A operação do Ministério Público (MP) que expôs um escândalo envolvendo um dos pratos favoritos de Caxias do Sul é o passo inicial de uma investigação que se estenderá por um bom tempo. A investigação aponta que um grupo criminoso supostamente vendia hambúrgueres produzidos com carne de cavalo como se fosse de gado para casas de lanches da cidade.
Pelo menos dois estabelecimentos estariam comercializando xis com esse tipo de carne, que era abatida e processada sem autorização e em condições precárias de higiene. A operação ainda tenta descobrir se outros estabelecimentos também foram envolvidos no esquema. Veja o que se sabe até o momento.
Abatedouro clandestino em Forqueta
Os equinos eram mantidos e abatidos em uma chácara em Forqueta sem qualquer cuidado com a higiene e procedência dos animais. A produção dos bifes também não seguia requisitos mínimos de manuseio e conservação dos produtos. No total, seis pessoas ligadas ao abatedouro e à venda da carne de cavalo foram presas preventivamente na operação. Os nomes não foram divulgados pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) Segurança Alimentar. Segundo o promotor Alcindo Bastos, a organização criminosa abatia cavalos e comercializava os bifes há pelo menos sete meses.
O esquema, segundo o MP, funcionava da seguinte forma: uma parte do grupo era responsável por procurar cavalos pelas ruas, muitos deles doentes e que puxavam carroças. Eles faziam a oferta de compra para os donos. Concluída a aquisição, o animal era levado para a chácara, onde era abatido clandestinamente. As partes eram repassadas para um comprador, que agia em outro endereço.
No local de processamento, a carne de cavalo era misturada a pedaços de outros animais como bois, perus e suínos. Após, já na forma de hambúrgueres, o produto era embalado e repassado para lancherias como se fosse de gado. A investigação descobriu, por exemplo, que algumas carnes com cheiro de podre eram lavadas para serem vendidas como se fossem frescas.
No ponto onde ocorria o processamento, foram apreendidos 500 quilos de hambúrgueres. O promotor Bastos diz que a estimativa é que uma tonelada de carne imprópria para consumo era vendida por semana.
Ao todo, foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão na chácara de Forqueta, onde os agentes localizaram carcaças enterradas, e no local de processamento da carne, que não foi divulgado.
DNA comprovou carne equina
Para chegar à conclusão de que havia um esquema de adulteração nos hambúrgueres, o Gaeco comprou lanches de três estabelecimentos de Caxias do Sul e encaminhou os alimentos para análise no Laboratório Federal de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura em Goiás. O exame de DNA detectou a presença de carne de cavalo em dois lanches. Os locais que vendiam esses hambúrgueres, conforme o Ministério Público, são o Miru's Burguer, no bairro Kayser, e a Natural Burguer, no bairro Sagrada Família. O Natural Burguer Sagrada Família funcionou normalmente ao meio-dia desta quinta-feira (18). Procurado pela reportagem, o gerente da lanchonete negou envolvimento da empresa com prática criminosa, mas afirmou que não queria se pronunciar neste momento.
No caso do Miru's Burguer, que atende na Rua Antônio Gattermann, 291, no bairro Kaiser, o estabelecimento esteve fechado durante o almoço desta quinta-feira (18) e a reportagem não conseguiu contato com os proprietários. O promotor do Gaeco Segurança Alimentar reforça que a divulgação dos nomes das duas hamburguerias se tornou necessária pela curiosidade da população diante dos fatos graves e para preservar os fornecedores e estabelecimentos idôneos que atuam dentro do que prevê a legislação e as regras sanitárias.
Os crimes investigados são relativos ao artigo 272 do Código Penal, que é "corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nocivo à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo", crime contra a ordem tributária e organização criminosa.
Outras hamburguerias investigadas
A partir das notícias da operação, diversas listas com nomes de hamburguerias passaram a circular por redes sociais. Contudo, o MP confirma apenas o nome do Miru's Burguer e do Natural Burguer do Sagrada Família, locais que tiveram hambúrgueres coletados e testados no laboratório de Goiás.
Durante as buscas, a operação encontrou uma lista com 17 nomes de lanchonetes que, supostamente, compravam produtos clandestinos do grupo. As informações preocupam o promotor Alcindo Bastos, que coordena o Gaeco Segurança Alimentar. A Vigilância Sanitária irá fazer uma varredura nas hamburguerias da cidade para fiscalizar a procedência das carnes adquiridas pelos estabelecimentos.
Dois dos seis presos na manhã desta quinta-feira já foram proprietários de mercados e possuíam um histórico de autuações pela Vigilância Sanitária. Os dois estão fora do ramo, mas possuíam diversos contatos o que facilitou a venda da carne de cavalo.
Em uma análise prévia no celular de um desses homens, que seria o principal vendedor, foram encontrados contatos de dezenas de hamburguerias e compradores que serão investigados. Até a próxima terça-feira (23) devem ser ouvidas 20 testemunhas.
Segundo o MP, as hamburguerias não são tratadas como vítimas, pois elas sabiam que compravam carnes clandestinas e sem as devidas práticas sanitárias. Os hambúrgueres encontrados nesta quinta-feira não tinham embalagem, informações ou datas de fabricação e validade. Eram somente envoltos em plásticos. Contudo, ainda não há provas de que os estabelecimentos sabiam que esses hambúrgueres continham carne de cavalo misturada com a de gado.
— No momento que se adquire alimentos que necessitam de atenção redobrada, pois serão entregues ao público em geral, é evidente que precisam comprar produtos inspecionados. É o básico do básico. Nota fiscal não existe nenhuma. É totalmente clandestino, sem rotulagem ou validade. O conhecimento ou não da composição da carne de cavalo é outro ponto que investigamos, mas é certo que estavam tentando obter alguma vantagem — salienta o promotor.
Consumo de carne de cavalo no Brasil
Comercializar carne de cavalo no Brasil é permitido, não é algo ilegal, já que esses animais são considerados espécie de açougue, segundo artigo 10 de decreto 9013, de 2017. No entanto, a carne só pode ser vendida e consumida se os animais forem abatidos em estabelecimentos sob inspeção veterinária.
No Brasil, frigoríficos que podem abater cavalos estão inscritos no Serviço de Inspeção Federal (SIF). O selo garante a segurança, a qualidade e a higiene da carne fiscalizada. Em razão da questão cultural, a produção nacional é basicamente voltada para a exportação.