Um dos julgamentos mais aguardados de Caxias do Sul aconteceu nesta quarta-feira (2) e, mesmo com a condenação do autor confesso do estupro e morte da menina Naiara Soares Gomes, sete anos, a repercussão e sentimento da sociedade não foi de justiça feita. Nas redes sociais, o principal questionamento foi sobre a pena aplicada: 36 anos, seis meses e 20 dias. Por que o réu não foi sentenciado a pena máxima?
Juliano Vieira Pimentel de Souza, 34 anos, foi condenado pelos três crimes denunciados pelo Ministério Público: homicídio triplamente qualificado, estupro de vulnerável e ocultação de cadáver. Nestes termos, a pena máxima conforme a legislação seria de 48 anos de reclusão. O mínimo previsto para estes crimes seria de 21 anos de prisão. Por tanto, a decisão assinada pelo juiz Silvio Viezzer ficou mais próxima do máximo que do mínimo.
A principal preocupação da comunidade foi descrita na própria sentença: "o cenário fático-probatório evidencia personalidade com traços de pedofilia". A argumentação ressalta que Juliano possui outra condenação por outro estupro de vulnerável e aponta o "agir incontrolado e persistente a prática de abusos sexuais contra vítimas de tenra idade". A decisão salienta que "o motivo é inerente ao tipo, satisfazer a prova lascívia".
O advogado criminalista Airton Barbosa de Almeida considerou a pena aplicada adequada. Ele ressalta que, em um Tribunal do Júri, é comum os parentes da vítima e a sociedade em geral considerarem que a punição deveria ser maior. Da mesma forma, é normal o lado do réu argumentar por uma pena menor. A defesa já anunciou que irá apelar da decisão.
— Mesmo antes do veredicto já era possível fazer este cálculo aproximado, levando em consideração a lei e o entendimentos dos Tribunais do país. A pena foi a adequada do ponto de vista legal, técnico e jurídico, análise que coube ao magistrado. No Brasil e nas sociedades civilizadas cabe ao juiz a tarefa de aplicar as penas — salienta Almeida.
A opinião é semelhante a do advogado Ivandro Bitencourt Feijó. Ele explica que o processo penal brasileiro adota três fases na dosimetria da pena privativa de liberdade. Ele salienta a qualidade, a clareza da redação e fundamentação realizada na sentença.
— Para chegarmos a uma pena justa entre a mínima e a máxima, foram pensadas fases de fundamentação que o juiz togado deve ultrapassar para chegar a pena final a ser aplicada. Neste sentido, tudo depende dos elementos e das provas que as partes trazem ao processo e, de igual forma, das características do cometimento do crime. No caso Naiara, podemos perceber que o magistrado fixou uma pena próxima da máxima prevista nos tipos penais imputados — aponta.
Ambos os criminalistas destacam que é mínima a subjetividade para a dosagem de uma pena. Afinal, a legislação é a mesma para todos os brasileiros e o regramento precisa ser claro. Este modelo garante que a pena que foi aplicada em um caso no Rio Grande do Sul seja muito semelhante a que é aplicada se o réu fosse julgado por um juiz do Rio Grande do Norte, por exemplo.
— Alguns magistrados adotam critérios diferentes, aplicando penas mais altas. Mas a orientação é de cima para baixo, dos tribunais superiores (STJ e STF) para os inferiores e destes para os juízes de primeiro grau. Então, quando algum julgamento destoa desta orientação “superior”, acaba sendo reformado depois. Os juízes de primeiro grau, em geral, obedecem as orientações superiores, tendo pouca margem para elevar uma pena ou distanciá-la muito do mínimo previsto — explica Almeida.
A não determinação de uma pena máxima, portanto, é uma orientação dos tribunais superiores. Uma mudança na doutrina iria para além dos magistrados e o debate precisaria ser feito com ministros e legisladores em Brasília, opinam os juristas.
— Após a decisão do júri na condenação, o magistrado analisou todas as circunstâncias processuais e do fato. Em alguns pontos não existiam informações que pudessem auxiliar na dosimetria e foram considerados neutros. Desta forma, o processo não conduziu o magistrado a pena máxima de acordo com as regras previstas — destaca Feijó.
— Os critérios a serem adotados pelo juiz foram obedecidos. E estes critérios frutos desta orientação, na prática, impedem a fixação no máximo. O juiz, em tese, poderia ficar no máximo para transformar a pena em manchete. Mas, ao final, não tenho a menor dúvida que seria reformada para menos — corrobora Almeida.
Réu poderá postular regime semiaberto em 2039
Outro questionamento popular após o julgamento foi quando Juliano poderia progredir de regime, ou seja, deixar a prisão. Conforme a legislação para crimes hediondos, Juliano precisa cumprir 40% da pena em regime fechado. Cabe lembrar que esta foi a segunda sentença do réu, que já havia sido condenado por estupro de vulnerável em fevereiro de 2019.
Somadas as duas penas, Juliano possui 53 anos de reclusão a cumprir. Pela legislação, ele terá que cumprir 21 anos e dois meses de prisão antes de poder postular a progressão para o regime semiaberto. Recolhido desde 2018, Juliano já cumpriu dois anos, oito meses e 13 dias de pena. Neste cálculo, ele precisará ficar recolhido em uma cadeia pelo menos até 2039.