Os familiares do empresário Josef Paulo Ludke não acreditam que ele tenha sido assassinado durante um assalto em Nova Petrópolis, como foi concluído pela Polícia Civil e pelo Ministério Público (MP). O crime aconteceu em 18 de março de 2021 e, um ano depois, está próximo de um julgamento por latrocínio (roubo com morte). Como a família acredita que o crime foi um homicídio e pode ter outros envolvidos, a Assistência de Acusação se manifestou pela reabertura da instrução do processo, a fim de que o caso seja julgado pelo Tribunal do Júri.
Na sala do apartamento da família, há um memorial em homenagem ao empresário descrito pelos parentes como um homem reservado, mas ao mesmo tempo divertido e que sabia o que falar na hora certa. Um porta-retrato com uma fotografia de Ludke está cercado de velas. Em uma caixa, há pétalas secas de rosas que estavam plantadas na chácara onde ele foi morto, à época com 65 anos.
Foi próximo a esse memorial que os filhos de Ludke, Rafael, 31 anos, e Lisandra, 28, conversaram com a reportagem nessa terça-feira (15). A esposa Claudete, 55, ainda mantém as roupas de Ludke penduradas em um cabideiro como se o empresário assassinado há um ano fosse chegar em casa a qualquer instante. Há roupas nos armários e os perfumes que ele usava ainda estão no mesmo lugar. A tristeza da família é acompanhada por uma série de perguntas que seguem sem respostas.
A advogada Emiliane Gauer, da Assistência da Acusação, argumenta que há diversos elementos que mostram que a morte foi premeditada e, portanto, não foi resultado de um assalto. A principal prova seria um áudio enviado pelo réu, Gelmar do Nascimento, a uma mulher e que foi interceptado pela Polícia Civil. Essa conversa está presente no inquérito policial como prova do assassinato. Conforme o relatório, o áudio foi enviado às 20h17min do dia 18 de março. Nele, Nascimento afirma:
"Depois nós falemos. Eu estou atrás de um louco aqui. Quero matar um louco aqui que me tirou para bobo. Estou aqui trepado em cima de uma árvore. A hora que ele passar... Eu sei o caminho dele, é por aqui, vou explodir os miolos dele agora".
Em depoimento durante o processo, o réu confessou o assassinato. Ele havia sido contratado por um prestador de serviços para a atividade de jardinagem na propriedade.
— O depoimento dele é que não levou (roubou) nada de lá (chalé onde aconteceu o crime). Ele (Nascimento) disse que houve uma briga e, por isso, essas coisas aconteceram. Esse depoimento condiz com o áudio e mostra que o crime foi premeditado, (o réu) foi lá com a intenção de matar e não de roubar. Portanto, é um homicídio e deveria ser julgado no Tribunal do Júri — argumenta a advogada Emiliane.
Na denúncia, o Ministério Público (MP) apontou que o denunciado levou um celular, duas facas, três latas de cerveja e R$ 500 da vítima. Esses pertences justificam o entendimento de um latrocínio. A advogada da família entende que foi um homicídio seguido de um furto. Ou seja, ele foi com a intenção de matar e, depois, se aproveitou para levar alguns pertences que estavam ao alcance.
— É um chalé de luxo, o autor poderia levar outras coisas, inclusive o carro da vítima, mas não fez isto. Pegou só o celular e o dinheiro que estava no bolso. O ponto (da Assistência de Acusação) é que não foi esclarecida a motivação. Quando fecharam por latrocínio (aceitando o roubo como motivação do crime), não buscaram outras provas. Não foi autorizada uma reprodução simulada dos fatos, a amostra de DNA que solicitamos foi negada e não sabemos como foi esta sequência de crimes. Acreditamos que há mais gente envolvida. Esta é a preocupação. A família continua com medo — explica Emiliane.
Como o réu segue preso, o processo tramitou de forma célere e só faltam os memoriais da Defensoria Pública do Estado, que representa Nascimento.
