A retomada dos júris diante da pandemia de coronavírus é considerado um passo essencial, mas o desafio em Caxias do Sul é muito maior do que a necessidade de máscaras e distanciamento social. Segundo a 1ª Vara Criminal, há 1.341 processos em tramitação e aproximadamente 300 já estão prontos para plenário, aguardando apenas uma data para a realização do júri. O acúmulo é proveniente de dois anos de baixa produtividade em razão da falta de um juiz titular.
Leia mais
Tribunal de Justiça anuncia solução emergencial para o Tribunal do Júri de Caxias do Sul
Caxias do Sul está sem juiz frente aos assassinatos. De novo
Enquanto 207 acusados aguardam por júri, apenas sete estão marcados em Caxias do Sul
A situação caótica da chamada Vara do Júri iniciou em junho de 2018, quando a juíza Milene Rodrigues Froes Dal Bó decidiu assumir a Vara de Execução Criminal da Serra. O edital para seleção do novo titular levou 18 meses até a chegada do juiz Max Akira Senda de Brito, no final de 2019. No entanto, após três meses de atuação, o magistrado foi convocado para compor a Corregedoria do Tribunal de Justiça e deixou Caxias do Sul.
Nestes 24 meses sem um titular, a vara responsável por aplicar a lei diante de crimes contra a vida foi atendida por um juiz em substituição, que é escolhido entre os magistrados responsáveis pelas outras varas criminais da comarca. O excesso de funções prejudica o andamento dos processos e ocasiona um sentimento de impunidade entre os acusados e familiares das vítimas.
No início deste ano, o Tribunal de Justiça decidiu criar um regime de exceção. Os juízes Sérgio Fusquine, do Juizado Especial Cível, e Emerson Kaminski, do Juizado da Violência Doméstica, foram selecionados para dar andamento aos processos que não tem réu preso. Os casos em que os réus estão recolhidos preventivamente, que tem prioridade conforme prevê a legislação, continuariam com o juiz substituto. Ou seja, três juízes atuariam para desafogar a 1ª Vara Criminal. Contudo, a pandemia de coronavírus apareceu, impossibilitou a ida de público aos fóruns gaúchos e as pilhas de processos aumentaram.
Após seis meses, Caxias do Sul teve o seu primeiro júri durante a pandemia na quarta-feira (23) — ao todo, foram apenas seis este ano. O plenário foi presidido pelo juiz Silvio Viezzer, atual substituto na Vara do Júri. Após o êxito deste primeiro julgamento, com medidas sanitárias contra a covid-19, a intenção é realizar júris todas as quartas-feiras. A expectativa do magistrado é ter uma sentença 18 processos que tem réu preso, incluindo o processo sobre o assassinato da menina Naiara Soares Gomes, sete anos, que foi raptada, estuprada e assassinada em 2018.
Pioneiro: Qual a avaliação sobre este primeiro júri pós advento da pandemia?
Juiz Sérgio Viezzer: Tudo aconteceu normalmente, com o devido respeito entre as partes e dentro do tempo previsto. Não tivemos nenhum incidente, respeitando o distanciamento e utilizando os equipamentos de proteção. O plenário é bem amplo, então foi possível realizar o julgamento sem nenhum risco para a saúde dos envolvidos. O júri aconteceu normalmente e penso que todos os demais devam acontecer com tranquilidade.
Qual o planejamento para esta retomada?
A intenção é ter júris de réus presos todas às quartas-feiras até o final do ano. Já estão designados júris até novembro e logo serão agendados os de dezembro. Afora isso, também tentaremos encaixar alguns júris em outras datas, de outubro e novembro. Quando assumi (a substituição, em setembro), tínhamos 18 júris de réus presos prontos para o plenário. A ideia é realizar todos estes. De acordo com o protocolo, a suspensão dos júris só aconteceria em caso de bandeira preta (conforme o Modelo de Distanciamento Controlado do governo estadual). Não podem ser feitos mais júris porque sou um substituto, tenho responsabilidade com o 2º Juizado da 5ª Vara Cível. E também há as audiências dos outros processos de réus presos que ainda não estão prontos para júri, estão na fase de produção de provas, inquirição de testemunhas e interrogatório de réus, por exemplo. Na próxima segunda-feira, por exemplo, está prevista a tarde inteira de audiências.
O surto de coronavírus na penitenciária do Apanhador prejudicou a atuação?
É uma questão que tem atrapalhado o fluxo. A interdição da Penitenciária Estadual de Caxias do Sul prossegue até o dia 30 em razão deste surto de coronavírus. Quando assumi, em setembro, haviam quatro júris marcados, mas não pude realizar os primeiros por conta desta interdição. Não consegui trazer o réu para a sessão do júri, afinal ele está em um ambiente de risco e, assim, colocaria todos os jurados e o corpo de sessão do júri em risco. A providência tomada foi um pedido para que estes réus presos sejam testados e transferidos para o Presídio Regional (na BR-116). Fizemos esta solicitação para os juízes da VEC (Vara de Execuções Criminais), uma transferência 15 dias antes do júri para este ambiente, que está mais controlado. A maioria dos réus está lá no Apanhador.
Quantos processos estão "prontos" apenas aguardando data do julgamento?
