Ao dedicar sua vida para resgatar a história da Serra, Tânia Tonet se tornou parte dela. Na manhã desta segunda-feira, a pesquisadora, natural de Bento Gonçalves, morreu aos 69 anos após complicações decorrentes de um procedimento operatório. Ela estava internada há cerca de três semanas no Hospital Pompéia, em Caxias.
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Apesar da saúde fragilizada nos últimos meses, Tânia não deixou de manifestar o entusiasmo que tanto lhe foi característico. Mais chamativo de que sua risada robusta e contagiante foi, no entanto, o interesse que ela sempre demonstrou em desbravar a história da região.
Em Caxias, foi contemporânea da geração de pesquisadores que contribuíram para a valorização do resgate cultural da cidade. Trabalhou no Arquivo Histórico — defendendo ferrenhamente a preservação de seu prédio — e no Museu Municipal, locais que ajudou a ganhar notoriedade e arrecadar parte significativa do acervo até hoje existente.
Segundo o historiador Juventino Dal Bó, o trabalho desenvolvido entre as décadas de 1980 e 1990 se destaca como primordial para a expansão do acervo cultural de memória da cidade.
— Hoje existem fontes, bibliografias voltadas à museologia e preservação do patrimônio, enquanto nós íamos muito na intuição e pelo amor simplesmente. Ela sempre foi muito fascinada pelo tema e compartilhamos muito conhecimento — comenta.
Apesar da aptidão, Tânia não se formou em História, mas em Filosofia (depois, se especializou em Folclore e em História da América Latina). Contudo, o interesse pelo passado sempre foi inerente à sua vida. Admiradora de antiguidades, ela inclusive doava itens de sua coleção particular para compor os acervos do museu da cidade e do Arquivo Municipal.
— Na década de 1980, começamos a valorizar mais as fotografias como registros históricos. Ela incentivou muitas pessoas a valorizarem as próprias raízes por esses registros, mostrando que uma foto nunca é a história de só uma família e sim de um ambiente e de uma cidade — comenta Liliana Henrichs, que conviveu com Tânia por cerca de 12 anos.
Nascida em Bento, Tânia adotou Caxias para viver quando constituiu família. A cidade reconheceu sua contribuição: em 2016, ela recebeu o título de cidadã caxiense pela Câmara de Vereadores. Ontem, a prefeitura emitiu nota de pesar destacando a dedicação da pesquisadora para o desenvolvimento da cultura local.
Durante décadas, o olhar de Tânia esteve presente nas principais iniciativas de resgate da história da imigração italiana na cidade. Na Festa da Uva, evento pelo qual nutria carinho especial, garantiu que o traje das soberanas estivesse à altura da trajetória do evento. Participou também da recuperação a história do setor produtivo local com o livro Por Que Somos Como Somos, em que relatava experiências de empresários ao longo dos anos e, conforme o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (Simecs), Reomar Slaviero, preencheu uma lacuna no conhecimento do empreendedor da região.
Tânia também teve um pé no cinema ao atuar como consultora nas filmagens do filme O Quatrilho, que levou a Serra para o mundo. O escritor José Clemente Pozenato, autor da obra adaptada para o cinema, lembra da contribuição da pesquisadora para que a produção respeitasse as características culturais da região.
Colegas e amigos relembram a dedicação da pesquisadora
Foi ao Museu Municipal de Caxias, porém, que Tânia dedicou parte considerável de sua carreira e onde deixou marcas duradouras. Gilmar Marcílio, amigo e colega por 12 anos, incluindo os seis em que ela atuou como diretora do local, lembra da intensidade e da paixão que a pesquisadora levava para todos os projetos em que participava.
— Tudo o que ela fazia, fazia de maneira visceral — relata.
O sucesso e a sensibilidade da pesquisadora, para ele, vinham da concepção que Tânia tinha sobre o tempo.
— A formação dela, desde muito nova, deu a perspectiva de construir a vida através de um olhar pelo tempo. Então, ela aprendeu a relativizar tudo e dar a mesma importância para tudo. Se fica uma lição, é principalmente de que tudo importa, tudo conta — acredita.
Sob esse olhar, têm a mesma importância os grandes acontecimentos do passado e pequenos hábitos que sobrevivem ao tempo, como a dressa, a trança de palha de trigo que Tânia tanto gostava de observar.
— Com ela, aprendi a ser amoroso e um profissional que respeita tudo aquilo que está na nossa origem. Essa era uma palavra muito cara para ela. E também a curiosidade. São interesses que se mantiveram até o final — revela Marcílio.
Mais recentemente, Tânia deixou sua marca no Instituto Hércules Galló, em Galópolis, do qual participou da criação.
— A colaboração que ela deu foi fundamental para nos orientar e nos desafiar a fazer mais do que a gente imaginava — recorda o diretor do instituto, Renato Solio.
Em 2015, Tânia concebeu o Museu de Território de Galópolis, projeto ainda em andamento que busca expandir a valorização do patrimônio histórico para além das paredes do instituto e alcançar todo o bairro.
— Eu diria que precisaríamos de muitas "Tânias" para que essa cidade realmente passasse a valorizar o resgate da história, para o desenvolvimento da comunidade — acredita Solio, que também foi aluno da pesquisadora no Colégio Carmo, ainda na década de 1970.
Todo esse olhar para o passado, porém, tinha um objetivo claro, conforme Charles Tonet, filho da pesquisadora.
— Ela lutava por Caxias, para que Caxias valorizasse seu passado, e resgatasse seus valores, de modo a impulsionar para o futuro, fazer com que fosse uma cidade para frente, assumindo sua identidade cosmopolita. Ela tinha muito orgulho de Caxias e queria que fosse o melhor que pode ser. A minha mãe tinha muitas qualidades, mas, principalmente, era uma grande guerreira e lutava por aquilo que acreditava. Nunca conheci uma pessoa com tanta capacidade de trabalho — destaca.
Homenagem
Tânia está sendo velada na Capela E do Memorial São José, em Caxias do Sul. O sepultamento será realizado às 9h30min desta terça-feira no Cemitério Municipal de Farroupilha.