— É um ponto que conversei com a família. Se ficar como latrocínio, a tendência é que este réu fique preso mais tempo e caso encerrado. Ou iríamos atrás do homicídio, por ter esta suspeita da mensagem e de mais pessoas na cena (do crime), e aí teríamos este embate com o Ministério Público. A família se manifestou nesse sentido. Quer que seja esclarecido o caso, e não apenas esse punitivismo de buscar apenas uma pena maior, sem elucidar todo o caso. Tecnicamente, não se trata de um latrocínio. É bem revoltante estarem tipificando só para punir mais — desabafa a advogada dos familiares de Ludke.
Para MP, apesar de indícios, não há provas de homicídio com mandante
O promotor de Nova Petrópolis, Charles Martins, explica que a versão do latrocínio vem do indiciamento da autoridade policial, que teve contato direto com a cena do crime, com as testemunhas e com o autor do crime. Ele ressalta que o MP concordou com esse entendimento, e sustentou a acusação. Contudo, o promotor admite que há indícios de que possa ter sido um homicídio a mando de alguém:
— Esse caso tem peculiaridades que indicam que é possível que o fato em si tenha sido um homicídio a mando. Só que esses indicativos, esses detalhes, não são suficientes para se sustentar uma acusação por homicídio, pelo menos, até o momento. As investigações continuam em paralelo. O inquérito está sendo complementado até com diligências solicitadas a pedido da família da vítima, que estão sendo solicitadas à autoridade policial. Porém, é um processo de réu preso e eu não posso correr o risco dele ser posto em liberdade por um habeas corpus.
Martins esclarece que no processo está comprovado que o acusado teve participação na morte do empresário, subtraiu objetos da vítima e, por isso, o MP sustenta a tese de latrocínio:
— Isso não impede que no futuro se houver provas, o MP reveja a posição e acuse algum mandante pelo homicídio, o que implicará numa pena menor para o acusado atual, caso esteja preso, porque o latrocínio tem uma pena maior do que o homicídio. No meu ponto de vista, ser levado a júri não vai elucidar o crime porque o réu não vai dizer quem o mandou, caso tenha um mandante. A situação continuará sendo a mesma e a pena será menor e não será proporcional à gravidade do crime. Quem viu as fotos sabe que é um crime bárbaro e cruel que tem que ter uma pena elevada. O MP sustenta o que está provado, morte e subtração é latrocínio, assim estabelece o Código Penal.
Agora cabe ao juiz decidir se mantém, ou não, a classificação do crime como latrocínio. O promotor adianta que se a Justiça desclassificar o caso, irá recorrer:
— Caso o Tribunal de Justiça mande a júri, qualquer que seja a decisão, eu vou sustentar para os jurados latrocínio porque é o que está provado. Eu tenho convicção pessoal que existem pontos que têm que ser melhor esclarecidos, mas, no Direito, é necessário indicativos suficientes, não apenas desconfianças, e para uma condenação é preciso provas. A verdade é o que está provado —defende o promotor.
Perícia contratada pela família aponta que elementos técnicos comprovam homicídio
A pedido da família, o escritório de advocacia contratou os peritos Carlos Eduardo Becker, Fernanda Sawitzki, Rosângela Llanos e Eduardo Llanos para atuar no caso. Eles estiveram em duas ocasiões na chácara onde o crime ocorreu. Com base no laudo do Instituto Médico-Legal (IML) e nos relatos dos familiares, que encontraram o empresário ainda com vida, eles defendem que não houve um assalto. Para eles, o crime foi premeditado, devido à mensagem recuperada no aparelho de celular do réu.
— Fizemos um apanhado no local do crime juntamente com o relato da família. Um dos elementos foi o requinte de crueldade porque ele foi atingido diversas vezes na cabeça. Teve, inclusive, perda de massa encefálica. É um crime muito cruel. Outra coisa foi a mensagem deixada no televisor, que foi feita com material perfurante, e a mensagem enviada pelo autor (por celular) que indica certa premeditação no crime — explica a perita Fernanda Sawitzki.
