Entre agosto e setembro, o Pioneiro publicou uma série de reportagens sobre as prioridades elencadas por lideranças dos mais diversos setores para desenvolver o Nordeste gaúcho. São mais de 80 projetos específicos e sugestões de investimentos que precisam estar na agenda do governador para alavancar a educação, a saúde, o desenvolvimento, a segurança e a infraestrutura da Serra. A próxima gestão do Palácio do Piratini não precisará desembolsar recursos astronômicos para atender parte dos anseios dos mais de 1 milhão de moradores da região.
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Diminuir as diferenças entre escolas da rede estadual é dever do próximo governo do Estado
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Mais 260 PMs e 50 policiais civis seriam suficientes para amenizar o baixo efetivo na Serra
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Dinheiro público é necessário, obviamente, mas as lideranças das 64 cidades entendem que o grande diferencial será contar com um governo preparado para desenvolver ou iniciar projetos elencados pela própria sociedade. O que a Serra não precisa para os próximos quatro anos é de uma gestão que dedique tempo e esforço para diagnosticar o que empresários, trabalhadores, acadêmicos e outros representantes da comunidade já sabem há muito tempo.
Na visão da comunidade, algumas ideias são práticas, exigem apenas a intervenção direta do governo do Estado, caso da reestruturação da segurança e da educação. Outras envolvem o diálogo com a sociedade, negociações mais insistentes junto a municípios e ao governo federal e espaço para inovar e ousar no desenvolvimento da saúde e dos setores que geram renda e emprego. Muitos projetos de infraestrutura e logística só devem deslanchar com a recuperação do quadro econômico no Brasil, reconhecem autoridades locais, mas é necessário que o Palácio do Piratini sinalize ao menos boa vontade para não engavetar as sugestões de investimento.
Nesta reportagem, foram selecionadas as principais prioridades entre os mais de 80 projetos e sugestões indicados pelas lideranças na série A Serra Precisa. O material completo, que conta com a opinião de 60 vozes diferentes da região, está no site do Pioneiro, que também traz as propostas dos candidatos ao governo do Estado.
>> EDUCAÇÃO
# Cabe ao futuro governo traçar uma estratégia intersetorial de valorização à escola, com a ampliação de turno integral, modernização de laboratórios, manutenção de prédios, motivação e qualificação do corpo docente e programas de incentivo às atividades multidisciplinares, entre outros, para atrair e manter o estudante em sala e qualificar a educação básica. Por outro lado, escolas desenvolvem ações para reverter a evasão escolar, mas são atitudes isoladas que não seguem um padrão coordenado em rede, o que precisa ser corrigido pelo futuro governo.
# A principal desmotivação dos professores estaduais é salarial. A equiparação do vencimento básico com o piso nacional referido pelo Ministério da Educação, que vigora desde 2008, é uma das reivindicações. Hoje, o piso nacional é de R$ 2.455,35 para 40 horas semanais. Atualmente, o Estado repassa R$ 1.260,16 para um professor que exerce jornada de 40 horas semanais (salário básico inicial) e complementa a diferença que falta em relação ao piso nacional, mas sem incorporar ao vencimento básico. O governo também precisa deixar claro como tratará o plano de carreira dos docentes.
# A retomada de concursos públicos para preencher o quadro de professores é visto como saída para qualificar o ensino básico. Há 20 anos, a maioria dos docentes da rede estadual era de concursados. Essa proporção caiu drasticamente e hoje quase metade dos docentes em sala de aula é temporária, sem vínculo direto com o Estado. Na Serra, dos 5.147 professores em atividade, 41% deles (ou 2.116 profissionais) possuem contratos por um período específico, geralmente de um ano.
# Ampliar a oferta de vagas para as séries iniciais em escolas públicas de acordo com a população de cada região da zona urbana de Caxias do Sul, município com maior problema de acesso ao ensino básico da Serra, é um dever da próxima gestão. A última escola estadual inaugurada em Caxias foi em 2012. Hoje, o foco seria atender demandas da zona sul da cidade, região onde duas centenas e meia de jovens não puderam ser matriculados por falta de vagas perto de casa neste ano, segundo o Ministério Público. Outro desafio é reverter o fechamento do turno da noite na rede.
