A 5ª Vara Criminal da Comarca de Caxias do Sul negou, na terça-feira (14), o pedido de liberdade provisória de Roger Farias da Luz, 38 anos, voluntário da Igreja Universal do Reino de Deus no município. Ele foi preso em flagrante ao tentar entrar com drogas na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul (Pecs), na localidade do Apanhador, no dia 6 de março.
Técnico de Eletrônica e Automação Industrial e pós-graduando na área elétrica, Luz é casado e pai de dois filhos. Frequentava a penitenciária havia pelos menos cinco anos na condição de obreiro, que é alguém que recebe a missão de levar palavras religiosas ou desenvolver atividades em presídios, hospitais e centros de tratamento de dependência química, além de auxiliar um pastor.
Desde maio de 2018, Luz participava voluntariamente do programa social Universal nos Presídios (UNP), que opera nacionalmente na ressocialização dos apenados, proporcionando qualificação e acolhimento — ele também atuava na coordenação local. Em nota, a Igreja Universal afirma que "logo que foi informada da situação, de imediato — e até que tudo seja esclarecido —, realizou o afastamento do voluntário do programa social". (Confira abaixo a nota na íntegra).
Luz realizava cultos e ministrava o curso de Elétrica Predial Básica para os presos. Esse projeto formou mais de 400 detentos na Serra em 2022. A reportagem apurou que Luz acabou ficando conhecido como "pastor Roger", embora sua função real seja a de obreiro.
A reportagem foi até o templo da Universal, na Rua Sinimbu, em busca de informações sobre Luz. Lá, foi recebida por um voluntário e, depois, por um pastor, que afirmou que não podia se manifestar sobre o assunto. Em nota encaminhada pela assessoria de imprensa, a instituição esclarece que Luz não pertence ao quadro de pastores.
Uma fiel que frequentava a igreja conta que, na primeira vez em que esteve no templo da Universal, foi recebida por Luz:
— Ele era obreiro. Conheço há uns seis anos, apenas da convivência na igreja. Da vida dele pessoal, não sei de nada. Acredito que ele ia no presídio, no mínimo, há uns cinco anos, porque lembro de um evento que fizeram na Páscoa e ele foi no Apanhador — relata.
Foi Luz quem apresentou o curso de elétrica e se prontificou em expandir as aulas para as demais casas prisionais da Serra em 2022. Também era considerado idôneo e respeitado pelos presos e pelas instituições relacionadas ao projetos.
No dia do flagrante, o obreiro estava com um caixa de ferramentas que usava no curso de elétrica na penitenciária. Dentro dela, havia 1,2 quilo de maconha, segundo informou a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Depois do flagrante, que ocorreu na sala de revista, os policiais penais revistaram o carro de Luz, que estava estacionado nas dependências da casa prisional. Lá, encontraram cinco celulares, quatro carregadores, um relógio smart e dois pen-drives. Ele recebeu voz de prisão e foi levado para a Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA) de Caxias para o registro da ocorrência.
O veículo, por sua vez, ficou retido no estabelecimento prisional para posterior guincho e averiguação.
Um ex-agente penitenciário da Pecs contou à reportagem que, quando estava no presídio, até 2021, os representantes da igreja ficavam nas galerias, sem supervisão:
— Os presos sempre respeitaram os pastores e obreiros. A gente só abria, eles entravam e lá ficavam. O material que traziam passava por revista, mas não havia revista corporal neles. Eu não sei te dizer como é o procedimento hoje, mas na época era assim — relata.
O que diz a defesa
Os advogados Joabson Leal Dorneles Silva e Franciele Ceconi de Souza, que representam Roger Faria da Luz, irão solicitar um habeas corpus para o cliente e fundamentar com outras solicitações que foram citadas no pedido de liberdade provisória, negado pela Justiça. Segundo a defesa, não há razão lógica para manter Luz em prisão preventiva. Silva aponta que o cliente não tem condenação anterior, tem trabalho regular, endereço fixo, não há contexto de violência, nem conduta reiterada, e nenhum elemento que indique associação criminosa.
— Ele possui todos os elementos para liberdade provisória. Porém, com base em uma periculosidade abstrata e elementos subjetivos estão negando este direito constitucional da presunção da inocência, sabendo que a liberdade é regra. Está previsto na legislação e não estão cumprido. Não se prende alguém para antecipar a pena. A fundamentação deve ser concreta e contemporânea. Estão descumprindo a garantia constitucional da liberdade, com base em abstrações. Eles poderiam colocar medidas cautelares, proibições que a lei indica ser primeira medida prevista no artigo 319 do Código Penal, mas por motivações subjetivas não o fazem.
