Em visita guiada ao complexo da antiga Metalúrgica Abramo Eberle S.A. (Maesa), nesta segunda-feira pela manhã em Caxias do Sul, duas constatações ficaram evidentes a representantes de entidades comunitárias, culturais e vereadores que integraram a comitiva: a degradação estrutural do imóvel e as interferências negativas da metalúrgica Voges, que ainda ocupa parte do prédio.
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Apesar de haver prazo estipulado para saída completa da empresa até o dia 31 de julho, o movimento não estaria ocorrendo da forma esperada. O poder público já manifesta preocupação com a falta de viabilidade de entrega do restante da estrutura ao município e acionou judicialmente a Voges.
— Ela não está cumprindo o termo de ajustamento de conduta (TAC) assinado, que previa também o pagamento de aluguel. Eles (a empresa) provavelmente não vão sair até essa data. E os aluguéis não estão sendo pagos — denunciou o secretário municipal da Cultura, Joelmir da Silva Neto, que coordenou a visita à Maesa.
As condições deixadas pela empresa em alguns pavilhões surpreenderam a comitiva. Em um dos prédios, por exemplo, montanhas de fuligem industrial obstruem qualquer acesso à área interna. Em pontos da área externa, o acúmulo do pó preto forma um lodo no piso em dias de chuva. Além disso, espaços que a empresa já teria de ter entregue ao poder público estariam ainda sofrendo intervenções ou, até mesmo, sendo descaracterizados.
Segundo o secretário, a utilização do complexo por parte da empresa também dificulta o planejamento da futura ocupação.
— Estamos fazendo um levantamento geral da estrutura para darmos andamento ao projeto. Se a empresa não sair, (o projeto) vai ficar incompleto — afirma.
Joelmir Neto afirma que a Voges já foi questionada sobre o acúmulo do material. A empresa teria apresentado laudos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) atestando que a substância não seria nociva. Entretanto, conforme o secretário, em dias de clima seco a própria respiração na área ficaria dificultada em razão do ar poluído vindo da área de produção.
Presente na visita, o presidente da Associação dos Moradores do bairro Exposição, Lucas Diel, reclamou das condições deixadas pela empresa e afirmou preocupação com a própria saúde da comunidade:
— Foi interessante ter essa oportunidade de enxergar o lado de dentro da Maesa. Mas me preocupou essa questão do material despejado pela Voges. Eu já tinha recebido reclamações de moradores próximos e que têm as casas invadidas por fuligem e um forte cheiro. Algo precisa ser feito com relação a isso.
Representante do Conselho Municipal de Política Cultural na comissão de ocupação da Maesa, Claudio Troian, reforça que o laudo da Fepam tem de ser contestado:
— Aquele lixão despejado num dos blocos precisa ser removido, é uma questão que afeta a insalubridade das pessoas que moram nos arredores ou trabalham aqui. Nossos vereadores poderiam se articular junto à Assembleia Legislativa e cobrar do Estado.
A Procuradoria-Geral do Município (PGM) confirmou ontem que a Voges não cumpre com o acordo de pagamento de aluguel há oito meses. A ação ajuizada contra a Metalcorte Fundição Ltda, e o diretor Oswaldo Voges, está relacionada tanto ao descumprimento do cronograma de desocupação da área da Maesa quanto à falta de pagamento do aluguel do espaço, que não é quitado desde dezembro de 2017.
— A Voges precisa cumprir o termo que ela mesma firmou juridicamente. O imóvel é do município. (A empresa) tem histórico por não cumprir seus compromissos trabalhistas e não está cumprindo o termo com município — lembra o secretário Joelmir da Silva Neto.
Os aluguéis
De julho de 2017 a março de 2018, a empresa Voges concordou em pagar R$ 16 mil mensais de aluguel. De março a julho deste ano, a Voges terá de repassar de R$ 12 mil mensais ao município.
Chuva denunciou falhas
A chuva ocorrida durante a inspeção tornou evidentes as falhas da estrutura tombada. Praticamente todos os blocos apresentam buracos no telhado ou rupturas em calhas. Com isso, pontos de alagamento e vazamento de água ficaram muito visíveis.
— Preocupou-me a condição de total de abandono (do prédio). Tem pontos perigosíssimos, que podem gerar contato da parte elétrica com a água da chuva e, quem sabe até, ocasionar um incêndio — denunciou a presidente do Conselho Municipal de Política Cultural, Maria Cecília Pozza.
— Observamos muitas calhas quebradas, muitas goteiras. Isso tudo está prejudicando a estrutura interna. Em muitos pontos, a ocupação da Voges prejudicou. E esse aluguel que a Voges não está pagando poderia ser investido no próprio prédio, em intervenções de manutenção e preventiva do ambiente — opinou o vereador e presidente da Comissão de Educação da Câmara, Paulo Périco (MDB).
