Um manifesto liderado por promotores gaúchos abriu um debate sobre as leis penais brasileiras. O primeiro documento, assinado por 143 promotores de Justiça – 100 deles do Rio Grande do Sul –, nove advogados e um juiz, foi tornado público em agosto e defende um maior rigor nas penas impostas aos criminosos. Os especialistas também criticam o que chamam de "garantismo e bandidolatria" no sistema jurídico e nos cursos de Direito.
O segundo manifesto, que foi publicado nesta semana, conta com mais 74 assinaturas – totalizando 227 – e reforça o posicionamento contra medidas que buscam aumentar a impunidade e rebate críticas de opositores ao movimento.
Dez representantes da Serra assinam o manifesto, entre eles o promotor criminal Ronaldo Lara Resende, que atua em Farroupilha. Em entrevista concedida ao Pioneiro, ele explica que o manifesto, intitulado Você tem sido enganado!, tem a intenção de esclarecer falácias constantemente repetidas por pessoas que idolatram bandidos, os chamados "bandidólatras".
Confira os principais trechos da entrevista:
Pioneiro: Qual a intenção dos manifestos?
Promotor Ronaldo Lara Resende: A intenção é desmistificar essa questão do encarceramento "excessivo" que existe no Brasil, porque isso é uma falácia. Não temos encarceramento excessivo, o que temos é superlotação dos presídios. São duas coisas diferentes. Se aumenta a população, é claro que aumentam os crimes e, por óbvio, precisamos de mais presídios. Só que as construções não foram suficientes para acompanhar o número de pessoas que estão sendo presas.
O senhor se refere a quem diz que o Brasil ter a quarta maior população carcerária?
Este número é jogado de forma absoluta. Precisamos analisar a média para cada 100 mil habitantes, porque não se pode deixar de considerar a população de cada país. Assim, o Brasil cai de 4º para 36º lugar. Quando se fala em mais de 600 mil presos, os dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) colocam no mesmo balaio quem está em regime fechado, semiaberto e aberto. Ou seja, este número não reflete as pessoas que estão nas prisões, e sim as que estão cumprindo pena. Podemos subtrair cerca de 170 mil desse número. É uma maquiagem feita, seja pelo Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) ou pelo CNJ, para inflar os números e despertar na população o seguinte sentimento: “se tem um número tão grande de pessoas encarceradas, o encarceramento não resolve e devemos começar a desencarcerar”. Este é o mito que estamos tentando derrubar aos poucos.
A que se refere este desencarceramento?
Ouvimos um discurso político que diz “que as prisões só estão encarregadas de encarcerar negros e pobres”. Há vários fatores (que precisam ser analisados), mas o primeiro é que as principais características das pessoas vitimadas por esta onda insana de mais de 60 mil homicídios (por ano no Brasil) é ser negro e pobre. Mas isto não é lembrado. Quem se pretende desencarcerar? O roubo é um crime que inferniza a população brasileira, e o assaltante que coloca a arma na cabeça de uma vítima, não sendo reincidente, não é condenado em regime fechado. É sentenciado ao semiaberto, que não tem vaga, e, assim, ganha prisão domiciliar com ou sem tornozeleira eletrônica.
A que se destina este manifesto?
Se propõe a informar, desmascarar os "bandidólatras" e mostrar para a população a verdadeira realidade. É desonesto assustar as pessoas afirmando que não adianta encarcerar sob o argumento que já temos quase 700 mil presos. O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo, se não o único, em que o cidadão com um sexto da pena consegue a progressão. A exceção são os crimes hediondos, que são dois quintos da pena. O Brasil prende pouco, levando-se em conta o número de crimes que acontecem, o baixíssimo índice de resolução dos delitos e um sistema que é uma farra na execução penal – com progressão de regime em poucos meses, remissão por trabalho, por estudo e por leitura, além dos decretos de indulto que beneficiam todos os assaltantes porque, repito, roubo não é crime hediondo. É uma festa. Por isto, os criminosos fazem esta análise do custo-benefício e dizem que quem trabalha por um salário mínimo é burro.
O manifesto é contra a progressão de regimes?
Dentro daqueles que assinaram o manifesto, não há um bloco em que todos concordam com absolutamente tudo. Há linhas centrais nas quais todos concordam, como o mito do desencarceramento e a constatação de que as penas são brandas demais. Acredito que a esmagadora maioria é contra o regime semiaberto. O requisito para progredir é cumprir um sexto da pena e ter boa conduta carcerária, que é uma análise subjetiva e frágil. Falta uma rigidez neste controle a respeito da progressão.
