A fila de espera por cirurgia eletiva (não urgente) pelo Sistema Único de Saúde (SUS) cresce a cada dia. À medida que o número sobe, aumenta também a angústia dos 4.451 pacientes que aguardam por procedimentos em Caxias do Sul. A redução da fila esbarra na falta de dinheiro, um problema histórico no setor. Hoje, diante dos recursos insuficientes, a prefeitura acaba bancando muitos mais do que deveria para cobrir o dinheiro que não chega do Estado e do Ministério da Saúde.
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Por outro lado, a professora de gestão hospitalar Cláudia de Souza Pereira Abreu, especialista em gestão em saúde pela Universidade do Rio Grande do Sul, afirma que é preciso tentar driblar essa falta de recursos e investir em ações coletivas para garantir acesso à saúde.
Ela aponta como saídas emergenciais mutirões de cirurgias, parcerias com hospitais privados e pagamento de pacotes fechados por um determinado número de procedimentos para reduzir o número de pacientes na fila de espera por cirurgias eletivas.
A medida, acrescenta Cláudia, ajuda também a reduzir os custos, já que seriam aproveitadas as mesmas equipe, sala e escalas de trabalho. Além disso, a administradora sugere mapear os números com precisão para apontar quantas pessoas aguardam exames, consultas e cirurgias não emergenciais.
Também presidente do Conselho Regional de Administração (CRA/RS), Cláudia reconhece que o aumento dos repasses é necessário, mas sugere que, por Caxias do Sul ser referência em saúde para 49 municípios da Serra, a demanda deveria ser distribuída para hospitais da região. Ou seja, não necessariamente precisariam ser feitas nos já estrangulados hospitais de Caxias do Sul, como o Pompéia e o Geral (HG).
— É preciso realizar mutirões de cirurgias por especialidades, por exemplo. Conversar com os hospitais da região, com a equipe médica e deixar todo o bloco e equipe preparados para atender essa demanda. Tem que ter diálogo entre município e os hospitais para realizar esse tipo de procedimento. Sabemos que não há dinheiro, mas porque não fechar convênios e pagar um pacote por um determinado número de procedimentos e utilizar os leitos de hospitais que possam atender esses pacientes? — questiona.
Situação se agrava
A posição de Cláudia vai ao encontro dos argumentos da secretária de Saúde de Caxias do Sul, Deysi Piovesan, e da superintendência do Hospital Pompéia, que defendem o debate sobre o compartilhamento regional de custos. A especialista vai além e aponta que enquanto não ocorrer diálogo, a situação segue como um círculo vicioso, uma vez que quanto mais tempo o paciente espera, mais cara fica a cirurgia.
— Estamos falando de vidas. Essas pessoas aguardam tanto tempo nas filas que, quando são chamadas, não precisam mais daquele determinado procedimento porque não ele não é mais suficiente para o caso dela. São pacientes que ficam cada vez mais doentes e acabam precisando de uma cirurgia muito mais complexa, que irá custar ainda mais ao hospital. São recursos públicos que podiam salvar vidas e que são usados de maneira errada. É preciso investir em prevenção para evitar o caos na saúde _ contextualiza.
Para Cláudia, a redução das filas passa por qualificação do atendimento na atenção básica, ou seja, nas unidades básicas de saúde (UBSs).
— A falta de recursos é histórica e os municípios acabam gastando mais em saúde porque pegam para si a responsabilidade. É evidente que se a saúde básica, funcionar reduz a demanda. É preciso cuidar e tratar antes da cirurgia porque garante a saúde do paciente e uma despesa menor ao município.
Santa Maria criou estratégia para reduzir demanda com especialistas
O número de pacientes à espera de consultas com médicos especialistas é expressivo em Caxias do Sul. São 36.736 pacientes na fila, sendo que 23.467 esperam por um primeiro atendimento. Em Santa Maria, na região central do Estado, o programa Fila Zero, implantado em fevereiro do ano passado, fez um levantamento rigoroso para obter o número exato de pacientes que esperam por consultas e exames na cidade. Por meio de uma central, servidores do município passaram a contatar os usuários, confirmando ou não a necessidade do procedimento.
O resultado mostrou que, dos 65.979 contatos por telefone realizados entre março de 2017 e fevereiro de 2018, 9.633 não queriam mais a consulta. Entre os motivos apontados, estavam principalmente a demora no atendimento _ que os fez consultar de forma particular _ e a morte do paciente. Por meio da central, até o momento foram confirmados os agendamento de 44.861 consultas especializadas e 31.480 exames especializados, totalizando 76.341.
De acordo com a secretária de Saúde, Liliane Mello Duarte, os resultados foram satisfatórios.
