Baderna, brigas, sujeira espalhada e até tiros. Esta é a insegurança relatada pelos moradores da Rua Vico Caroline Thompson, no bairro Cristo Redentor, que são obrigados a conviver com uma cracolândia. O ponto de encontro de usuários de drogas é um matagal ao lado de um antigo frigorífico. O drama desta vizinhança não é uma exclusividade. O Consultório de Rua relata que existem pelo menos 18 territórios tomados por drogaditos em Caxias do Sul. Antes da pandemia, eram mais de 400 atendimentos realizados por mês.
O enfrentamento ao uso de drogas em via pública e suas consequências para os arredores acontece em duas frentes na cidade. Na parte de saúde e assistência social, os atendimentos são feitos pelo Consultório de Rua, que é formado por duas enfermeiras, dois técnicos de enfermagem, dois redutores de danos e um motorista que atuam duas noites por semana.
— A equipe se coloca a disposição e faz uma escuta. É feita a coleta para exames, testes rápidos, agendamentos e esta articulação. O principal objetivo é levar eles a acessarem a rede de saúde, mas até a entrega de água faz parte do nosso trabalho. Fazemos alguns acompanhamentos terapêuticos e buscamos levar este usuário a acessar algum serviço — descreve Luciana Lunardi de Almeida, da Rede Álcool e Drogas.
Por outro lado, a Brigada Militar (BM) atua quando recebe muitas denúncias dos problemas gerados pela circulação de drogaditos. Contudo, o comando do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) reconhece que a presença policial é apenas uma medida paliativa.
— Quando chegam informações de furtos e roubos na região, os sistema de segurança se movimentam e apaziguam. Mas, não resolve. Existem inúmeras (cracolândias) e mudam muito rápido os locais. Quando se faz um trabalho (em um ponto), eles migram para outro. Não conseguiria estimar um número, mas sabemos que são vários. A maioria são pequenos locais, com um número reduzido de usuários, mas que já trazem transtornos para moradores das proximidades — afirma o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º BPM.
O relato da Rua Vico Parolini Thompson, portanto, é apenas um exemplo recente de um problema recorrente na cidade. Segundo a vizinhança, estes usuários conseguem drogas no bairro Planalto, atravessam a BR-116 e buscam refúgio no matagal do antigo frigorífico Peteffi.
— Ninguém faz a manutenção do terreno, então se transformou numa cracolândia. São seis anos que vivemos em um inferno no Cristo Redentor. É uma romaria de dezenas de usuários, que assaltam e cometem furtos pela região. Volta e meia acontecem brigas e até tiroteios entre eles. É uma insegurança para os moradores — relata o vereador Rafael Bueno (PDT) que reside na região e, no ano passado, fez um voto de congratulações a três delegados e 19 policiais civis por "uma ação decisiva contra a cracolândia".
A ação da Polícia Civil afastou os drogaditos por um tempo, mas o problema retornou nos últimos dois meses.
— É uma região que, há anos, é de referência para o Consultório de Rua. Até houve um tempo em que conseguiram conter, só que voltou. O fluxo e a aglomeração ganharam mais força neste mês de janeiro. Sabemos que acontece ali um tráfico de drogas e até tiros. Infelizmente, a vizinhança tem medo e não quer se expor ao perfil das pessoas que frequentam este local. Agora, é uma questão de polícia, e não mais de saúde — relata Nívea Rosa, que é presidente da Associação dos Moradores do bairro Cristo Redentor desde 2019 e já trabalhou no Consultório de Rua.
Falta estratégia e união contra o crack
Como combater o consumo de crack e reduzir os problemas causados por drogaditos é um debate antigo em Caxias do Sul. Atualmente, não há uma estratégia definida para dissipar estas cracolândias que se espalham por toda a cidade em becos, matagais, casas abandonadas e pontes secas.
— É um problema permanente da cidade e de muito difícil solução. Especialmente, porque não conseguimos trabalhar de uma maneira integrada. Precisamos amadurecer a maneira de trabalhar, integrar a questão de segurança pública com saúde pública e assistência social. Isto é o que deveria acontecer, pois nenhum destes sozinhos conseguirá resolver o problema — avalia o tenente-coronel Ribas.
A rede de atendimento não tem interesse nesta abordagem conjunta, pois este trabalho de saúde depende da confiança deste público. A equipe vinculada a Secretaria Municipal de Saúde ressalta que muitos destes dependentes só aceitam estas consultas na rua.
— Não é o objetivo resolver um local de aglomeração. Para estar lá, precisa desta autorização deles. Nosso foco é a saúde. Precisa ter este vínculo para funcionar, então não podemos querer acabar com um local, ou não teremos mais acesso. Claro que a equipe acessando e oferecendo o atendimento, colabora neste sentido, pois o usuário pode se interessar por buscar um tratamento para dependência. Pode ser uma consequência (resolver a cracolândia), mas não é um objetivo — afirma Marina Guerra, diretora da Rede de Atenção Psicossocial.
Apesar do fluxo intenso, o consenso é que na maioria das cracolândias não costuma reunir uma dezena de drogaditos por vez. Quando um local começa a reunir mais usuários que isso, a BM e demais órgãos são acionados. Um exemplo citado é o da subida da Rua Borges de Medeiros, ao lado do Mato Sartori, conhecido como Morro do Sabão. Após inúmeras reclamações ao longo de meses, a Secretaria Municipal de Segurança Pública deflagrou a Operação Saturação em conjunto com a BM no ano passado.
A estratégia era realizar abordagens periódicas aos usuários de drogas e, assim, afastar a clientela dos traficantes que há anos atuam naquela região. A operação foi descrita como de sucesso, reduzindo as aglomerações e, consequentemente, as reclamações de moradores. Contudo, conforme a atuação da Guarda Municipal diminui, os drogaditos retornam ao acesso do bairro Primeiro de Maio.
— Uma das (cracolândias) que teve mais notoriedade foi a da subida da Borges, que chegava a ter 30 usuários reunidos na sua extensão. Quando tem um volume maior, o sistema todo acaba se movimentado. A situação lá, agora, migrou. Ficam poucos a noite, mas sabemos que não acabou e não se resolveu. Apenas migrou — opina o tenente-coronel Ribas.