Sobre impunidade, muitas manifestações populares culpam juízes. O senhor concorda?
A maioria dos juízes no Rio Grande do Sul não são liberais. Eles cumprem a lei e têm a mão pesada. O grande problema é que existem uns poucos que fazem um barulho tremendo. Eles não são juízes garantistas, mas, sim, juízes frouxos. Fazem da interpretação do Direito Penal e das coisas que acontecem uma luta de classes. Colocam o bandido como uma vítima e a verdadeira vítima como um criminoso de classe. Pode reparar que todo juiz que faz este tipo de interpretação se posiciona em pontos estratégicos, geralmente varas criminais de grande repercussão ou Varas de Execução Criminal. São locais em que, quando aplicam esta sua ideologia, causam um prejuízo enorme. É o que causa a falsa percepção que os magistrados são muito liberais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem oito câmaras, mas é uma específica que, a meu ver, tem problema: a 3ª Câmara Criminal. Inclusive foi feito um levantamento sobre os desembargadores recordistas na concessão de habeas corpus (liberdade provisória) e no topo da lista estavam os da 3ª Câmara. É um prejuízo enorme para a sociedade por conta de uma ideologia abolicionista penal. Eles não acreditam que a punição vai resolver. Ao interpretar as leis da maneira que eles acham que vai resolver, ou não, eles criam um caos.
A culpa não é das leis então?
Quando é praticado um roubo, o juiz pode manter preso (o autuado) se achar necessário. Mas há estes juízes garantistas que dizem que não é necessária prisão e colocam o cidadão na rua. O que me ressinto é que há muitos juízes que são covardes e deveriam ter a decência e integridade de dizer que “soltei este cidadão porque entendo que a prisão não é necessária”, e não jogar a responsabilidade no legislador. Muitas vezes (este juiz) poderia usar a lei para prender, mas prefere usar a lei para poder soltar. Na hora que é cobrado, ele se exime da sua responsabilidade, porque é um covarde, e joga nas costas do legislador. É uma questão de decência, integridade e caráter, o que muitos magistrados não têm. Converter flagrante em preventiva, o juiz pode manter um assaltante preso? Pode. Tem todos os requisitos para manutenção da ordem pública. É uma vergonha o sujeito praticar um assalto a mão armada e sair da delegacia antes mesmo da vítima prestar depoimento.
O manifesto se refere aos direitos humanos?
Por que as pessoas têm tanta antipatia por esses grupos? Quem são os humanos cujos direitos são defendidos pela maioria dessas ONGs? Na enorme maioria, são os direitos humanos do vagabundo, que assalta, estupra, mata e trafica. E os familiares da vítima que foi morta em um assalto? E aquela vítima que tem que fazer tratamento psicológico porque não se recuperou do trauma de um estupro? Aí, quase não vemos grupos de direitos humanos. A maioria destes grupos surgiu na época do período militar e, após, teve de encontrar uma justificativa para continuar existindo. O que fizeram? Defender direito humano do criminoso. Eu sou a favor dos direitos humanos. Da mesma forma que os direitos do cara que está sendo processado precisam ser respeitados, também sou a favor de não se desprezar o que aconteceu com a vítima. Uma defesa parcial e monocular que centraliza isso só para a figura do criminoso é algo extremamente repulsivo para mim.
O manifesto é contra as alternativas penais?
Não somos contra as penas alternativas. Somos contra o uso excessivo disso como desculpa para não deixar encarcerado quem é perigoso. É preciso analisar a proporcionalidade da medida.
O manifesto defende a construção de mais presídios?
Posso assegurar que todos (os que assinaram o manifesto) são a favor da construção de mais presídios. Não somos a favor de abarrotar as pessoas e mantê-las em uma situação degradante no presídio. Ninguém nunca defendeu isso. Mas temos um dilema: deixar o cara na rua para continuar aterrorizando as pessoas ou deixar ele abarrotado? Prefiro deixar (os criminosos) abarrotados. Somos a favor da construção de novos presídios justamente para deslegitimar o discurso de muitas pessoas que falam na construção de presídios, mas na realidade não querem. É aquele discurso de que tem que construir escolas no lugar de presídios. Uma coisa não exclui a outra. Se a solução desta gente é colocar todas estas pessoas livres, vai faltar cemitério.