Porém, de acordo com a presidente do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc), Maristela Guareschi, as reformas ainda não foram realizadas devido à complexidade dos processos burocráticos:
— Precisamos concluir o levantamento estrutural antes de apontarmos os pontos que precisam ser reformados. Não podemos fazer contratações emergenciais pois se trata de um bem público e qualquer intervenção precisa ser bem estudada.
Em áreas específicas, um grande volume de água jorra por buracos nos telhados e deteriora também, gradativamente, a própria estrutura de tijolos.
— O trâmite burocrático não justifica o descuido com a parte externa. Os reparos poderiam ser feitos enquanto não tem andamento o projeto — afirmou o vereador Rafael Bueno (PDT), integrante da Frente Parlamentar A Maesa é nossa, do Legislativo caxiense.
Um dos pontos dessa degradação na área externa é a iminente queda de uma marquise em uma das entradas do complexo pela Rua Plácido de Castro. O local, inclusive, está isolado com aviso de riscos de desabamento.
— As pessoas correm riscos porque precisam desviar pela rua, onde avançam os carros. É um problema que precisa ser reparado — observou Paulo Périco.
Vereadores cobram maior participação
Antes de iniciar a visita, alguns dos vereadores fizeram questionamentos aos representantes do poder público. Entre as cobranças, a suposta descaracterização da fachada onde houve a instalação da Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (Dipahc), a demora em ações de reparo e a negativa do pedido de maior participação da Câmara no debate sobre a ocupação. No entanto, parte das manifestações, de acordo com o secretário da Cultura, perderam efeito em razão do tom de cobrança excessivo.
— Há limites dentro do Executivo, há trâmites que você não coordena sozinho. Não há má vontade, são trâmites que têm de acontecer — justifica.
Sobre reclamação do vereador Rafael Bueno, sobre suposta negligência nos processos de restaurações, na qual citou a pintura da fachada da Dipahc, Neto explicou:
— A questão da fachada foi respondida pelo Ministério Público. Ela foi alterada no tempo que a Voges tinha loja. O que fizemos foi uma pintura em uma área que já havia sido descaracterizada.
Outra demanda reiterada foi a realização de audiência pública na própria parte interna do complexo da Maesa. Em relação a isso, o secretário informou que a questão precisa ser avaliada.
— Precisamos avaliar questões insalubres e de segurança, até pelas condições do imóvel. Precisamos ponderar, mas é válido, precisa abrir para a comunidade. Ver o prédio nessas condições é ruim, mas ver que a empresa permanece aqui e ver aquela fuligem, isso também é importante e os vereadores geralmente não falam isso na tribuna — pontuou.
Sem muitos avanços práticos
Por cerca de nove meses, os trabalhos da comissão responsável pela destinação do prédio da Maesa ficaram parados. As reuniões foram retomadas somente no mês passado. No entanto, segundo informou a arquiteta Maristela Guareschi, da Secretaria do Planejamento, os processos e discussões envolvendo a futura ocupação continuaram a acontecer internamente:
— Temos uma comissão que projeta os próximos passos. Porém, neste momento, dependemos bastante do levantamento detalhado da área. A questão da degradação já era esperada, tanto pelas condições deixadas pela empresa quanto pelo efeito do tempo em que o complexo está parado. É efeito de anos que antecedem, inclusive, o tombamento do imóvel.
No total, o complexo possui 53 mil metros quadrados. Desses, apenas 200 metros quadrados (menos de 1%) foram ocupados: no final de outubro, a Divisão de Proteção ao Patrimônio Histórico e Cultural (DIPAHC) e a Guarda Municipal, com um posto de monitoramento 24 horas, passaram a utilizar duas salas de um dos prédios. Desde então, não houve avanços. A complexidade do processo de ocupação é reconhecido pelo município. Ainda assim, o secretário da Cultura reitera que o projeto continua sendo bem estimado pelo poder público.
— Tem de ser realista. (A ocupação) vai demandar muito recurso e prazo. Que o projeto é importante, isso com certeza é. Se olhar pelo lado mais fácil, que é o que a maioria faz, com certeza diria que foi prejuízo para o município. Mas, se olharmos para todo o trabalho e o que isso pode trazer para o município futuramente, a médio e longo prazo, lá na frente vamos dizer que foi bom termos adquirido e passado por todo esse trabalho _ ressaltou.
Como próximo passo efetivo da ocupação, está prevista a revitalização de um dos blocos para eventual transferência da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social.
OUTRAS ETAPAS
Previstas para este ano:
::Definição sobre Plano Diretor da ocupação
A Comissão deve indicar se o plano mestre será elaborado pelo município ou se haverá um concurso nacional de arquitetos.
:: Conclusão de projeto e execução de transferência da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social para uma das alas do prédio.
O secretário de Planejamento, Fernando Mondadori, informou que a expectativa se mantém. A expectativa é de que as obras de adequação na área se iniciem ainda neste ano.