— Com o programa, conseguimos cruzar a lista de espera com os dados dos óbitos da Vigilância Epidemiológica, o que diminuiu, em partes, a demanda. Também foram realizados mutirões de trabalho aos sábados para agilizar o trabalho proposto. Nesse período, foi possível zerar algumas especialidades, como cintilografia, urologia, radioterapia, oftalmologia, nefrologia e audiometria.
A situação, porém, ainda não é a ideal: ainda é necessário agendar 15.362 consultas e 16.255 exames para concluir o Programa Fila Zero.
Força-tarefa ajudou a diminuir espera
No Rio Grande do Sul, há vários exemplos positivos de mutirões que ajudaram a aliviar a lista de espera por cirurgias eletivas. O município vizinho de Farroupilha está com uma força-tarefa aberta desde maio do ano passado. Em entrevista à Rádio Spaço FM na última quarta-feira, a secretária municipal de Saúde, Rosane da Rosa, destacou que o Hospital São Carlos retomou as cirurgias eletivas que estavam com demanda reprimida e, em um ano, foram feitos mais de mais de mil procedimentos.
— Praticamente zeramos a demanda em especialidades como hérnia de disco, vesícula biliar, urológicas, ginecológicas e de intestino. No caso das cirurgias de varizes, o hospital contratou um médico especialista para realizar os procedimentos que começam neste mês. Farroupilha recebeu R$ 180 mil do governo federal, valor já utilizado para a realização desses procedimentos — informou.
Apesar do mutirão, a secretária reconhece que a fila não foi zerada, mas demanda reprimida acabou.
— Farroupilha irá receber mais recursos porque há municípios que não conseguiram executar os mutirões — destacou.
O município também pretende estabelecer um protocolo padrão nas consultas iniciais para evitar pedidos de exames mais complexos e caros, que às vezes, podem ser desnecessários. Esse protocolo tentará evitar o encaminhamento a médicos especialistas sem necessidade e deve ter impacto direto na fila de espera para que quem realmente precise tenha acesso ao atendimento.
Em Porto Alegre, entre setembro de 2017 e janeiro deste ano, foram realizados 4.230 procedimentos eletivos pelo SUS em uma força tarefa que reuniu os hospitais Vila Nova, Clínicas, Independência e Santa Casa, além do Banco de Olhos. De acordo com o secretário de Saúde da Capital, Erno Harzheim, deu-se preferência para as áreas de oftalmologia e vascular, com cirurgias de catarata e de varizes, além de cirurgia geral.
Nessas mais de 4 mil cirurgias, foram investidos cerca de R$ 2,77 milhões (valor corresponde a 59% do recurso estipulado como referência para a Capital, que é de R$ 4,71 milhões), enviados pelo Ministério da Saúde. Para este ano, segundo Harzheim, estavam previstos mais R$ 1,93 milhão, o que representaria aproximadamente mais 2,8 mil cirurgias.
Lista de espera única por Estado
Em julho de 2017, o Ministério da Saúde, em uma ação conjunta com Estados e municípios, adotou o modelo de fila única para cirurgias eletivas em todo país. Foi feito um levantamento de toda a demanda do SUS. Para receberem os recursos, Estados e municípios devem, obrigatoriamente, estar com a fila única atualizada e cadastrada junto ao governo federal. Segundo o ministério, o processo garante mais agilidade no atendimento aos pacientes, que muitas vezes ficam sujeitos à lista de espera de um único hospital e deixam de concorrer a vagas disponíveis em outras unidades de saúde da região.
Em dezembro do ano passado, um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) — com base em números estaduais e das capitais por meio da Lei de Acesso à Informação — identificou um total de 904 mil cirurgias eletivas represadas no país.
No Rio Grande do Sul, na época, havia 39.158 pacientes gaúchos com uma cirurgia eletiva pendente no SUS. Alguns, na fila de espera desde 2009. Dos 16 Estados que repassaram números, o RS é o quarto com maior número de procedimentos pendentes. Os campeões de fila são Minas Gerais (434 mil), São Paulo (143 mil) e Goiás (55 mil). O Paraná, que tem uma população similar à do Rio Grande do Sul, apresentou números melhores (11 mil na fila).
Lista em Caxias
Em Caxias do Sul, o vereador Rafael Bueno (PDT) que integra a Comissão de Saúde e Meio Ambiente, da Câmara de Vereadores, protocolou nesta semana projeto para que a lista de espera para atendimento com especialistas, solicitação de exames e encaminhamento para procedimento cirúrgico e a posição que cada paciente ocupa fila esteja disponível na internet.