Apesar dos números desanimadores, nem tudo é negativo no combate ao Alzheimer. Cada vez mais entidades participam de campanhas e fortalecem ações de suporte para quem vive com o Alzheimer. Em Caxias, a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz) mantém, há 10 anos, grupos de apoio para familiares que assumem o cuidado dos portadores da doença. A perda da memória ocasionada pela condição, afinal, acaba sendo traumática para as pessoas próximas do paciente.
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— A partir do diagnóstico ou da suspeita da doença, as famílias se desorganizam. A aceitação da doença em si e o manejo dela é o mais difícil. Ocorre uma inversão de papéis, eu cuido da minha mãe, cuido do meu pai, e esse é o processo mais doloroso pelo qual a família passa — explica a psicanalista e enfermeira Silvana Lamers, que preside a entidade no município.
A necessidade de ajuda aos familiares de pessoas com Alzheimer foi percebida por ela durante a atuação profissional. Por isso, Silvana e uma colega psicóloga decidiram trazer as ações da ABRAz para a cidade. Hoje, elas conduzem grupos de apoio socioeducativos destinados a pessoas e instituições com orientações práticas sobre o cuidado de idosos dependentes, e grupos psicosocioeducativos destinados exclusivamente ao apoio de quem cuida do portador da doença.
— Há 10 anos, não se tinha tanta informação assim. As pessoas tinham uma dificuldade grande no manejo, elas recebiam o diagnóstico e era uma catástrofe familiar. O mais importante, que eu acho que conseguimos, é passar a ideia de existem outras pessoas passando por isso também. É uma doença, é difícil, mas a gente pode passar por isso de forma mais leve, mais amorosa, com mais bom humor — avalia.
Hoje, ela estima que a entidade receba de 15 a 20 contatos por telefone por semana. São pessoas em busca de orientações que acabam aprendendo que o diagnóstico não é o fim do mundo. Ela comemora a evolução ocorrida no período, tanto das pessoas atendidas pela ABRAz quanto da estrutura de saúde oferecida na cidade.
— Há cinco, seis anos, nós ouvíamos muito as famílias chorando ainda, porque os profissionais também não tinham a sensibilidade de entender o quão impactante era receber esse diagnóstico, ou ter um diagnóstico diferenciado. Não se prescrevia nem medicação, hoje os médicos estão muito mais sensibilizadas na questão da família, que é uma doença longa, que vai durar 10, 12 anos. Eu diria que, em Caxias, a gente avançou 50 anos em 10.
Cuidar da mãe fez Jaqueline dar valor às pequenas coisas
Faz três anos que Jaqueline Cassol, 47, decidiu largar o emprego e mudar radicalmente a rotina para se dedicar ao cuidado em tempo integral da mãe. Faz três anos que Maria Luiza, 86, foi diagnosticada com Alzheimer. De acordo com Jaqueline, tudo aconteceu de forma muito rápida: depois da descoberta, motivada por esquecimentos ocasionais, a mãe teve uma queda que acelerou a evolução da doença.
— Hoje, tem dias que ela volta a ser aquela mãe sorridente, querida, em outros já não sabe quem eu sou. Mas eu nunca tive dúvida de que ia a cuidar dela. Quando eu vi que não tinha conhecimento e deixava a desejar em certos cuidados, eu fui em busca — lembra.
No contato com a ABRAz, ela aprendeu que só poderia atender a mãe depois de estar em paz consigo mesma.
— A minha energia tem que estar boa para cuidar dela. Eu também tenho uma filha de sete anos que precisa de mim. Então, eu não tenho o direito de dizer, "hoje eu quero ficar sozinha num quarto escuro e não ver ninguém". Eu tenho que dizer bom dia e sorrir. Esse carinho, esse sorriso que tu dá para uma pessoa com Alzheimer faz toda a diferença, elas ficam muito mais calmas, mais confiantes, e o cotidiano se torna muito mais suave — explica.
A adaptação à nova rotina foi gradual. Jaqueline estava acostumada a trabalhar e ganhar o próprio dinheiro e teve que assumir o papel de cozinhar, lavar e passar.
— Foi um processo, um dia após o outro. Teve noites que eu não dormi pensando no que aconteceria. Agora, já estou aprendendo, tenho até aulas com nutricionista para que ela tenha uma boa alimentação. Estou sempre tentando que ela tenha a melhor qualidade de vida — conta.
O caminho foi difícil, mas trouxe recompensas inesperadas: hoje, Jaqueline se vê valorizando cada momento que passa com a mãe.
— Eu parei a minha vida para cuidar da minha mãe. Ela foi uma pessoa maravilhosa, tudo o que eu faço por ela é merecido. Ela não entende muitas coisas, mas a consciência da Maria Luiza está lá no fundinho, e ela sente aquela confiança em mim e o amor e dedicação de todos os dias. Antes, eu dava valor para outras coisas, hoje eu vejo que sou uma pessoa melhor, tenho mais empatia. Amar, quando a pessoa está bem é muito fácil, mas é nesses desafios da doença que a gente sabe o verdadeiro valor do amor — acredita.
Do contato com o Alzheimer, ela acabou tirando uma lição fundamental: a de não perder tempo de dizer o que importa para as pessoas que importam.
— Eu não canso de dizer todos os dias para ela, "mãe, muito obrigada por ter me amado, muito obrigado por tudo". Porque é nesses momentos que eu tenho que dizer isso. Não é na sepultura que a gente vai fazer projetos, ter todo aquele cuidado, carinho. Se eu tivesse que dizer algo para alguém, é: não pense que tu estás perdendo tempo, tu estás ganhando muito. Para estar ao lado da pessoa e dar amor para ela — conclui.