes de faca.
A casa de Olímpio é dividida em duas partes, sendo que uma delas é alugada para um casal. A inquilina relatou, em depoimento, que na madrugada do dia 12, por volta de 3h30min, ouviu a vítima falando, batidas na parede e passos nas pedras em frente à casa. Mas ela voltou a dormir sem verificar o que havia ocorrido.
Tanto o vizinho quanto a inquilina da vítima depuseram no processo. Ambos destacaram que naquele dia tentaram entrar em contato com a vítima, por telefone, mas não obtiveram retorno. Eles ligaram também, em momentos diferentes, para um dos filhos de Olímpio, que disse estar na praia, mas pediria para a irmã checar a residência do pai. Na noite do fato, o vizinho tomou um remédio e não ouviu nenhum barulho.
As testemunhas citaram ainda que, ao longo do dia, quando Olímpio já estava morto, um homem desconhecido veio até a casa e tentou por duas vezes encontrar a vítima, mas, ao ser abordado pelo vizinho ou pelo marido da inquilina, ele foi embora.
Filha da vítima percebe retiradas da conta corrente do pai
Olímpio Itacir Santini tinha três filhos, era aposentado e morava sozinho na casa. O idoso costumeiramente pedia para a filha limpar a casa e fazer tarefas do dia a dia. No final do ano passado, Santini pediu que a filha verificasse em sua conta bancária se o 13º salário já estava disponível. Nessa consulta, ela percebeu que, desde setembro, estava sendo retirado dinheiro da conta. Ela então conduziu o pai até a agência bancária e, com a ajuda do gerente, teve acesso a todas as movimentações.
Em relato à filha, Olímpio lembrou que naquele mês ficou doente e, por isso, a acusada e o filho dela foram até o mercado comprar alimentos. O cartão da vítima foi devolvido por ela só no dia seguinte. A mulher, além de fazer saques, cadastrou um Pix no próprio celular. Entre os valores retirados da conta, totalizando R$ 11 mil, havia a compra de uma geladeira de R$ 4 mil.
Já no início de janeiro, a filha da vítima e a acusada de ser a mentora do crime se falaram por telefone. A filha do idoso avisou a mulher que já sabia dos furtos e que iria encaminhar as provas para a polícia. O idoso ficou muito transtornado com a situação e, nos últimos dias de vida, chorava com frequência, segundo o depoimento da filha.
Marido da acusada declara que não sabia das ações da esposa
O marido da mulher acusada de ser a mandante do assassinato tem grau de parentesco com o homem morto. De acordo com o homem, em depoimento para a Polícia Civil, o casal estava junto há cerca de 14 anos. Quando da união, a mulher já tinha um filho de relacionamento anterior, o adolescente de 15.
O homem trabalha no turno da noite e, ao chegar em casa na madrugada do dia 12, encontrou a mulher ainda acordada. Ela avisou que o filho mais velho tinha ido na farmácia. Os adolescentes chegaram em casa por volta de 4h, mas o depoente já estava deitado. Ao longo daquele dia, a esposa e os filhos saíram para exames médicos e outros afazeres na área central. O homem foi trabalhar à noite, sendo avisado da morte do familiar mais tarde.
No depoimento, o homem declara que não tinha conhecimento dos saques feitos pela esposa na conta de Olímpio. Ele soube que a mulher havia comprado uma geladeira de forma parcelada, mas desconhecia que o dinheiro seria de origem indevida. A polícia concluiu, segundo o processo, que ele não teve envolvimento na morte do idoso.
A mandante do crime já tinha passagens por falsidade ideológica
A mulher, acusada de ser a mentora do crime, em depoimento à Polícia Civil, confessou. Ela disse que sempre teve uma boa convivência com a vítima e que ia à casa do idoso com frequência. Ele já tinha emprestado dinheiro a ela para pagar contas e a mulher devolveu em serviços de limpeza.
Em uma nova solicitação de dinheiro, o idoso e ela foram para uma agência bancária verificar o extrato da conta. Nesse dia, segundo ela, teve acesso à senha do cartão bancário. Então, cadastrou a conta no próprio celular e, com a senha, começou a fazer transações bancárias sem a autorização da vítima, além de comprar uma geladeira e fazer empréstimo no valor de R$ 6 mil.
Em virtude da descoberta feita pela filha do idoso, no final de 2022, a acusada relata que falou com o filho e deu a sugestão de conversar com Olimpio ou matá-lo. O filho disse que, pela família, cometeria o crime. A acusada alega que apenas consentiu com a proposta. No dia do assassinato, ela alega que percebeu que o filho estava sob efeito de algum entorpecente ou álcool, pelo nervosismo. No início madrugada do dia 12, ele e a namorada chegaram em casa anunciando que ele cometeria o crime naquele dia.
O marido, segundo a acusada, não sabia dos saques e nem presenciou a conversa, porque trabalhava à noite. O casal de adolescentes saiu com o uso de um motorista de aplicativo, o qual ela acionou pelo celular. Após às 3h, conseguiu contato com o filho e ela solicitou um outro motorista para buscá-los, próximo a uma farmácia que seria utilizada como disfarce, caso alguém questionasse a saída deles. Em casa, a mãe percebeu que o tênis do menino estava com sangue. Ainda segundo a mulher, o filho mostrou uma foto da vítima morta, além da carteira roubada. Para que o marido não descobrisse o crime, todos foram para seus quartos, também segundo o depoimento.
