O Fórum de Caxias do Sul movimentou 10.254 processos criminais entre três juízes no ano passado. São crimes de roubos, tráfico de drogas, estupros e acidentes de trânsito que estão empilhados nos cartórios. O volume é tanto que as audiências já estão sendo marcadas para o segundo semestre de 2022. A sobrecarga de trabalho é um dos fatores que explica a constante saída dos juízes criminais. A partir de fevereiro, Caxias do Sul contará com apenas um juiz nas quatro varas que julgam crimes.
O último anúncio foi da juíza Gabriela Irigon Pereira, que solicitou a remoção para Porto Alegre. A magistrada está com férias marcadas para fevereiro e não deve retornar para a Serra. Além de ser a titular da 2ª Vara Criminal, ela também atuava em substituição na 4ª Vara Criminal desde saída do juiz João Paulo Bernstein, em setembro do ano passado, para o 1º Juizado da 5ª Vara Cível da comarca.
— Está sendo bem mais comum do que gostaríamos. É inevitável que cause prejuízos, não tem nem o que dizer. Acho que é uma coincidência (as saídas recentes), não é necessariamente por ser Caxias do Sul. É uma coincidência que vai ao encontro da falta de servidores e juízes que temos em todo o Estado. É comum termos comarcas menores, regiões mais distantes da Capital, que não tem juiz nenhum. Caçapava do Sul têm três varas e as três estão vagas — comenta a juíza-corregedora Carla Patrícia Boschetti Marcon, que é responsável por 23 comarcas da Serra e proximidades.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) publicou em novembro o edital para a escolha de um novo juiz para a 4ª Vara Criminal. A expectativa é que o novo titular seja definido em abril. Já a 2ª Vara Criminal precisará de um novo edital e a previsão para a escolha fica para depois de outubro. Até estas designações, estas varas serão atendidas por um juiz em substituição. Na prática, só serão atendidas as demandas urgentes e a pilha de 10 mil processos aumentará.
— O grande gargalo é o número de audiências. São mais de 3 mil processos em cada uma das varas e cada um representa, no mínimo, uma audiência. Todo processo tem que ser instruído com uma audiência presencial para a realização da prova judicializada, que se atenda o contraditório e a ampla defesa do réu, e atenda as garantias constitucionais. Este ato formal e solene só pode ser presidido pelo juiz. É fundamental para um julgamento justo — aponta Gabriela.
Hoje, as audiências de processos criminais sem réus presos estão sendo marcadas para o segundo semestre de 2022. Após a investigação policial, são 18 meses para analisar as provas, ouvir vítimas e testemunhas e oportunizar a defesa ao réu. Sem um juiz titular, estas audiências precisam ser canceladas e adiadas, aumentando o sentimento de impunidade.
A juíza Gabriela lembra que, além das audiências, um magistrado também precisa decidir sentenças, cautelares urgentes como a quebra de sigilo e mandados de busca, expedição de prisões preventivas, análise de pedidos de liberdade, entre outras tarefas de gabinete. Esta sobrecarga de trabalho ocupa todos os turnos de trabalho de um juiz, que ainda assim não é capaz de vencer a demanda e diversos processos acabam por prescrever.
No ano passado, cuja produção foi prejudicada pela pandemia de coronavírus, as três varas de crimes ordinários de Caxias do Sul realizaram 975 audiências. Ou seja, menos da metade para vencer a demanda de apenas uma das varas.
O presidente da subseção de Caxias do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Rudimar Luis Brogliato, lembra que a falta de juízes tem sido recorrente desde 2010, quando a comarca passou a ser entrância final e, consequentemente, ter os mesmos critérios de seleção do que Porto Alegre.
— Tem sido um problema recorrente há muitos anos, o que demonstra uma falta de gestão pelo Tribunal de Justiça. Caxias do Sul é a segunda maior cidade do Estado e não tem os cargos providos. É um enorme o prejuízo, porque os processos ficam parados ou em ritmo mais lento. E também porque o juiz substituto muda e não acompanha todos os trâmites dos processos, além de já termos audiências para 2022. Toda a sociedade caxiense acaba penalizada, principalmente nesta questão criminal, onde é passada essa sensação de impunidade — avalia o advogado.
Procurados pela reportagem desde o dia 18 de janeiro via assessoria de imprensa, nenhum representante do Ministério Público ou da Defensoria Pública quis se manifestar sobre a falta de juízes, sobre o acúmulo de processos criminais em Caxias do Sul ou sobre os prejuízos que esta lentidão causa a sociedade.
TJRS estuda dobrar o número de juízes criminais em Caxias do Sul
A falta de juízes e o acúmulo de processos criminais é uma dificuldade histórica em Caxias do Sul. Há uma década, o Fórum reivindicava a criação de uma 5ª Vara Criminal. Esta proposta mudou no ano passado, com a aceleração da digitalização dos processos em razão da pandemia e o sistema virtual chamado Eproc.
— Com o Eproc, não faz muito sentido criar e aparelhar mais uma vara com servidores. É muito mais custo. Como o nosso gargalo são as audiências, é possível colocar um servidor em cada vara que já existe e dobrar o número de juízes. Daria um resultado prático muito maior. Se conseguirmos reduzir esta pauta de 18 meses pela metade, a resposta e eficácia desta vara criminal será muito positiva — defende a juíza Gabriela.
