Se Beira-Mar, longa ficcional de estreia de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, tratava da descoberta do afeto por meio do olhar inocente da adolescência, o novo filme da dupla de realizadores gaúchos, Tinta Bruta, apresenta uma perspectiva muito mais dura sobre questões da vida adulta. Solidão, angústia, culpa, cobrança e intolerâncias cada vez menos veladas espreitam o personagem principal a cada cena. A aspereza do filme ao adentrar no universo de um jovem introspectivo e solitário, sobrevivendo a um contexto social que desafia sua existência a todos os momentos, torna Tinta Bruta um filme muito atual, conectado com questões sociais bem contemporâneas. Uma realidade brasileira que o longa levou para mais de 70 festivais mundo afora – em Berlim, abocanhou um Teddy Awards, mais importante prêmio do mundo dedicado a filmes com temática LGBT – e que nesta quarta (19) povoa sessão comentada em Bento Gonçalves.
– Quando a gente começou a trabalhar no Tinta, já estávamos muito atentos, a gente sentia o surgimento dessas forças conservadoras e intolerantes. É interessante que ele surge agora (a estreia nacional ocorreu na semana passada), quando as violências estão cada vez mais aparentes, as pessoas conseguem enxergar bastante do Brasil ali na tela – reflete Filipe Matzembacher, que comandará o debate sobre o filme ao lado de Marcio Reolon.
Tinta Bruta acompanha a história de Pedro (vivido pelo estreante Shico Menegat), que largou a faculdade após uma acusação de agressão e ganha dinheiro apresentando performances eróticas na internet, nas quais pinta o corpo com tinta neon. Quando começa a perder público na internet, Pedro descobre que há um outro jovem copiando o diferencial de suas performances, Leo (Bruno Fernandes). A relação entre os dois apresenta uma espécie de redenção ao personagem, um encontro inesperado com o afeto.
Shico foi descoberto pela dupla de diretores quando discotecava numa festa e chamou atenção por carregar a intensidade no olhar que eles procuravam desde o início. Sem nunca ter tido uma experiência como ator, ele passou por um processo de preparação que envolveu ensaios durante sete meses antes das gravações. Como Pedro, Schico lidou com cenas que envolviam sexo e nudez, e emprestou ao personagem o misto de fragilidade e força que os diretores queriam.
– Acho que a essência, nosso olhar para o cinema, é criar personagem e trabalhar com ator. Foi um processo muito bonito do Schico, de buscar essa energia, essa intensidade nesse processo. Os dois (Shico e Bruno) se doaram muito e todo o trabalho deles está impresso na tela – aponta Filipe.
Filmado numa Porto Alegre que parece engolir o protagonista com a palidez de seus altos prédios, Tinta Bruta não traz cores somente nas performances online de Pedro. Fica a sensação de que são os encontros que colorem a vida, e nos fazem querer dançar em meio ao caos, que convenhamos, sempre vai existir.
– O Pedro tem uma jornada muito interna, mas ele está inserido em conflitos muito relacionados ao externo, à sociedade, às violências que ele sofre. Acho que tem dois pontos que ele percebe nessa jornada, um deles relacionado à resistência, acaba sendo um filme sobre seguir lutando, seguir nas ruas e se mostrando presente; e a segunda é a importância do outro, o Pedro se abre para a importância dessas teias de afeto, entende que para a gente existir, a gente precisa estar em grupo, estar junto – defende o diretor.
Veja o trailer:
Programe-se:
:: O quê: sessão comentada do filme Tinta Bruta, com a presença dos diretores Filipe Matzembacher e Marcio Reolon.
:: Quando: nesta quarta (19), às 20h.
:: Onde: no Movie Arte Cinemas do Shopping L’América (Rua 13 De Maio, 877).
:: Quanto: R$ 15. Crianças de até 12 anos e idosos acima de 60 anos pagam meia.