Sobre o envolvimento de outras pessoas, o perito Carlos Eduardo Becker ressalta que não havia manchas de sangue dentro da moradia. Isso chama atenção, já que o réu circulou pela casa, o que teria ocorrido depois dele assassinar a vítima. Pelo depoimento do autor confesso, Nascimento bebeu cervejas, enquanto a vítima agonizava:
— Como uma pessoa que cometeu esse crime dessa magnitude, depois entra dentro de uma casa, pega cerveja, mexe no televisor e não deixa marcas de sangue? Não tinha um pingo de sangue. Não havia sangue no chão, na geladeira, no televisor. São alguns elementos que nos fazem crer que tinha mais pessoas que participaram desse crime.
A roupa do réu tinha poucas gotas de sangue, o que segundo os peritos também não condiz com as lesões que ele assumiu ter cometido. O empresário era um homem alto, de 1m92cm, e Nascimento tem 1m70cm, sendo que o corpo teria sido arrastado. Para o perito, a reconstituição do crime é essencial para esclarecer como foi a morte de Ludke:
— Não conseguimos autorização para a reprodução simulada. Acreditamos que muitas dúvidas seriam respondidas se ele (réu) fosse levado até o local do crime. Essas dúvidas vão prosseguir. Foi colocada uma pessoa que assumiu a autoria, mas com vários questionamentos. A família busca a verdade.
Roupas do empresário ainda estão no quarto do casal
Para a família de Ludke, a morte do empresário, apesar de ter autor confesso, ainda é cercada de mistérios.
— O que eu vejo é que eles prenderam um cara, deram uma resposta para sociedade, mas ninguém investiga a fundo. Ele (assassino) escreveu uma mensagem na TV e ninguém fala disso. Ele disse que ia matar meu pai e não foi premeditado? Ninguém se importa com nada. Umas semanas depois do crime, o vidro do carro da minha mãe foi quebrado na rua e a gente não sabe até hoje o que foi que aconteceu. A polícia diz que não foi nada, que não tem relação, mas a gente fica à espera de respostas e com medo também. Eu tenho medo de tudo. Eu não fico na chácara sozinha, se minha mãe não atende o telefone eu já fico apavorada sem saber o que está acontecendo. Eu tenho medo de andar sozinha, de ser atacada também, porque não sabemos o que realmente aconteceu. São tantas coisas estranhas. Nós temos tantas teorias — desabafa a filha Lisandra.
O celular do empresário não foi encontrado na casa do autor confesso, que alegou legítima defesa, na primeira vez que a polícia esteve lá. Quando o aparelho foi entregue por uma familiar de Nascimento à polícia, os dados haviam sido apagados. Já o dinheiro, cerca de R$ 500, segundo a família, não tinham o tipo de cédulas com as quais o pai costumava andar.
— Claro que eu quero que ele (autor do crime) pague porque sabemos que ele estava lá, porque ele atendeu o telefone do meu pai quando eu liguei, mas é só prestar atenção que tu vê que não é isso. Porque apagaram tudo o que tinha no celular do meu pai? E quem foi? Porque não foi o assassino. Ele não tinha essa capacidade. Eu vi o depoimento, e não foi ele. Esse dinheiro que apareceu não era do pai. Eram notas de R$ 50 e o pai andava com notas trocadas. Por que não tinha sangue na camisa dele (réu) e na casa? Lá fora (da casa) a cena era horrível, tinha sangue por tudo e dentro não. A gente vive aqui à espera de respostas. É uma cidade pequena onde isso não acontece. Não estamos acostumados com isso. Não foi alguém que chegou lá e deu um tiro. Foi um crime bárbaro. Olha o que foi a agressividade e a violência desse crime e temos que ficar sentados, esperando — questiona a filha, emocionada.
