Alívio foi o sentimento que tomou conta de Ana Paula da Rosa, 42 anos, enquanto ela ouvia o juiz federal proferir a decisão que lhe dava direito de se mudar para um apartamento térreo no loteamento popular Campos da Serra, em Caxias do Sul. Há quatro anos — dois deles com um processo tramitando na Justiça — a mãe de Arthur, 11, lutava para trocar de imóvel.
Em 2014, o menino foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne, doença degenerativa sem cura que se agrava até que a criança não consiga mais se locomover. Os dois viviam em um apartamento do Minha Casa Minha Vida no segundo andar, mas Arthur já não podia caminhar. Sem conseguir atravessar as escadas, o menino foi perdendo contato com mundo exterior.
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No dia 5 de dezembro, porém, tudo começou a mudar. O juiz federal José Ricardo Pereira, da 4ª Vara Federal de Caxias, decidiu que a Caixa Econômica Federal deveria disponibilizar à Ana Paula um imóvel no térreo que estava vago no mesmo loteamento, como resultado do processo iniciado pela mãe contra o banco e a prefeitura em 2016.
— Na hora em que o juiz deu a sentença, parece que saiu um peso. Não chorei porque ia ficar feio, mas foi quase. Daí passa um filme, né? De tanta coisa que eu passei com ele (Arthur) — relata a mãe.
A decisão, em caráter liminar, determinou prazo de 10 dias para que as chaves fossem entregues a Ana Paula. Na última sexta-feira (14), ela conversou com a reportagem já em endereço novo, finalizando a mudança.
— Já senti uma diferença enorme. É um condomínio muito bom — comemora.
Quando ela relatou a história de Arthur pela primeira vez ao Pioneiro, em outubro, as fotos destacavam o sofrimento da mãe e a dor do filho enquanto os dois tentavam vencer os muitos degraus de escada. Desta vez, foi o menino quem escolheu onde seriam as novas imagens.
— Lá fora! Para aparecer a frente do prédio — justificou, ansioso para aproveitar o espaço ao ar livre que já não tinha mais acesso.
No sábado (15), os dois viajaram para São Paulo. A ida anual para o Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e células-tronco (CEGH-CEL), ligado ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), é fundamental para o tratamento do menino. A passagem aérea é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e o restante das despesas foi custeada por meio de uma vaquinha virtual aberta pela mãe.
Com os dois objetivos cumpridos, Ana Paula e Arthur terminam o ano esperançosos, mas a mãe não têm ilusões quanto às dificuldades que seguirá enfrentando para garantir os direitos do filho com deficiência. O menino, provavelmente, seguirá tendo aulas em casa devido à dificuldade para entrar e sair da van escolar, que não comporta a cadeira de rodas. Ana Paula também acumula dívidas antigas que não pôde pagar com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de um salário mínimo (R$ 954) que recebe mensalmente. Como precisa cuidar do filho em tempo integral, ela não pode trabalhar.
Ainda assim, a vitória jurídica renovou as forças para superar os obstáculos vindouros.
— Eu sou muito grata a todos que me ajudaram. O principal, já foi — define.
Desfecho foi possível por acordo
O programa Minha Casa, Minha Vida prevê que 3% das unidades dos residenciais construídos devem ser reservadas para moradores com deficiência ou mobilidade reduzida, mas não há previsão legal para a troca de apartamento em caso de doença. Por isso, a alternativa para Ana Paula foi procurar a Justiça. O processo, no entanto, tramitava desde 2016 porque a Caixa insistia que não havia apartamentos vagos no Campos da Serra.
A moradora, por outro lado, dizia ter realizado uma busca e encontrado imóveis vazios, informação corroborada por outros moradores e até pela equipe da unidade básica de saúde (UBS) do bairro, que enviou ofício à 4ª Vara Federal. A partir dessas informações, o juiz intimou a Caixa a esclarecer a situação.
Em setembro, porém, o banco afirmou que mesmo que houvesse imóveis desocupados ou abandonados, eles seguiam, oficialmente, em nome dos beneficiários e não poderiam ser repassados a outra pessoa.
A Justiça Federal constatou, finalmente, que havia outro imóvel térreo desocupado no Campos da Serra VI e que o apartamento era alvo de outro processo, em que os réus (os contemplados originalmente com o apartamento) alegavam que nunca viveram ali e que vinham buscando desfazer o contrato de financiamento com a Caixa, sem sucesso.
O juiz federal José Ricardo Pereira, então, marcou audiências em sequência para os dois casos. Ali, foi acertada a troca do apartamento para Ana Paula, conforme explica o advogado da mãe, Juvenal Kleinowski.
— Havia outro processo em que um casal tinha sido sorteado pelo Minha Casa, Minha Vida, mas não quis morar lá. Foi feita a audiência, o casal não tinha interesse (no imóvel), a Caixa retomou e fez a troca. Não foi sentença, foi um acordo que todo mundo conseguiu. O município não tinha nada contra e a Caixa disse que não iria recorrer.
O processo, agora, segue tramitando. O juiz antecipou a decisão devido ao estado de saúde de Arthur, mas ainda é necessário formalizar os novos contratos para quitar quaisquer pendências em relação ao imóvel.