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Para a psicóloga Marta Kramer Silveira, especialista em psicoterapia psicanalítica, o fogo, método que vem sendo utilizado pelos homens para agredir as mulheres em Vacaria, vai além da questão de gênero. Está relacionado a vontade de extirpar o outro.
— O fogo é um meio primitivo. Estamos vivendo um período em que está prevalecendo o primitivismo. Não estamos evoluindo. Ao contrário, moralmente estamos retrocedendo. O pensamento é: eu extingo, elimino, deixo em cinzas o que me causa desprazer — analisa.
Conforme a especialista, as pessoas, de um modo geral, entendem que não existe relação ideal e se adaptam a isto. Nesses casos, não há adaptação, os agressores estabelecem uma relação de poder que ou a pessoa faz o que eles querem ou são eliminadas. Para Marta, esse comportamento vai além da relação com as mulheres. Possivelmente, é adotado na convivência com outras pessoas e nas relações de trabalho também.
— O estopim pode ser o álcool ou as drogas, mas não a causa original. É uma questão de estrutura psíquica — pondera.
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Marta trabalha no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) que, atualmente, presta atendimento psicológico a mulheres vítimas de violência na cidade. Porém, nenhuma das vítimas desses casos chegou a ser atendida no local. É que em alguns dos casos havia histórico de violência ou ameaça, mas nenhuma das mulheres tinha feito registro ou procurado ajuda antes dos crimes ocorrerem.
Ainda, conforme a psicóloga, a vítima também tem papel importante nessa relação.
— A vítima sempre tem a esperança de que seja diferente. E nesses casos, a esperança é ruim. Associado a isso tem a busca da vítima por tentar mudar o outro. É um poder mascarado. De ambos os lados têm uma relação de vaidade que leva ao limite da morte — opina a psicóloga.
Promotora diz que culpar-se faz parte do ciclo da violência doméstica
Já a promotora de Justiça, Bianca Acioly de Araújo, explica que ao analisar os casos de violência doméstica, a vitimologia e a estudar o ciclo da violência, se percebe que nos primeiros atos, de agressão psicológica, a mulher se revolta e vive um choque em relação à cultura estabelecida de que o casamento tem de ser duradouro e de que a relação tem de ser ideal.
— Ela passa a não contar para as outras pessoas que aquela ideia de relacionamento perfeito se frustrou. Depois de um ato de violência física, mais grave, vem a reconciliação e a mulher acaba buscando, para justificar isso, algo no seu comportamento que possa ter dado origem à agressão do homem. Ela se culpa, traz para ela essa competência — explica a promotora.
Daí o motivo pelo qual, segundo a promotora, a Lei Maria da Penha veio determinar que os casos de violência contra a mulher só possam ser retratados na fase judicial. Para que a vítima, por pressão, medo ou coação, não volte atrás e retire a queixa na fase policial. O processo passa a tramitar independente da vontade da mulher.