Silva e Franciele também se manifestaram sobre o cliente por nota. No documento (leia abaixo) ressaltam a trajetória de Luz como "um homem negro, que por meio dos estudos, muito trabalho e dedicação, se qualificou e rompeu a barreira do isolamento social" . O texto afirma ainda que ele é "um obreiro, homem religioso, de fé, não tendo nenhuma condenação por qualquer ato ilícito, tendo uma conduta social louvável, e reconhecida pela sociedade. Atualmente, ele frequentava a maioria dos presídios da Serra".
— Nosso cliente participava, coordenava estes cursos, sendo uma pessoa íntegra e de confiança das instituições públicas e privadas, atuando em quase todos os presídios da Serra. Ministrava cursos de elétricas, sendo todos seus atos acompanhados pelos diretores das casas prisionais. Em que pese a confiança que possuía, sempre preferiu seguir as regras das casas, com resiliência, por isto nunca teve sequer um desentendimento com estes, e jamais se valeu desta confiança para absolutamente nenhuma regalia sequer — afirma a defesa na nota.
Os advogados questionam pontos que, segundo eles, chamam a atenção em relação ao flagrante de Luz. Um deles defende que a droga estava em uma caixa de ferramentas, que ficava na penitenciária e a qual todos podiam ter acesso. Essa caixa, segundo os advogados, estava no presídio havia três dias. Eles questionam também por que não consta nos autos a indicação de imagens de câmeras de segurança, que podem mostrar se alguém teve acesso à caixa de ferramentas.
Outro ponto tocado pela defesa é sobre por que o cliente não foi para a Pecs, como havia sido informado inicialmente, e, sim, para a Penitenciária Estadual de Canoas.
NOTA DOS ADVOGADOS
"Vale dizer que neste dia fatídico e atípico, há muitos pontos controversos, que chamam a atenção da defesa, quando lhe imputaram o suposto delito.
Primeiro, deve ser explicado que não foi localizado absolutamente nada junto ao corpo de nosso cliente, tampouco este adentrou na PECS, seja com caixa de ferramenta ou celulares, inclusive se submeteu ao equipamento de fiscalização e segurança corporal.
Segundo ponto, não esclareceram que a caixa de ferramenta onde disseram ter encontrado a droga, era de posse da PECS, não saindo em nenhum momento da vigilância desta, estando lá há dias. Há aproximados três dias, deixada em local de acesso a inúmeras pessoas, seja da casa prisional, quanto visitas.
Terceiro ponto, não foi esclarecido que os telefones eram em sua maior parte da propriedade do nosso cliente obtidos licitamente, que estes estavam dentro do veículo que estava no estacionamento e trancada, demonstrando que não tentou ingressar com estes, tornando injustificada a revista no veículo.
Quarto ponto, o veículo ficava estacionado e trancado exatamente no estacionamento, conforme devidamente acordado com a direção da casa, sendo que este tem procedência licita, comprovado por meio do documento de propriedade que está em nome do sogro de nosso cliente.
Quinto ponto, este é mais crítico e sensível, um presídio deste porte possui inúmeras câmeras de segurança, por que não foram acostadas nenhuma câmera aos autos, seja demonstrando que todas as vezes o veículo ficava no estacionamento, ou provando que nosso cliente não adentrou com nenhuma caixa de ferramenta?
Sexto ponto, não menos relevante, em sede de delegacia foi informado a defesa que este seria encaminhado a PECS (Apanhador). Desta forma foi informado pela defesa ao cliente que iriamos no dia seguintes dar-lhe assistência devida. Contudo após saírem da delegacia conforme “relato do cliente”, conduziram-no para a PECAN1 (Cidade de Canoas), somente tendo conhecimento deste ato após amigos e familiares com medo e preocupados com o paradeiro deste e sua integridade, começaram cobrar a defesa sobre as razões que fizeram isto.
Após contato com a PECAN1, foi informado que (foi ordem de cima da SUSEPE). O que de fato se comprovou, pois na audiência de custodia o oficio determinava a presença obrigatória de nosso cliente, e foi descumprido pela SUSEPE. Isto inviabilizou totalmente a comunicação da defesa com o cliente, que só foi possível após a audiência no dia seguinte. Uma curiosa remoção súbita.
