Os riscos da pandemia de coronavírus levaram 217 apenados à prisão domiciliar na Serra Gaúcha, com prazo definido em 90 dias. A decisão segue uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e beneficia apenas detentos com comprovação médica de que estão em grupo de risco. O número equivale a 7% da população carcerária na região, que tem pouco mais de 3 mil presos.
A medida de precaução foi confirmada pela Vara de Execuções Criminais Regional, mas com a ressalva de que o benefício não é concedido a condenados por crimes hediondos ou reincidentes criminais. Estes, mesmo apresentando laudo médico, devem continuar recolhidos no regime fechado.
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Publicada em 17 de março, a recomendação nº 62 do CNJ é alvo de diversas críticas. No Estado, por regra, o Ministério Público é contrário ao benefício por entender que não existem casos de coronavírus que importem em situação de risco para os apenados, mesmo aqueles supostamente em grupo de risco, em nenhum dos estabelecimentos prisionais da região. Na Serra, além de uma representação coletiva da Defensoria Pública, mais de 250 pedidos de soltura foram apresentados desde o dia 19 de março.
— O Ministério Público tem se manifestado contrariamente a todos os casos em que não estejam preenchidos os requisitos normais. Existem pedidos simplesmente pela alegação de que o apenado estando em grupo de risco teria, em tese, que estar em casa pelo fato dos presídios estarem superlotados. Esta recomendação (do CNJ) é a base de todos esses inúmeros pedidos, entretanto, o Ministério Público entende que esse tipo de análise tem que ser feito considerando que não se pode criar uma situação paralela de crise na segurança pública — afirma a promotora Alessandra Moura Bastian da Cunha.
A orientação do CNJ é pela adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e considera que um cenário de contaminação em grande escala no sistema prisional produzirá impactos significativos para a saúde pública de toda a população. O ponto polêmico é a concessão de saída antecipada para pessoas presas em estabelecimentos penais com ocupação superior à capacidade que não disponham de equipe de saúde lotada _ situação da maioria das casas prisionais brasileiras. A decisão de não beneficiar reincidentes ou condenados por crimes hediondos é do juiz Nilton Luís Elsenbruch Filomena.
"O grupo de risco é em atendimento da recomendação 62 do CNJ, mas a nossa decisão é a que mais impôs condições para esta saída antecipada (em prisão domiciliar). Só sai primário, com comprovação médica de que estava nesse grupo de risco e que não tenha cometido crimes hediondos ou equiparados. E o último detalhe importante é que essas domiciliares têm prazo definido de 90 dias", aponta, em nota, a VEC da Serra.
Sobre as prisões domiciliares, foram suspensas as assinaturas semanais do livro ponto junto à Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), uma das poucas medidas de fiscalização a estes detentos quando não há tornozeleira eletrônica disponível. A medida tem o intuito de reduzir a circulação neste período de restrições. Hoje, 434 detentos são monitorados eletronicamente na Serra.
MP aponta 3,4 mil presos soltos no Rio Grande do Sul
Na semana passada, um relatório do Ministério Público apontou que, temerosos de que a pandemia faça vítimas no sistema prisional, juízes do Rio Grande do Sul mandaram soltar 3,4 mil presos — o que corresponde a 8,2% do total de 42 mil pessoas enquadradas no sistema penitenciário na ocasião. As decisões ocorreram durante a primeira semana de medidas contra o coronavírus no estado. O coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP, promotor Luciano Vaccaro, salienta que a libertação maciça de presos tem ocorrido em todo o país em obediência à recomendação do CNJ.
O Tribunal de Justiça (TJ) admite que 1.878 presos foram libertados como precaução para evitar a pandemia. As decisões ocorreram entre 18 e 27 de março e correspondem a 4,47% das pessoas encarceradas antes desse período. O TJ diz que sua pesquisa se embasa nas decisões de magistrados que justificaram expressamente solturas com base na recomendação nº 62 do CNJ. Já o Ministério Público se embasou na liberação maciça de presos após o advento da pandemia, mesmo que não tenham citado expressamente a recomendação.
A corregedora-geral da Justiça, desembargadora Vanderlei Terezinha Kubiak, reitera que os magistrados estão analisando a questão da soltura de presos, caso a caso. Levam em consideração não somente a situação individual, mas observam critérios como saldo de pena e periculosidade. Garantem, assim, as condições de saúde do preso e também a garantia da segurança da coletividade.
DETENTOS EM PRISÃO DOMICILIAR POR CONTA DO RISCO DA COVID-19
Bento Gonçalves: 59
Canela: 13
Caxias do Sul: 86
Guaporé: 6
Nova Prata: 15
São Francisco de Paula: 0
Vacaria: 38
* Na Serra, também tiveram outros nove apenados que tiveram restabelecido o regime semiaberto. Esses tiveram alguma irregularidade durante o cumprimento da pena e aguardavam há seis meses por julgamento da falta. A demora aconteceu por fatores como a digitalização dos processos, implantação de novo sistema e até a greve dos servidores.