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Após a morte de um dos moradores mais antigos do bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, em Caxias do Sul, há cerca de 10 anos, o sobrado dele ficou vazio. O herdeiro pretendia casar, mas a noiva não aceitava morar na comunidade por causa da fama de violência. Abandonado, o imóvel na Rua Henrique Cia virou abrigo para usuários de drogas e sinônimo de problemas de saúde pública e insegurança. Apesar desses sinais, o único órgão que se aproxima do local é a Brigada Militar (BM). Como o uso de drogas não resulta em prisão e a corporação não tem o poder de interditar casas abandonadas, a moradia segue sendo endereço para o tráfico. Resta aos moradores conviver com o medo.
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Os efeitos desta omissão, no entanto, não são sentidos apenas no bairro Euzébio Beltrão de Queiróz. Autoridades policiais e líderes comunitários são unânimes em apontar diversos redutos dentro de comunidades onde dezenas de homens e mulheres se reúnem para consumir drogas, sobretudo crack, dia e noite. São imóveis antigos, alguns esquecidos pelos donos, cuja a manutenção precária interessa muito a traficantes locais pela possibilidade de ter os consumidores sempre por perto. Mas são endereços que incentivam uma criminalidade que vai além do tráfico. Os autores de roubos a pedestre e furtos na área central, por exemplo, costumam usar essas pequenas cracolândias como refúgio. Não é por acaso que objetos roubados das vítimas, que acabam não sendo aceitos na troca pela droga, fiquem amontoados em meio a pilhas de lixo.
Assim como o sobrado da Rua Henrique Cia, há outras oito moradias invadidas viciados no Euzébio Beltrão de Queiróz. Às vezes, um traficante de ocasião aparece em busca de algum negócio, mas não fica muito tempo, pois sabe que a qualquer momento a polícia poderá chegar.
– Vemos um usuário diferente por dia. Não sabemos quem é o cara. Tem alguns que são pai de família. Outros vêm do outro lado mundo e já mataram mais de 10 caras. Nunca sabemos quem é. Temos que ficar em cima do muro – relata um morador do Euzébio, que pede o anonimato por medo de represálias.
De acordo com a BM, esses pontos de consumo são mantidos, em sua maioria, nos bairros mais pobres. Na verdade, são comunidades com índices baixos de crimes contra o patrimônio, mas que acabam sendo cenário para assassinatos e tumultos envolvendo os frequentadores dos locais, o que rende a fama de violência. Diante da passividade de setores do poder público que poderiam intervir administrativamente na responsabilização dos donos dos imóveis, as regras seguem sendo ditadas por criminosos.
– Depende do traficante. É simples de entender: se assaltar próximo a vila, a polícia vai estar toda hora lá dentro. Se não assaltar, mais gente compra droga e o traficante ganha mais dinheiro. Se o traficante coloca respeito, não dá problema no bairro – explica outro morador do Euzébio.
Apesar do problema ser histórico, a prefeitura não recebe muitas reclamações sobre esses pontos, o que só reforça a sensação entre os moradores de que estão sozinhos diante de um dilema.
– Desde o ano passado, mataram mais de 10 pessoas aqui no bairro. Quem vai botar a cara? Quem vai procurar a prefeitura para falar sobre traficantes e casas invadidas? É colocar um alvo na testa – desabafa um vizinho de uma cracolândia.