Um novo passo foi dado para que os alunos da rede pública de ensino de Caxias do Sul estudem em escolas mais perto de casa no ano que vem. Na última quinta-feira (26), a secretária municipal da Educação, Marina Matiello, e a titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (Cre), Janice Moraes, entregaram ao secretário estadual da Educação, Ronald Krummenauer, uma proposta para alterar o sistema de matrículas a partir de 2019.
A ideia é que, no momento da inscrição, a matrícula seja vinculada automaticamente ao endereço residencial dos alunos. Hoje, ao buscar vagas na Central de Matrículas, os pais podem dar o nome de três escolas preferenciais. No novo modelo, a família informaria o endereço de casa e o aluno seria automaticamente realocado para uma instituição próxima.
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A distância entre a escola e a casa dos alunos é, em muitos casos, impedimento para o estudo, que é obrigatório para crianças a partir de quatro anos. Passados mais de dois meses do início das aulas, ainda há estudantes de Caxias que não iniciaram o ano letivo porque as famílias não tem condições de levá-los e nem de pagar o transporte até a instituição de ensino.
A questão é alvo de apontamentos do Ministério Público (MP) desde 2015 e ganhou espaço no debate público após o desaparecimento e morte da menina Naiara Soares Gomes, sete anos, raptada no caminho para a escola em março deste ano.
Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), todos os alunos estudando a mais de dois quilômetros de onde vivem estão longe demais da escola e deveriam ter transporte gratuito garantido. O direito, porém, é sistematicamente ignorado pelo poder público devido à falta de vagas em algumas regiões e de verbas para a locomoção na área urbana.
Por isso, o cumprimento da distância máxima já foi descartado. A titular da 4ª Cre, Janice Moraes, reconhece que a única solução para resolver o problema de vez é a construção de novas escolas em regiões críticas como os bairros Desvio Rizzo, Esplanada e Forqueta. Mesmo assim, ela acredita que as mudanças previstas vão minimizar o transtorno no ano que vem.
— Estamos bem esperançosos de que, em 2019, a inscrição seja feita pelo endereço, e não mais por livre escolha. Fizemos um levantamento que constatou que sobram vagas em algumas áreas, tanto do município quanto do Estado. Então, tem algo mal distribuído — aponta Janice.
Além disso, a proposta da 4ª Cre e do município busca incluir as escolas de Educação Infantil no sistema unificado de matrículas, para evitar listas de espera duplicadas e otimizar a destinação de vagas.
— Procuramos alinhar bem a rede estadual e municipal, focando em que o nosso estudante é do município de Caxias. Então, cabe a toda a rede acomodá-lo, conforme a legislação — destaca.
O Pioneiro tentou contato com a Secretaria Estadual da Educação (Seduc), mas foi informado apenas de que as propostas estão em fase de análise pelo Departamento de Planejamento Governamental (Deplan). Janice, no entanto, espera que a questão esteja resolvida até o próximo período de matrículas, que geralmente ocorre em novembro.
— Foi tudo bem discutido com o secretário (da Educação). Ele concorda e deu bastante ênfase de que é inadmissível ter crianças fora da escola. Não marcamos nova data, mas creio que teremos tudo concluído antes do processo de matrículas, até para a gente ter todas as orientações postas.
Nathan terá nesta quarta seu primeiro dia de aula
Paralelamente ao trâmite estadual, o grupo de trabalho formado em Caxias pela prefeitura e a 4ª Cre seguirá se reunindo para tentar realocar todos os alunos que ainda estão com dificuldades para frequentar a escola neste ano. Segundo Janice, a Central de Matrículas trabalha em novo levantamento para ver onde pode acomodar mais estudantes.
O problema é complexo: há regiões que simplesmente não comportam mais alunos. A dificuldade de muitas famílias é exemplificada pelo caso do jovem Nathan Santos Ferras, 11 anos, que começará somente nesta quarta-feira (2) o ano letivo de 2018.
De acordo com a mãe de Nathan, Elizandra Ferras, 38, a família se mudou do São Caetano para o Serrano e, em janeiro, pediu a transferência para uma escola no bairro. Nathan acabou sendo designado para a Escola Estadual Victório Webber. Em tese, o estabelecimento é próximo: fica a cerca de um quilômetro da casa da família.