No dia seguinte, ao ir para a agência bancária sacar mais dinheiro da vítima, o filho contou para mãe como teria procedido. Relatou que o casal estava dentro da casa do idoso e que o adolescente derrubou um copo de água, acordando a vítima. Ao perceber a presença da dupla, o adolescente deu socos no homem. O corpo de Olímpio caiu em cima dele, machucando o braço do menino. A namorada então entrou em ação, a pedido do adolescente, e desferiu golpes de faca. Segundo o depoimento, o adolescente também golpeou diversas vezes e garantiu a morte com um corte profundo no pescoço. Após o crime, pegaram a carteira e fugiram.
A acusada de ser a mentora do crime comenta que, no dia seguinte, eles foram até o banco fazer saques, comprar roupas e calçados, e na UPA Central ver sobre o braço machucado do adolescente e depois retornaram para casa. Ela pediu que o filho reunisse as roupas usadas e a faca. Após isso, o trio foi a um terreno baldio, nas proximidades do condomínio onde moram, e queimou os objetos.
Adolescente depõe com acompanhamento de pastor
Em depoimento registrado no processo contra a mãe, o adolescente confessou o crime e deu detalhes dos fatos na delegacia, onde teve a companhia de um pastor. Ele contou que a mãe recebeu ameaças da filha de Olímpio devido a furtos na conta bancária do idoso. Ele tinha conhecimento desses saques e o dinheiro havia sido convertido em pagamento de contas e compra de alimentos.
Segundo o depoimento, a mãe teria pedido para que o filho e um amigo fossem até a casa e matassem a vítima. A proposta, segundo o adolescente, foi aceita, porque ele também estava nervoso com as ameaças. O pedido tinha surgido cerca de um mês antes do crime, mas ele tomou coragem no dia 12 de janeiro, após uso de drogas e bebida alcoólica. A namorada, segundo o adolescente, o acompanhou porque gostava muito dele, mas ela não tinha ingerido drogas e bebida. O casal se relacionava há um mês.
Após o anúncio do filho de que iria cometer o crime, a mãe chamou um motorista de aplicativo com destino a uma farmácia para que eles construíssem uma versão, caso alguém questionasse. Ele saiu de casa portando uma faca de cozinha. Na casa da vítima, utilizando uma chave de fenda, ele estourou a tranca da janela na parte de trás da casa. Já a namorada, por não alcançar a estrutura, entrou pela janela da frente. Dentro da casa, o depoente nervoso derrubou um copo de água na pia, o que acordou a vítima. O casal se escondeu em um quarto, mas foi encontrado. Porém, não foram reconhecidos, pois ambos usavam toucas ninja. Sem saída, o adolescente investiu contra o homem, deu um soco no rosto e o esfaqueou na barriga, nas costas, no peito e no pescoço. Ele disse à polícia que a namorada, com medo, não teve reação e ficou apenas olhando.
Ainda dentro da casa, o autor das facadas procurou pela carteira, localizando-a com R$ 2 mil em notas diversas e o cartão, já com a senha anotada em um papel. A dupla saiu da casa pela janela da sala. O adolescente ligou para mãe contando que o homem estava morto e era hora de chamar, novamente, o veículo de aplicativo. Todos dormiram no mesmo apartamento no dia do crime.
O adolescente relata que a vida financeira da família é difícil. O padrasto, segundo ele, trabalha a noite toda, mas gasta a maior parte do salário com drogas. A mãe vende doces e ele trabalha com bicos. Não sendo suficiente os valores ganhos para todas as despesas da família. O aniversário da namorada, de 11 para 12 anos, foi no dia do crime, diante disso, ele gastou parte do valor pego na carteira do idoso com mimos para ela, além de levá-la para jantar. O restante foi entregue para a mãe.
Disse que sob orientação da mãe, todas as roupas e calçados utilizados no crime, além da faca e carteira da vítima foram queimados, na tentativa de eliminar as provas. Exceto um boné e um tênis, o qual depois auxiliou na comprovação do crime, já que, com uso de luminol, o Instituto-Geral de Perícias (IGP) localizou respingos do sangue da vítima.
O adolescente concluiu o depoimento salientando que tem muita confiança na mãe e a morte da vítima "aliviou seu coração".
Namorada contradiz o depoimento do adolescente
A menina, 12, prestou depoimento na companhia do pai. Ela relatou que sabia dos furtos de dinheiro e das ameaças, pois se relacionava há um mês com o adolescente. Na noite do crime, ela contou que estava com o namorado e que ele chamaria um amigo para ajudá-lo. Entretanto, no mesmo dia, esse amigo levou uma facada durante uma briga e estava impossibilitado. A namorada disse que, então, foi convidada a ajudar na ação.
Em depoimento, ela confirmou que o adolescente saiu de casa armado com uma faca de cozinha e que ambos foram de motorista de aplicativo até a farmácia. O depoimento dela segue a mesma linha do namorado sobre a chegada na casa, o arrombamento de janelas, o idoso ter acordado e descoberto a dupla escondida em um quarto.
Porém, daí a diante há contradição. Ela detalha que o namorado deu dois socos no rosto da vítima e aplicou um golpe mata-leão. Ela então foi chamada para atacar, golpeando o idoso duas vezes na parte da frente do corpo e outras três nas costas. As demais facadas foram deferidas pelo namorado. Segundo a depoente, ela usou a faca trazida pelo namorado e ele estava com uma faca encontrada na cozinha. Após, ele buscou a carteira da vítima e eles voltaram para casa. No dia seguinte, ela acompanhou a "sogra" e o namorado na agência bancária para sacar o dinheiro do idoso. Ela também participou da queima de peças e objetos usados no crime. A menina concluiu o depoimento relatando que se arrepende dos fatos.