A 1ª Vara Crime tem, hoje, 1.341 processos em tramitação, sendo que 152 têm réus presos. É um número que varia diariamente. Esta é a maior Vara do Júri do Rio Grande do Sul. Nenhuma outra tem tantos processos. Em Porto Alegre, por exemplo, há três Varas de Júri com dois juizados cada. São seis juízes atuando, o que representa cerca de 600 processos para cada. Aqui em Caxias há cerca de 300 processos prontos, só aguardando o júri. É muito processo parado. Mas, quero salientar que esta realidade difícil no âmbito da 1 ª Vara Crime é de ciência da Corregedoria e que providências foram tomadas, mas ficaram prejudicadas pelo advento da pandemia. Está instaurado um regime de exceção, mas como não está autorizada a presença de público, estes dois colegas não estão autorizados a marcar plenário. Processo de réu solto não se enquadra como de urgência e não temos condições de segurança para que o Tribunal esteja em pleno funcionamento. Por isso, audiências de réus soltos não estão autorizadas. Se não fossem (as restrições devido ao coronavírus), teríamos três juízes atuando plenamente para desafogar esta demanda represada.
Um dos crimes que mais repercutiram recentemente, o caso Naiara é um dos que foi adiado em razão da pandemia. O processo já tem data para julgamento?
Será julgado no mês de dezembro. Pelo planejamento, acredito que será na primeira semana de dezembro. Falta apenas assinar. É um processo que irá se estender, pois há testemunhas de plenário. Ainda estou analisando se irá precisar ser em dois dias. O único passo que falta é o júri, e irá acontecer este ano.
Quando a 1ª Vara Criminal deverá ter um juiz titular novamente?
Está em andamento um processo de promoção para o novo juiz. É um processo de avaliação e deliberações, e tenho a expectativa que termine até o final do ano. Em princípio, a minha substituição segue até o final de dezembro. Tenho mais estes três meses de atuação. Pelo que recordo, este edital (com critérios para escolha do novo juiz) foi publicado há dois meses e já está na segunda fase. Será um juiz que vem de uma comarca menor, pois a de Caxias do Sul é considerada uma comarca de entrância final.
Estas trocas de juiz prejudicam o andamento?
O que causa prejuízo é a ausência do juiz titular, aquele que só se dedica àquela Vara. O juiz substituto tem uma limitação de trabalho porque tem uma outra unidade para cuidar. Um titular seria capaz de fazer mais audiências. O substituto acaba trabalhando quase que exclusivamente com processos de réus preso, e com um limite de tempo. Todas as varas de Caxias do Sul são trabalhosas, com cerca de 5 mil processos acumulados cada. Trocar o juiz substituto não é problema, o problema é todo este tempo sem um titular. Houve um procedimento de promoção de um juiz, só que o doutor Max Akira foi convidado para integrar a Corregedoria, por mérito dele. Ao aceitar, a 1ª Vara voltou a ficar sem juiz. São circunstâncias que fogem do controle da administração do Poder Judiciário e foi necessário iniciar este novo processo. O que esperamos é que venha um titular e que fique um bom tempo. E que a Corregedoria autorize por mais um bom tempo este regime de exceção.
Quanto tempo será necessário para colocar em dia a pauta da 1ª Vara Criminal?
Olha, são 300 processos prontos para plenário. Se fizéssemos júris em todos os dias úteis, já seria mais de um ano. E é impossível fazer júris todos os dias, pois há audiências dos outros processos. Então, sendo otimista, acredito que irá levar dois anos, no mínimo. Já contando este projeto de apoio. Ou seja, com mais de um juiz atuando. Há uma sobrecarga que vai além da violência da cidade. A média é de 150 crimes contra a vida por ano, entre homicídios consumados e tentados, pois ambos são da competência do júri. Cerca de 80% geram processo, pois a maioria tem esta suspeita de autoria, a devida investigação policial e, assim, o processo terá que ir até o júri.
Como são determinados os processos para serem julgados primeiro?
O critério é marcar antes os que estão com mais tempo de réus presos. Só que quando marcamos um júri e, por alguma situação, não acontecer, não podemos remarcar para a semana seguinte. Há outros processos com júris marcados para as semanas seguinte. Assim, este processo adiado irá ser redesignado para o final da fila, cerca de três meses depois. Sem réu preso, necessitamos de um provimento de autorização da abertura do acesso ao público. O que temos por hora são estes dois juízes fazendo audiências da primeira fase dos processos, que é em sala de audiência, ouvindo testemunhas e réu por videoconferência. Além de não existir previsão legal, a mecânica e o ritual é não fazer júri por videoconferência. É preciso garantir a incomunicabilidade dos jurados, que virtualmente é impossível. São 25 jurados convocados para virem ao plenário e sete são sorteados na hora.
Há crimes contra a vida em risco de prescrever diante do acúmulo da 1ª Vara Criminal?
Todos os crimes têm prescrição, mas os de pena mais alta levam 20 anos. Claro, é uma preocupação. Principalmente em casos de tentativa de homicídio ou até de homicídio simples, que tem pena mínima de seis anos. Pode acontecer e, se decretada a prescrição, não ocorrerá nem o julgamento. Mas, é raro. Neste meu tempo (de substituição) não tenho notícia de prescrição. Pode ocorrer, mas não é no dia a dia. O Judiciário tem que atender todas as demandas. Tentativa de homicídio é um crime de pena menor, mas também é um fato grave. Tive um processo, por exemplo, em que a vítima ficou paraplégica. São casos graves, por isso é importante dar andamento mesmo nestes processos que tem réus soltos. Foram seis meses sem júri. Se tivéssemos neste período todos os juízes fazendo, teríamos um congestionamento bem menor. Quando a Corregedoria fez o projeto de regime de exceção, com dois juízes para réus soltos, foi pensado no interesse da comunidade e oferecer segurança. Afastar essa sensação de impunidade.