Quando veio morar na zona rural de Caxias do Sul, há cerca de sete anos, o pelotense Marco Gottinari iniciou um processo de troca muito íntimo com a terra, já que trabalha com agricultura ecológica. Nada mais natural que também da terra e do contato com a natureza brotasse a inspiração para suas canções. Xondaro, álbum que ele disponibiliza nesta sexta (8) nas plataformas digitais, foi maturado após esta mudança para a Serra, ou seja, traz impressa em letras e sensações muito dessa vivência de Gottinari em solo caxiense.
– Minha inspiração vem exatamente do momento em que eu estou dentro da floresta, trabalhando na roça, num processo de meditação, meditar em ação, como eu gosto de dizer – diz.
O álbum possui oito músicas, que passeiam por ritmos que vão do samba ao rock, da MPB ao nativismo. Mas Xondaro, na verdade, foi pensado para ser uma unidade, tanto que o disco físico (com lançamento previsto para a próxima primavera) terá uma faixa única.
– É recomendado que, pelo menos uma vez, as pessoas escutem o disco na íntegra. Vai fazer tu transitar por várias sensações diferentes com o teu emocional. Todas faixas são interligadas levando à próxima – aponta Gottinari.
Muito desse clima do disco foi pensado ao lado do parceiro musical Rodrigo Garcia – cuidador da obra de Cássia Eller que assinou três álbuns da cantora. O amigo ficou conhecendo o som de Gottinari por acaso, no Rio de Janeiro, por intermédio de outro conhecido do músico. Desde então, os dois têm trabalhado juntos. Garcia, inclusive, ficou um mês no sítio de Gottinari em Caxias, trabalhando na mixagem do trabalho. Xondaro conta ainda com a participação de Chico Chico, filho de Cássia Eller que emprestou vocais a uma das faixas. Outro fruto dessa conexão é o lançamento de disco de Gottinari pelo selo Porangareté, idealizado por Cássia para promover novos artistas no cenário musical. Também presença ilustre no disco é o flautista Marcelo Bernardes, que integra a banda de Chico Buarque.
– A sincronia vai trazendo as pessoas certas – afirma Gottinari.
Outra dessas pessoas certas que surgiu no horizonte do músico durante o processo criativo do disco foi um cacique da aldeia guarani Tekoa Porã, localizada em Tapes. Foi ele quem deu o nome ao álbum:
– Eu contei para ele que eu queria dizer, através do disco, que a terra estava chamando os seus filhos para que pudéssemos fazer algo em benefício do todo. Aí ele me falou que não somos filhos da terra, somos xondaros, os guardiões da terra. Os filhos são os outros elementos, árvores plantas, animais. Nós viemos para sermos os cuidadores disso tudo, para que com nossa capacidade de escolha pudéssemos orquestrar tudo isso de forma harmônica. Isso me tocou profundamente, entendi “é isso que preciso, é isso que o disco quer dizer”.
Da aldeia também vieram vozes que integram um coro infantil presente no disco, e para a aldeia devem voltar recursos da venda do disco físico, já que ele será confeccionado por meio da veia artesã dos índios. Como num ciclo que envolve amor, respeito e conexão com a terra, Xondaro também assume um papel importante frente ao cenário de pandemia enfrentado atualmente.
– As coisas são muito sincrônicas. Parei sete anos para exatamente neste momento esse disco chegar até nós. Tem músicas que vão te fazer refletir, questionar, outras vão te confortar. A importância é que a gente possa usar essa pausa que gaia (mãe-terra, na mitologia), a meu ver inteligentemente nos concedeu, para que possamos refletir sobre o caos que estamos causando ao planeta – sugere o músico.
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