Quando soube que havia sido selecionada pelo programa Minha Casa Minha Vida, Ana Paula da Rosa, 42 anos, mal podia conter a animação. Finalmente, conseguiria financiar um imóvel próprio, um apartamento no residencial Campos da Serra, em Caxias do Sul. Não era a casa popular que ela esperava quando entrou na fila de espera por habitação, mas finalmente tinha "algo seu".
Sete anos depois, porém, o sentimento se transformou em desesperança.
— Eu estou descrente. Nem gosto de ficar mais aqui — relata.
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Em 2014, Arthur, filho de Ana Paula, hoje com 11 anos, foi diagnosticado com distrofia muscular de Duchenne. A doença degenerativa se agrava até que a criança não consiga mais se locomover e não tem cura. Arthur já não caminha mais sozinho. Consegue apenas dar um ou outro passo com a ajuda da mãe. Ajuda que, conforme o menino cresce, fica cada vez mais difícil, segundo Ana Paula. E o apartamento no segundo piso, antes motivo de tanta alegria, na prática está se tornando uma prisão.
– Tenho de descer as escadas com ele, depois com a cadeira de rodas. Está estragando a nossa vida – relata a mãe.
Desde que Arthur foi diagnosticado com a doença, Ana Paula busca maneiras de trocar seu apartamento por uma unidade no térreo. O Minha Casa Minha Vida prevê que 3% das unidades dos residenciais devem ser reservadas para moradores com deficiência ou mobilidade reduzida. No entanto, não há previsão legal para a troca de apartamento, conforme Juvenal Kleinowski, advogado de Ana Paula.
– Ela procurou a Secretaria de Habitação, que reconheceu que seria o caso de troca, mas não existe essa previsão na lei. Somente em caso de violência doméstica, se a pessoa foi testemunha de um crime ou se invadiram o apartamento. Infelizmente, a lei foi malfeita.
Na Justiça
Em 2016, Ana Paula foi orientada a entrar na Justiça. O caso tramita na 4ª Vara Federal de Caxias do Sul, já que a Caixa Econômica Federal é ré na ação, além do próprio município. Na última movimentação da ação, a equipe da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Campos da Serra encaminhou ofício reiterando a gravidade do caso de Arthur e apontando que, conforme o relato de moradores, há apartamentos térreos vazios. A própria Ana Paula diz ter realizado uma pesquisa e atestado o mesmo, além de imóveis invadidos.
A partir dessas informações, a juíza substituta Silvana Conzatti intimou a Caixa a esclarecer a situação. Em setembro, porém, o banco afirmou que mesmo que haja imóveis desocupados ou abandonados, eles seguem, oficialmente, em nome dos beneficiários e não podem ser repassados a outra pessoa. A Caixa afirma também que o tratamento de casos de ocupação irregular de apartamentos segue legislação própria, com “tramites morosos e sem a eficácia necessária, o que impede a imediata retomada do imóvel".
A demora desespera Ana Paula:
– Eu não tenho ajuda de ninguém, estou tendo de colocar o Arthur sentado e erguer degrau por degrau para depois arrastá-lo até o sofá, para ter forças de erguer de novo. Está um descaso muito grande. Esperei tanto tempo, desde o diagnóstico, em 2014. E só vai protelando, mais dois anos para a Justiça, e agora mais quanto? – reclama.
Acessibilidade zero
Quando Arthur começou a ter dificuldades para se movimentar, as barreiras impostas pelo ambiente ficaram imediatamente visíveis. Ana Paula, que trabalhava como vigilante e tem curso técnico em Radiologia, teve de se dedicar ao cuidado integral do filho. Para isso, recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de um salário mínimo (R$ 954) e vê as contas se acumularem.
A ida à escola se tornou impossível: Ana Paula não consegue mais vencer as escadas para levar Arthur até a parada da van que o transporta às aulas. O menino está recebendo orientações de professores uma vez por semana para completar o 6º ano do Ensino Fundamental. Para evitar quedas, Arthur quase não sai de casa:
– Ele está deixando de ter lazer e de viver em sociedade para não ter risco de se machucar, o que aceleraria a doença.
A mãe também teve que desistir das sessões de fisioterapia, que eram realizadas em clínicas que prestam serviço ao município. Por não conseguir vencer o caminho até os locais, Arthur está sem os 40 minutos semanais de exercício prescritos como tratamento. Para realização de exames, foram três vezes em filas de madrugada para disputar as fichas na UBS até conseguir que a coleta passasse a ser domiciliar.
Sempre que precisa realmente sair, ela tem de segurar Arthur e conduzi-lo até a escada. O menino se apoia como pode. Ali, eles avançam aos poucos: no início, Arthur consegue se equilibrar no corrimão e dar pequenos passos. Depois, as pernas cedem e ele precisa sentar e se arrastar com os braços, degrau por degrau. Cada movimento demanda um esforço tremendo, agravado pelo medo de cair.
– Outro dia, ele caiu em um momento em que eu fui até o mercado. Eu voltei e o encontrei desesperado, tentando ir no banheiro. Ele cada vez mais se questiona a razão de isso acontecer com ele – lamenta Ana Paula.
Projeto Genoma
A esperança de Ana Paula são as visitas anuais ao Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e células-tronco (CEGH-CEL), ligado ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). Lá, exames genéticos identificaram o subtipo da doença de Arthur e médicos indicaram o tratamento mais adequado.
O Sistema Único de Saúde (SUS) custeia a passagem até São Paulo, mas não outras despesas de viagem. A próxima ida está marcada para dezembro, mas vai ser a primeira vez que a locomoção terá de ser feita com cadeira de rodas. E a mãe não sabe como fará para arcar com alojamento e transporte por lá.
Enquanto Ana Paula relata a situação, Arthur assiste televisão, às vezes desviando o olhar para a conversa. Numa das raras intervenções, questiona:
– Eu vou aparecer no jornal? Tem vídeo?
Desta vez, só foto. Mesmo assim, ele decide deixar um recado a quem quiser ouvir:
– Por favor, resolvam o meu problema.
Para ajudar
Ana Paula esta tentando organizar uma vaquinha virtual custear a viagem para São Paulo. Por enquanto, interessados em ajudá-la podem entrar em contato pelo telefone (54) 99155-4069.
CONTRAPONTO
Ao Pioneiro, a Caixa se limitou a repetir a resposta dada à Justiça, esclarecendo que no momento não há nenhuma ação de reintegração de posse em tramitação no loteamento. Confira a nota na íntegra:
A Caixa informa que não há unidades térreas disponíveis nos Residenciais Campos da Serra. Os imóveis que foram desocupados ou abandonados pelos beneficiários possuem contrato registrado junto ao Cartório de Registro de Imóveis, não sendo mais de propriedade do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial, que provê recursos ao Minha Casa Minha Vida). Nestes casos, as unidades habitacionais estão alienadas para um beneficiário previamente indicado e, por isso, não é possível indicar nova família para ocupação ou troca de UH (unidade habitacional).