No momento em que estes profissionais estão sumindo do mercado, um pediatra será homenageado nesta quinta-feira na Câmara de Vereadores de Caxias. O cirurgião Carlos Gandara vai receber o título de Cidadão Caxiense pelos mais de 20 anos de serviços prestados à população da cidade.
Filho de imigrantes espanhóis, Gandara nasceu em Porto Alegre e se formou em medicina pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
— Sempre quis ser pediatra, mas no decorrer da faculdade fui vendo que gostava de cirurgia — lembra.
Já atuando como residente na Capital, foi convidado a trabalhar em Caxias do Sul, onde começou a atender nos hospitais Pompéia e Saúde, pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e na rede privada. Em 1994, a cidade tinha somente dois cirurgiões pediatras. Gandara logo conquistou seu espaço e construiu a afinidade com o município.
— Quando vim, me encantei por várias coisas, pelo tamanho da cidade, e a facilidade de trabalhar. Tinha muito trabalho. Quando tive que definir, decidi não sair mais — conta.
O grande passo na carreira veio em 2002, quando o médico recebeu uma proposta do Círculo Saúde. A operadora queria expandir um projeto filantrópico voltado ao atendimento infantil. Gandara sugeriu a criação de uma estrutura para a cirurgia de crianças com lábio leporino e com fenda palatina. Na época, os pacientes precisavam ir até São Paulo para realizar os procedimentos. Nascia o Pró-Face.
— A fissura palatina é a má formação congênita mais comum na espécie humana, há um caso em cada 600 pessoas. Em Caxias, nascem cerca de 7 mil crianças por ano. E a criança tem que fazer três ou quatro cirurgias para corrigir. Eu via ali uma área de trabalho e o Círculo topou — relata.
Nos últimos 16 anos, o programa cresceu e se consolidou: conseguiu convênio com o SUS e com a ONG internacional Smile Train. Hoje, faz cerca de 15 cirurgias e 50 consultas por mês, quase todas de graça. Em todo o período de funcionamento, contabiliza mais de mil pacientes cadastrados e 2 mil procedimentos realizados.
— O que a gente quer é que a criança tenha uma voz perfeita, que consiga ir para a escola numa boa, e tenha um aspecto facial bacana, sem ser estigmatizada. Não é só uma cirurgia, é dentista, otorrino, fonoaudiólogo, psicólogo, inclui muita coisa. Foi uma experiência de sucesso — comemora.
Desde então, o trabalho do médico o colocou à frente da criação do setor de cirurgia pediátrica do Hospital Geral, que hoje é referência na região para procedimentos diversos. No ano passado, Gandara se tornou também diretor técnico do Hospital da Unimed, com o objetivo de montar o setor materno-infantil, que deve ser inaugurado em janeiro de 2019.
As conquistas dão a sensação de dever cumprido, mas o pediatra sente falta dos dias em que seu trabalho se resumia a atender os pacientes da melhor forma possível.
— Hoje eu estou em cargos muito técnicos, burocráticos, mas eu gosto é de cuidar de gente doente. Isso foi o que sempre me norteou. Para a pediatria, tu tem que ter uma afinidade, uma paciência tremenda. Eu vi rápido que cuidar dá muito trabalho. Hoje, há certas especialidades que ou tu cuida bem, ou não dá. E o que se vê é que os novos médicos às vezes não estão mais dispostos, sem fazer julgamentos. Querem trabalhar como a maioria das profissões, com horário fixo. A regra para os médicos é, ou tu está (disponível) ou tu não está. Eu resolvi estar. Isso tem um custo para o teu dia a dia, mas eu topo — conclui.
O que é a fenda palatina?
É uma abertura no palato (céu da boca) que causa um espectro de problemas ao paciente, desde a dificuldade de engolir alimentos até problemas na fala, na dentição e na voz. Conforme Gandara, esse conjunto de dificuldades provoca um estigma social que acaba causando que portadores da condição tenham maior dificuldade de relacionamentos, na vida escolar e maior propensão à depressão.
Olhar diferenciado
Paralelamente à carreira profissional, Gandara se destacou em outra atividade que escolheu perseguir: a fotografia. A homenagem que receberá na Câmara de Vereadores inclui a abertura da exposição Cuidado Frágil, com imagens produzidas pelo pediatra durante os anos como cirurgião.
— Eu sempre tive a fotografia como hobby, aqui em Caxias sempre ando com a câmera. Quando a UCS abriu a primeira turma do curso de Fotografia, eu entrei — lembra.
Na graduação, acabou fazendo parte da geração que revitalizou o Clube do Fotógrafo de Caxias, do qual hoje é presidente. Gandara orgulha-se ao contar que, para este ano, ajudou a trazer a 30ª Bienal de Arte Fotográfica em Preto e Branco para Caxias. O evento será realizado em agosto e deve reunir mais de 3 mil imagens de todo o Brasil, que serão avaliadas por jurados "de primeira linha", na definição do médico.
Gandara conta que começou a tirar fotos das doenças de pacientes como modo de manter um registro e contribuir com o tratamento ao longo do tempo. Eventualmente, percebeu que ali também havia arte.
— Comecei a ver que tinha uma fotografia que só eu posso fazer, que é a fotografia dentro da sala de cirurgia. Então eu aproveitava aquele momento em que o anestesista estava começando para fotografar. As salas de cirurgia têm uma característica, a luz é muito intensa. Então, eu consigo fazer coisas bem dramáticas, sem a sala estar escura. Gostei muito dessa exposição, era uma coisa que eu queria há muito tempo mostrar — aponta.
É possível conferir as imagens do médico no legislativo caxiense até o dia 22 de junho.
Trabalho reconhecido
Carlos Gandara recebe o título de Cidadão Caxiense na sessão solene que começa às 19h. Para o médico, a homenagem é resultado de um trabalho que visou transformar a cidade em referência para cirurgia de crianças e mantém o atendimento a quem precisa.
— Nós acabamos com a saída de crianças de Caxias para os procedimentos — comemora.
Mesmo assim, ele diz que não esperava pela honraria e agradece a cidade pelo reconhecimento.
— Para mim, é muito legal isso. Eu não imaginava, quando recebi a noticia fiquei paralisado. Acho que Caxias me deu oportunidade de trabalhar muito e eu fico muito contente que a cidade me abraçou e eu consegui retribuir com esse trabalho. Fico muito triste, inclusive, quando as pessoas falam mal de Caxias. Aqui é fácil de viver. Até do frio eu gosto — brinca.