>> SAÚDE
# A descentralização dos atendimentos hospitalares e especialidades deve pautar a agenda do próximo governo. Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Vacaria concentram diversos serviços que são ofertados em outras cidades. Como algumas instituições não possuem credenciamento no SUS, as prefeituras encaminham os pacientes para as cidades maiores. O resultado é a longa espera e a dificuldade de acesso ao SUS. Uma repactuação regional é vista como saída para esse problema, o que definiria também a missão dos hospitais de médio e pequeno porte.
# Duas obras precisam ser finalizadas ou ao menos iniciadas na próxima gestão. A principal demanda é concluir a ampliação de 136 leitos do Hospital Geral (HG), que também terá uma ala materno-infantil. São necessários R$ 10 milhões para terminar a construção do prédio, mas R$ 6 milhões seriam suficientes para abrir o serviço e iniciar o atendimento parcial para pacientes de 49 cidades da Serra. A construção do Hospital Público de Bento Gonçalves também está na lista de projetos.
# A volta do cofinanciamento para hospitais filantrópicos que atendem pelo SUS aliviaria a crise que afeta o setor. R$ 300 milhões deixaram de ser repassados por ano no RS. Há hospitais sob intervenção e outros com oferta de atendimento reduzida. Os municípios também exigem que o novo governo apresente um calendário de como pretende colocar em dias os repasses de recursos – seriam R$ 550 milhões em atraso, segundo o Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do RS. Caso contrário, os municípios não terão como manter ou ampliar serviços.
# Como referência regional, o Hospital Pompéia depende da criação de novos leitos de UTI e salas no bloco cirúrgico para desafogar a longa espera por cirurgias eletivas. Há pacientes que aguardam há mais de dois anos para uma operação que exige UTI. Como a prioridade desse tipo de leito é para casos graves e a operação eletiva é adiada, agravando o quadro de saúde do paciente. A transformação do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, em referência para alta complexidade nas áreas de traumato-ortopedia, cardiovascular e neurologia também é essencial.
SEGURANÇA
# O próximo governador só conseguirá dar mais segurança aos moradores da Serra se aumentar o efetivo da Polícia Civil, da Brigada Militar, da Susepe e do Instituto-Geral de Perícias (IGP). No caso das polícias, 20% a mais de servidores seria suficiente para impactar na região, o que significa a contratação de mais 260 PMs e 50 policiais civis. O IGP tem apenas cinco peritos criminais para atender 55 cidades e precisaria ter 50% a mais de servidores. Os 230 servidores da 7ª Delegacia Penitenciária são insuficientes atender para presídios em oito cidades.
# Contornar a crise do sistema prisional requer a ampliação dos presídios de Vacaria, Canela e Guaporé. A médio e longo prazo, é fundamental a construção de um novo presídio em Vacaria e da cadeia pública de Caxias do Sul. Outra demanda é a volta do semiaberto em Caxias, pois o prédio do Instituto Penal está interditado há mais de dois anos. O Estado precisa investir em uma central de monitoramento dos presos com tornozeleira e criar a Central de Alternativas Penais.
# A reestruturação das delegacias é fundamental. Isso inclui mais atenção aos plantões da Polícia Civil com a formação de equipes volantes para o início imediato de investigações logo após a ocorrência de um crime e o fortalecimento das Delegacias de Atendimento à Mulher com estrutura e pessoal. A segurança também exige a renovação de 25% da frota da BM e da Civil e inclusão de 13 novas viaturas na frota da 7ª Delegacia Regional Penitenciária, que atende presídios em oitos cidades. A administração deve viabilizar cursos de formação em gestão para policiais civis e militares.
# Sem tecnologia, não há maneiras de reduzir a criminalidade e a impunidade. Dentro deste contexto, o projeto de cercamento eletrônico dos municípios por meio do videomonitoramento inteligente tem que ser mantido e incentivado. Além disso, a informatização total da BM, com a implantação de GPS em viaturas e registro online de ocorrências, e a especialização das perícias na Serra, com a abertura de um laboratório com abrangência regional que acabe com a dependência do trabalho realizado em Porto Alegre, são tarefas para os próximos anos.