A mãe, porém, considerou perigoso que o menino andasse cerca de 25 minutos a pé sozinho para o local, já que não há ônibus nos horários adequados. O pai de Nathan trabalha e ela não consegue acompanhá-lo porque tem que cuidar da filha mais nova Yasmin, de dois anos.
— E essa nem seria uma solução, já que eu também tenho que conseguir um emprego — completa.
Elizandra tentou a transferência para a Escola Municipal José Protázio Soares de Souza, no loteamento Jardim Eldorado, que fica mais perto da casa deles e com linha de ônibus direta. A peregrinação começou na Central de Matrículas, passou pelo Conselho Tutelar, que teria informado que não há vagas na região, e terminou no MP, até o momento sem sucesso.
— Eu falei com muitas famílias, têm muitos alunos que moram nas redondezas de uma escola e estudam em outra. Como pode isso? — questiona a mulher.
Para que o filho não perdesse o ano, Elizandra decidiu matriculá-lo na Escola Municipal Catulo da Paixão Cearense, no Panazzolo, a cerca de 12 quilômetros de onde vivem. O marido de Elizandra trabalha perto e pode deixar Nathan ali pela manhã. O problema é que o aluno só poderá voltar para casa no início da noite, quando o pai retorna, após passar a tarde na empresa onde ele trabalha.
— É uma vergonha ter que sair daqui do Serrano e estudar lá no Panazzolo. Um bairro tão grande, como não conseguir pôr um aluno numa sala de aula? — reclama.
A vaga foi conseguida diretamente com a escola, mas a mãe teme passar pela situação novamente em breve, já que a instituição só atende até a 5ª série.
— Meu medo é passar por tudo isso de novo no ano que vem. Na Secretaria da Educação, chegaram a me perguntar porque eu não voltava para o bairro onde a gente morava antes. Ora, eu me mudei por que precisei, lá pagava aluguel, aqui não. É um absurdo ter que passar de um bairro para o outro pelo direito de estudar — desabafa.
AS PROPOSTAS
:: Cinco propostas foram entregues ao secretário estadual da Educação, Ronald Krummenauer.
:: A ideia geral é alterar o termo de cooperação entre o município de Caxias e a administração estadual, no que diz respeito ao sistema de matrículas.
:: O primeiro ponto pede a inclusão das escolas de Educação Infantil no sistema unificado de destinação de vagas. A proposta também busca incluir as escolas infantis de Caxias administradas pelo modelo de gestão compartilhada e prevê a inserção automática de outras instituições que entrarem no sistema de ensino municipal no futuro.
:: A principal mudança talvez seja a alteração do sistema de matrículas para que o endereço informado pelas famílias no momento da inscrição seja a base para a destinação da vaga aos alunos, na escola mais próxima possível.
:: Também é solicitado o aumento de insumos e servidores para a Central de Matrículas. Pelo que consta na proposta, seriam necessários cinco servidores do Estado e seis do município a mais para atender o público e realizar o trabalho de forma mais eficiente.
:: É apontada a necessidade de criar períodos próprios e distintos para as inscrições para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, para garantir que no início do ano letivo os alunos já estejam designados às escolas.
:: Fora das propostas para o termo de cooperação, a 4ª Cre pretende criar novas turmas para o próximo ano letivo, nas regiões onde a demanda é maior.
:: O Estado também oferece ao município o espaço físico de algumas escolas que ficam vazias durante alguns turnos. Entre as opções, foram citadas a Escola Estadual Victório Webber (Serrano), Escola Engenheiro João Magalhães (Centro),Escola Ivanyr Euclínia Marchioro (Jardelino Ramos), Dante Marcucci (Cinquentenário) e Cristovão de Mendonza (Cinquentenário).
:: No entanto, a secretária municipal da Educação, Marina Matiello, afirma que não foi possível aceitar a oferta. A prefeitura tem interesse em ocupar espaços disponíveis para a Educação Infantil, mas as instituições oferecidas ficam fora dos zoneamentos onde há procura maior. O Estado teria se comprometido a buscar outras escolas disponíveis.
:: Paralelamente, tramita uma proposta para adequar o itinerário do transporte coletivo urbano até a frente das escolas de Caxias. O estudo está em andamento pela Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMTTM).