Se no centro de Caxias do Sul o Natal é sinônimo de correria, filas e ruas e lojas lotadas, é no interior que a magia desta época do ano parece ganhar um refúgio, com iniciativas que movimentam comunidades por meio de uma especial união de esforços. São muitos anônimos trabalhando voluntariamente para garantir que o espírito de paz e celebração, sempre urgente no findar de cada ano, não caia no esquecimento.
No caso do distrito de Fazenda Souza, um desses trabalhadores anônimos é o agricultor Sebastião Souza de Oliveira, 68 anos. No último sábado, ele emprestou sua tobatinha e seu talento como motorista para conduzir a maior estrela da noite na festa da comunidade: o Papai Noel. Seu Bastião, como é conhecido, conta orgulhoso do envolvimento com a paróquia do lugar que escolheu para viver há 48 anos.
— Eu gosto muito, é uma alegria para a gente — diz.
De garçom dedicado nas festas da paróquia a motorista do Noel, ele já perdeu a conta dos inúmeros compromissos comunitários que preenchem suas escassas horas vagas. E não reclama. Pelo contrário, fala com empolgação de cada um, acreditando que o retorno se manifeste de diferentes formas.
— Coragem e saúde para a gente seguir em frente — exemplifica.
Este ano, o Natal da localidade foi realizado em parceria com a Festa do Agricultor, união de forças comunitárias que garante a sobrevivência dessas programações. O Papai Noel, por exemplo, foi presidente das últimas edições da festa, e há 10 anos envolve-se com a programação de fim de ano vestindo o especial gorro vermelho.
— Terminamos na sexta-feira os pacotinhos com doces que entregaremos hoje, tudo fruto de doações. Este ano, até arrecadamos mais do que o previsto e demos um pouco para a escola — festejou ele, pouco antes de entrar em ação como o Bom Velhinho no último sábado.
Muitas crianças aproveitaram a noite quente para conferir a decoração de Natal na praça ou saborear uma pipoca quentinha enquanto esperavam pela aparição do Papai Noel e do Dindinho — veículo iluminado que circula pela comunidade e é outra atração muito tradicional em Fazenda Souza nesta época. Ansiosa para o grande momento da noite, Kauany Sagiorato, nove anos, já tinha na ponta da língua o pedido que faria ao encontrar o velhinho:
— Que ele ajude as crianças que não têm dinheiro para que fiquem felizes no Natal.
Kauany e os pais, a vendedora Marlene Veiga, 39, e o caminhoneiro Silvar Sagiorato, 53, fazem questão de se envolver com o espírito natalino, seja arrumando o pinheirinho em casa, seja prestigiando a programação da paróquia.
— A gente traz ela todos os anos, eu adoro Natal também — comenta Marlene.
Guardiãs da Aldeia dos Presépios
Reconhecida como a Vila dos Presépios, Ana Rech viu a tradição dos presépios particulares se perder um pouco em 2009, quando a prefeitura decidiu cortar a energia elétrica que garantia a iluminação da decoração. Ainda que os enfeites nas casas não sejam mais uma atração tão forte como já foram antigamente, a localidade mantém por lá a Aldeia dos Presépios, com cerca de 20 representações do nascimento de Jesus montadas por empresas, entidades e moradores. O espaço pode ser visitado até o dia 6 de janeiro e fica numa área verde próximo da Praça Pedavena.
A professora Talita Mazzochi de Azambuja, 38 anos, é uma das guardiãs do espaço, ao lado da mãe, Rose. Elas e outras moradores da comunidade tiveram de agir quando o espaço foi alvo de vândalos, que colocaram fogo e destruíram partes importantes da decoração, há cerca de três meses.
— A gente remontou tudo num mutirão entre várias pessoas e integrantes da Samar (Associação dos Amigos de Ana Rech). O Encanto de Natal não pode morrer — diz Talita, citando o nome da programação que prevê ainda diversas atrações na praça, no coração de Ana Rech.
Entre os presépios que estão montados no espaço, um é assinado por moradores da Rua João Zanol, que fica a poucos metros da aldeia e é o lugar onde Talita cresceu. A obra chama atenção porque tem manequins em tamanho real e representações de animais revestidas com peles.
— Os primeiros foram mais simples, depois fomos aperfeiçoando. Conseguimos retalhinhos de pele de ovelha e fomos colando. Eu sempre gostei de me envolver — conta Rose.
A união em Santa Lúcia do Piaí
Muitas vezes, os amigos que vivem na área urbana de Caxias não levam fé quando a agente administrativa Rosana Maria Fiorini Mantovani, 43 anos, os convida para conhecer o Natal de Santa Lúcia do Piaí.
— Sinto que, às vezes, as pessoas têm um preconceito com o interior. Pensam "o que vai ter lá que não tem aqui na cidade?". Mas elas não têm noção do que a gente pode fazer unido — afirma.
Rosana está envolvida desde sempre com a programação do Natal Esperança, realizado no distrito há 25 anos. Coordenadora da encenação de Natal, ela conta que cerca de 200 pessoas da comunidade participam do trabalho. Ela própria vive Maria há pelo menos 20 anos.
— Não tem quem faça se a gente não se ajudar. Todas as famílias da comunidade têm pelo menos uma pessoa envolvida na programação do Natal. Tem desde criança de um mês até pessoas de 70 anos — revelou ela, logo depois de uma encenação especial feita para os idosos de Santa Lúcia, na tarde do último sábado.
Rosana passa o ano todo pensando na montagem da encenação de Natal, que, aliás, poderá ser conferida novamente na noite do dia 24, durante a Missa do Galo. Rosana está sempre em busca de músicas e ideias que possam ser utilizadas no espetáculo. Depois de escrito o roteiro, os moradores de Santa Lúcia ensaiam durante cerca de dois meses para deixar tudo perfeito. Já a bela decoração e iluminação da praça e da igreja deste ano ficaram por conta de José Roberto Boff, outro morador envolvido com o Natal na localidade.
— A gente não sabe fazer, mas gente faz e fica bonito. Fazemos tudo com o coração. Eu gosto muito, o resultado é ver as pessoas felizes — justifica Rosana, emocionada.
Arte em evidência no Natal de Galópolis
Durante os últimos dias, Galópolis viveu em completa imersão natalina. Desde a última quarta-feira, quando abriu a programação da XII Magia de Natal no Vale Iluminado, teve cinema a céu aberto, encontro de corais, danças e canções típicas e, para finalizar, show e lançamento de CD com o tenor Alexandre Borges, na noite deste domingo (17).
A variedade de atrações chama o público e demonstra o envolvimento da comunidade com o Natal, conforme a subprefeita Ivete Zinani Marchi. Ela convida todos a prestigiarem a decoração do distrito.
— Ainda dá tempo. Esse ano está tudo muito bonito, a nossa praça, o pinheirinho, a casinha do Papai Noel. Só recebemos elogios — garante.