A demora dos atendimentos no Pronto-Atendimento 24 Horas (Postão), tradicional reclamação dos pacientes, pode ter outra explicação além da superlotação do local. A prefeitura diz ter identificado, por meio de processos de sindicância, que houve "demora proposital em iniciar o atendimento dos usuários" na unidade. E mais: o município utiliza o atraso intencional das consultas como argumento para implantar a gestão compartilhada.
A informação consta no edital para a escolha da empresa que administrará o Postão em 2018. No termo de referência, um dos anexos do documento, está escrito que a qualidade da prestação dos serviços na unidade foi prejudicada pela prática dos servidores, caracterizada no edital como "Operação Tartaruga" e "demais episódios apurados".
Em maio, durante a greve dos médicos, a prefeitura havia aberto uma sindicância para investigar uma suposta "operação tartaruga" no Postão, após denúncias de que alguns profissionais estariam atendendo um paciente por hora chegarem até a ouvidoria do município. Desde então, porém, não foram divulgadas novas informações sobre o processo.
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Apesar de ser usada como uma das justificativas para a adoção do modelo de gestão compartilhada, a Secretaria da Saúde não quis comentar sobre a sindicância que, conforme a diretora da Rede de Urgência e Emergência da pasta, Ana Paula Grando Fonseca, ainda está em andamento.
— A sindicância do PA (Pronto-Atendimento) 24 Horas está em processo na Corregedoria do Município e é sigilosa, até a apuração total dos fatos e responsabilização dos envolvidos, que serão punidos, se necessário, conforme legislação — declara.
Servidores negam irregularidade
Funcionários do Postão consultados pelo Pioneiro negam que a prática tenha ocorrido. Conforme um médico que não quis ter a identidade revelada, um dos servidores já falou em fazer uma "operação tartaruga" como forma de protesto pelas más condições de trabalho do local, mas tratou-se apenas de um desabafo em momento de indignação.
A demora nos atendimentos aconteceria, na verdade, pela falta de profissionais. A reportagem teve acesso a um memorando assinado por uma médica, em nome da equipe do Postão, reclamando à direção da unidade sobre a "escala médica insuficiente" no último sábado. Conforme o documento, as condições de trabalho foram "precárias e insalubres", já que faltavam médicos, colocando "a equipe e a população em risco", enquanto a população se queixava do atendimento demorado.
Conforme a Secretaria da Saúde, a escala do Postão prevê cinco médicos clínicos durante o dia e quatro à noite. No sábado, quatro clínicos que estavam escalados apresentaram atestado e um não compareceu. Por isso, pela manhã havia quatro clínicos no Postão, à tarde três e à noite dois. A prefeitura informa que o diretor do Postão, Érico Jordani, foi ao serviço para tentar recompor as escalas, mas não conseguiu substitutos.
Conforme um servidor do local, a falta de médicos é corriqueira.
— Se alguém da terça à noite entra em férias, por exemplo, se fará o plantão em um a menos. Se algum mais fica doente, o caos está instalado — exemplifica.
O médico defende que há a necessidade de mais contratações. Porém, na versão dos servidores, a precariedade do Postão seria uma forma de justificar o modelo de gestão compartilhada. A situação teria sido agravada por um decreto do município que limitou a quantidade de horas extras que os profissionais podem realizar. Se um médico tem carga horária semanal de 12 horas, por exemplo, seu banco de horas só pode ter outras 12 horas no mês. Desta forma, muitos profissionais que cobriam faltas dos colegas nos plantões deixaram de fazê-lo.
Município prevê economia anual de R$ 11,3 milhões com a gestão compartilhada
Além apontar a melhora no atendimento com a gestão compartilhada, outra justificativa da prefeitura para adotar o modelo no Postão é a diminuição dos custos de operação do local. Conforme o edital, hoje o município gasta R$ 39,6 milhões por ano para manter o Postão. A média de orçamentos recebidos para a abertura da licitação é de R$ 30,3 milhões anuais, ou R$ 2,5 milhões por mês.
A diferença geraria uma economia de R$ 9,2 milhões por ano aos cofres públicos. Segundo Ana Paula Fonseca, é prevista uma redução de gastos de quase R$ 4 milhões com insumos e serviços. O restante do valor seria economizado a partir da interrupção do pagamento de adicionais, gratificações pecuniárias temporárias e por convocação de serviço extraordinário, quando os servidores do Postão forem transferidos para as unidades básicas de saúde (UBS).
— O custo do município, em relação aos seus processos administrativos, é mais oneroso e burocrático, por força de lei, do que o da iniciativa privada — explica a diretora.
O edital também estima qual seria o custo do programa UBS+ sem a gestão compartilhada. Conforme a prefeitura, a nomeação de novos concursados para fortalecer as UBS, no lugar da transferência dos 265 servidores do Postão, custaria R$ 20,7 milhões por ano.
Com a realocação dos funcionários, é prevista a formação de 20 equipes da saúde da família, o que possibilitaria um aporte federal de R$ 7.130 mensais por equipe para o Programa de Estratégia da Família. Os recursos da União e a diminuição do custo do Postão possibilitariam a alocação de R$ 11,3 milhões por ano.
Próximos passos
Seis entidades sem fins lucrativos se credenciaram para participar da licitação para administrar o Postão. Os envelopes com as propostas serão abertos no dia 18 de dezembro, às 9h. A oferta de menor valor será a vencedora. No dia 20, está marcada a primeira reunião do Conselho de Saúde sobre o tema, às 19h30min. Conforme o presidente do Conselho, Paulo Cardoso Alves, o encontro servirá para a análise do programa UBS+ e, neste primeiro momento, os conselheiros ainda não devem votar sobre a gestão compartilhada. O Sindiserv, contrário à medida, solicitou audiência com o prefeito Daniel Guerra (PRB) para o dia 15, mas ainda não obteve resposta.