Para o irmão, a falta de elementos que podem comprovar que não foi um assalto, são reflexo de um Estado sem recursos para coletar provas, por exemplo:
— É uma questão que nos leva a pensar em como as coisas não funcionam. Que o Estado está falido e, portanto, as instituições não funcionam. O pai era conhecido e querido na cidade. Se já recebemos um tratamento assim, imaginamos outras famílias. Ninguém imagina passar por isso. Vivemos numa sociedade onde as coisas acontecem e fica assim mesmo. É lamentável porque tem toda a parte afetiva, a nossa dor e perda, e essa questão que nos leva a pensar em todo o sistema, porque quando precisamos desses serviços nos damos conta de como são. E a violência que ele (autor do crime) usou? Parece algo emotivo. Eu estava em casa no dia do crime assistindo uma série e, logo depois, eu vejo meu pai com buracos na cabeça. Tudo mudou em segundos. Queremos saber por quê.
Lisandra se emociona:
— Lidamos com a nossa dor e ficamos sem saber como ajudar a nossa mãe que está sofrendo tanto. Eles foram casados por 31 anos. Ele foi o primeiro namorado da minha mãe. Até esses dias ainda tinha a escova de dente do meu pai no quarto onde ela dorme e acorda todos os dias. Ela diz que a missão da vida dela agora é descobrir a verdade, que ela deve isso a ele. Estamos tentando fazer isso há um ano.
Delegado que conduziu inquérito diz que autor do crime matou por banalidade
Para o delegado Camilo Pereira Cardoso, que foi responsável pelo inquérito, não havia indícios concretos da participação de outras pessoas no crime. Também não havia indicativos de que o crime teve um mandante.
— Não encontramos ligações para outras pessoas que pudessem ter envolvimento no crime, contas bancárias, nada que indicasse que foi um homicídio com mandante. Concretamente não há indícios de algo diferente.
Defesa não fala em um ou outro crime
Segundo o defensor público do Estado e dirigente do Núcleo de Defesa Criminal, Andrey Régis de Melo, o processo foi encaminhado ao Núcleo para análise e atos defensivos.
— Trata-se de um processo complexo, existem muitas dúvidas que não foram esclarecidas tanto no inquérito policial como na fase judicial. Nos próximos dias, a defesa escrita será remetida ao juízo da comarca de Nova Petrópolis — disse em nota.
Relembre o caso :
:: Segundo a investigação policiaol, o empresário Josef Paulo Lüdke foi espancado, em 18 de março de 2021, com diversos golpes na cabeça em um espaço de eventos no bairro Linha Imperial, próximo da RS-235.
:: Imagens das câmeras de segurança mostraram que o autor confesso, Gelmar Nascimento, chegou à propriedade da família às 18h10min. Ele estava sozinho, com um material de pesca.
:: Um amigo da vítima chegou às 18h20min na chácara com as filhas. Dez minutos depois chegou o empresário. O amigo e as crianças ficaram na casa até por volta das 20h.
:: O autor confesso encaminhou uma mensagem de voz para uma mulher com quem conversava apenas por aplicativos, afirmando que iria matar uma pessoa por volta das 20h17min.
:: A polícia acredita que o crime ocorreu entre 20h30min e 22h. A filha do empresário estranhou a demora do pai voltar do interior e ligou para ele minutos antes das 22h. Quem atendeu a chamada para o celular foi o autor confesso do crime. Ele teria dito que era engano. Diante disso, a filha acionou a Brigada Militar.
:: Ainda segundo a investigação, o autor do crime teria fugido quando percebeu a aproximação da família e da polícia, que chegou em torno das 22h30min na chácara.
:: O celular da vítima não foi encontrado na cena do crime, e foi entregue pela sobrinha do autor à polícia, formatado e sem chip. Ainda segundo a investigação, o crime foi cometido por uma única pessoa.
:: Uma enxada e um pedaço de madeira manchados de sangue foram encontrados no local do crime. Essas ferramentas teriam sido utilizadas para golpear repetidamente o empresário na cabeça. Ele chegou a ser socorrido e levado ao hospital, mas morreu horas depois