>> DESENVOLVIMENTO
# A criação de parques de tecnologia e inovação depende de incentivos do Estado. O Corede sugere a criação do Programa de Inovação (Prinova) para estimular a inovação e a competitividade das empresas sustentadas em modelos tradicionais de negócio na região. O fortalecimento do Parque de Ciência, Tecnologia e Inovação (TecnoUCS) é outra ponta que serviria para atrair empresas nacionais e de outros países com foco em tecnologia, visando a inovação e a diversificação do mercado produtivo, como forma de gerar empregos e renda.
# A região exige um plano sólido para o turismo regional, reconhecendo setores como enoturismo, religioso, compras, eventos, negócios e de esporte de aventura. Para os empresários, o investimento em cursos profissionalizantes em larga escala dos trabalhadores que atuam no atendimento ao turista é outra demanda. Por outro lado, o governo precisa liderar e ser parceiro do fortalecimento de rotas tradicionais e de outros segmentos em crescimento como a Rota Termas e Longevidade (região de Veranópolis) e da reestruturação do Observatório de Turismo da Serra Gaúcha.
# Não há linhas de crédito para micro e pequenos empreendedores, segundo a Microempa. O próximo governo gaúcho pode liderar a criação de um programa próprio, negociar com outras instituições para abrir financiamentos na faixa de R$ 5 mil a R$ 10 mil para o estímulo do pequeno negócio como formar de gerar renda e emprego. Somente em Caxias do Sul, são mais de 50 mil empresas, sendo que 98% desse total são representados por micros e pequenas empresas.
# Outra ação é a exclusão do regime de Substituição Tributária (ST-ICMS). O modelo de cobrança de imposto onera a indústria vitivinícola da Serra, que antecipa todo o ICMS gerado pelos segmentos posteriores de comercialização. Na visão do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), a medida não significa a redução de arrecadação e ajudará no aumento da receita com a retomada da forma tradicional de pagamento do ICMS a cada operação. Com isso, haveria menos burocracia na venda de vinhos e menor custos de produção e de comercialização.
>> INFRAESTRUTURA
# Quase toda a malha viária na Serra requer duplicação e melhorias para facilitar a logística das empresas, estimular o turismo e atrair investimentos da iniciativa privada para a região. As únicas estradas duplicadas são a ERS-122, entre Caxias e Farroupilha, e a BR-116, no trecho urbano de Caxias do Sul. Na lista de trechos que poderiam receber atenção do Estado estão rodovias como a ERS-020 (região de São Francisco de Paula), a ERS-122 (entre Flores da Cunha e Campestre da Serra) e a RSC-453 (entre Farroupilha e Garibaldi e entre a Serra e o Litoral Norte), entre outras.
# É consenso entre as lideranças que a infraestrutura na Serra só vai avançar quando o Estado definir o modelo de investimento que cada rodovia terá a partir do papel que elas desempenham na logística regional. Quanto maior o fluxo médio de veículos na estrada, mais viável se torna a concessão, em que todas as obras de manutenção e ampliação são pagas com recursos arrecadados em pedágios. As outras possibilidades são a parceria público-privada, em que Estado e concessionária dividem a responsabilidade, e o investimento direto com recursos públicos do governo, hoje incapacitado para o endividamento.
# Os Campos de Cima da Serra e a Região das Hortênsias reivindicam investimentos no modal aéreo em Vacaria e Canela, respectivamente. No entanto, o Aeroporto de Vila Oliva, em Caxias do Sul, tem a tramitação mais adiantada. O principal impasse a ser superado atualmente para viabilizar o terminal é a desapropriação da área, que vai custar R$ 20 milhões e foi prometida pelo Estado em 2014. Para liberar os recursos, o Estado aguarda a melhora no cenário econômico, além de um estudo de impacto ambiental.
# A outra ponta da infraestrutura é o modal ferroviário. A única ferrovia em operação passa por cidades como Ipê e Vacaria, sem fazer paradas, e segue para Lages (SC). Para baratear o custo logístico, se estuda a criação de um terminal em Vacaria ou a implantação de um ramal ligando o município de Colinas, no Vale do Taquari, a Caxias do Sul. O primeiro passo é encontrar um consenso sobre a viabilidade do transporte tanto para cargas quanto para passageiros. A atual concessão ferroviária, que termina em 2020 e o Estado precisa exigir à União a garantia investimentos para a futura concessionária.