Deste modo, em razão de todo exposto, a defesa solicitou em audiência de custódia da liberdade provisória do cliente, ou uma medica cautelar diversa da prisão, uma vez que este caso concreto se amolda este pedido. Nosso cliente não possui antecedentes criminais, tem endereço fixo, sua conduta social é exemplar, possui filhos (crianças), tem trabalho regular, jamais foi um cidadão violento, não há prova alguma que este integra ou está associado a nenhuma organização criminosa.
A presunção de inocência lhe é devida, assim como as garantias constitucionais e os direitos fundamentais que não podem ser relativizados por critérios subjetivos ou abstratos que supõe a perturbação da ordem pública, uma vez que há liberdade é a regra.
Sequer havia uma investigação preliminar que apontassem nosso cliente para qualquer contexto criminoso. Sequer foram apresentadas as câmeras, que certamente traria a segurança jurídica e técnica e a verdade dos fatos. Não seria razoável aceitar a alegação que as câmeras estariam com defeito ou não captaram as imagens do suposto delito.
Por fim, esta defesa entende ser razoável a soltura do cliente, e quiçá substitui-la por uma medida cautelar diversa.
Caxias do sul 10 de março de 2023.
ADVOGADO, JOABSON LEAL DORNELES SILVA OAB/RS 130.035
ADVOGADA, FRANCIELE CECONI DE SOUZA OAB/RS 91.483"
O que diz a Universal
"A Igreja Universal do Reino de Deus esclarece que, diferentemente da informação que este Jornal Pioneiro diz ter recebido, o homem preso não pertence ao quadro de pastores da Instituição. Contudo, logo que foi informada da situação, de imediato — e até que tudo seja esclarecido —, realizou o afastamento do voluntário do programa social Universal nos Presídios (UNP).
Importante informar que a UNP surgiu há mais de 30 anos e atua nas penitenciárias masculinas e femininas de todo o Brasil, amparando mais de 500 mil presidiários. Só em 2022, 4.626 ex-detentos foram ressocializados pelo programa social - que vem se expandindo e, hoje, está presente em mais de 50 países nos cinco continentes. No ano passado, foram atendidos 901.903 detentos, familiares e funcionários do sistema prisional. Para isso, conta com mais de 46 mil voluntários.
Apesar de lamentar muito o ocorrido, é assustador ver o preconceito da Imprensa contra a Universal. Esperamos não ver, mais uma vez, o oportunismo, em tentar atrelar seu nome em um caso totalmente isolado.
A Universal — que está cooperando com as autoridades para apurar o ocorrido e acompanhará o desenrolar dos fatos —, existe há 46 anos, trabalhando sério para pregar o Evangelho do Senhor Jesus Cristo e beneficiando pessoas por intermédio de seus programas sociais."
O que diz a Susepe
Questionada pela reportagem sobre o encaminhamento de Roger Faria da Luz para um presídio de Canoas, a Susepe justificou que ele "atendia as casas prisionais da região. E como líder espiritual, resolvemos preservar a pessoa dele e também evitar que ele pudesse se tornar uma liderança negativa para a massa carcerária."
A Susepe afirma em nota que "não existem privilégios ou procedimentos especiais para qualquer pessoa que entra no sistema prisional, sendo todos submetidos às regras previstas de segurança. Prova disso que a referida ocorrência foi fruto de uma interceptação na entrada de materiais ilícitos, comprovando a eficácia dos procedimentos adotados pela Susepe."
Sobre outros pontos levantados pela defesa de Luz, a Susepe informa que "as informações sobre o referido caso foram prestadas às autoridades competentes, as quais conduzirão o processo investigativo. Outrossim, cabe reforçar que as unidades de destino das pessoas presas seguem critérios que primam, principalmente, pela segurança e pela efetiva execução da ordem judicial."
O que diz a Vara de Execuções Criminais
A Vara de Execuções Criminais (VEC) diz que Roger Farias da Luz tinha autorização para entrar nos presídios da Serra por causa do curso que ministrava. Segundo a VEC, para ter acesso ao presídio para ministrar cursos é preciso encaminhar um projeto para avaliação. Para isso, é necessário haver interesse do presídio no curso, verificar informações sobre quem o ministrará, como será e a questão de segurança.
Segundo nota da VEC, "toda entrada de pessoa que não pertencente aos quadros da Susepe, na penitenciária, se dá por meio de sala de revistas própria, com submissão ao scanner corporal. Em seguida, todos os pertences (sacolas, materiais, etc) do visitante passam pelo raio-x (scanner rotativo). Depois da conferência, o visitante é liberado para o ingresso", afirma o texto.