A criação de mais três juizados criminais está em estudo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). A medida dividiria em dois juízes o número de processos e audiências que cada magistrado precisa fazer. A expectativa é que a medida seja capaz de resolver este histórico de 10 mil processos empilhados e absorver a demanda dos novos crimes, que crescem a cada ano.
— No âmbito da Corregedoria, acredito que até fevereiro encerre nosso estudo sobre os juizados. A nossa intenção é instalar novos juízes nas quatro varas criminais. O estudo é para fevereiro, depois ocorre a proposição para o Conselho da Magistratura. Em caso de aprovação, será feito um projeto de lei para a Assembleia autorizar a criação de cargos. Depois, se aprovado, é que iremos abrir a possibilidade de juízes pediram designação para estes juizados — explica a juíza-corregedora Carla Patrícia.
O TJRS evita falar em prazo para um possível início de trabalho dos novos juízes. Pela necessidade de aprovação e seleção, a estimativa mínima seria para o segundo semestre de 2022. Vale lembrar que a remoção de juízes para os novos juizados seria uma dificuldade em razão da falta da magistrados no Rio Grande do Sul. Segundo o TJRS, há 196 cargos desocupados e apenas 46 vagas previstas no concurso em andamento.
Após a instalação dos três novos juizados, ainda seria preciso pelo menos um ano de trabalho dos seis juízes para colocar em dia a pauta de audiências. No entanto, é preciso considerar a baixa produção em 2021 em razão das vagas em aberto na 2ª e 4ª varas criminais.
— A pauta que hoje está em 18 meses, passaria a ser de nove meses com um juiz a mais em cada vara. Claro, depende da atuação de cada colega. Mas acredito que em um ano reduzirá esta pauta. O espaço já existe, pois é um Fórum grande. Estamos otimistas — comenta a juíza Gabriela.
A OAB de Caxias do Sul considera positivo o estudo sobre as varas criminais da comarca, mas questiona qual será a eficácia prática diante dos constantes cargos vagos na cidade.
— O questionamento que precisa ser feito é, se não conseguem prover os cargos vagos que já existem, como irão conseguir preencher estes juizados? Este é o nosso ceticismo. Somos a favor da criação dos juizados, mas é preciso prover os cargos ou não adiantará nada. A OAB apoia dobrar o número de juízes. Com certeza seria uma solução. Ainda mais porque o segundo juizado teria o conhecimento da vara para facilitar eventuais substituições — comenta Brogliato.
Vara do Júri completa 28 meses sem juiz titular
A falta de magistrados tem afetado principalmente a 1ª Vara Criminal, responsável pelos crimes contra a vida. A chamada Vara do Júri está há 28 meses sem um titular. O resultado é um acúmulo de 1,2 mil processos ativos e 300 casos prontos que aguardam apenas pelo julgamento. No final do ano passado, o juiz Antônio Carlos de Castro Neves Tavares foi promovido para a vaga. Ele era titular da 1ª Vara Cível de Montenegro. O que ocorre é que Tavares atua como juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 4 de novembro de 2019, por uma convocação assinada pelo ministro Dias Toffoli. Desta forma, a 1ª Vara Criminal continuará em substituição por tempo indeterminado.
— Tem que aguardar ele voltar. A vaga é do doutor Antônio e não temos como abrir (edital) para remoção ou promoção. Não temos interferência nenhuma nestas designações do CNJ e nem no tempo de permanência. A solução é esta substituição (que já acontece) — aponta a juíza-corregedora Carla Patrícia, que cita que a mesma situação ocorre com o juiz Carl Olav Smith no Juizado Regional da Infância e Juventude.
Por enquanto, a substituição continua a cargo do juiz Silvio Viezzer, titular do 2º Juizado da 5ª Vara Cível, que preside os júris desde setembro do ano passado. A 1ª Vara Criminal também conta com um regime de exceção,com Sérgio Fusquine, do Juizado Especial Cível, e Emerson Kaminski, do Juizado da Violência Doméstica, selecionados para dar andamento aos processos que não tem réus presos.
— A designação atual vai até início de março, mas provavelmente será prorrogada porque não haverá titular. A situação continua grave com um acúmulo de serviço considerável. Os juízes estão fazendo um excelente trabalho, com um grande número de audiências e júris. A pauta (da 1ª Vara Criminal) tem se mantido lotada durante todo o período. Não é uma solução mas, com três juízes, agora está sendo efetivo. Quando é um juiz só (em substituição), é complicado porque acumula o trabalho. Fica mais lento, é inevitável — avalia a juíza-corregedora responsável pela Serra.
A situação caótica da Vara do Júri iniciou em junho de 2018, quando a juíza Milene Rodrigues Froes Dal Bó decidiu assumir a Vara de Execução Criminal da Serra. O edital para a seleção do novo titular levou 18 meses até a chegada de Max Akira Senda de Brito, no final de 2019. No entanto, após três meses de atuação, o magistrado foi convocado para compor a Corregedoria do Tribunal de Justiça e deixou Caxias do Sul. O novo edital levou quase um ano e resultou na promoção do juiz Tavares. Como o magistrado está cedido para o CNJ, não há previsão de quando a 1ª Vara Criminal voltará para a normalidade.