Nos últimos dias, as redes sociais e os vereadores Rafael Bueno (PDT) e Renato Oliveira (PCdB) vêm apontando a morte de uma menina de cinco anos como exemplo do suposto descaso no atendimento prestado pelas equipes do Pronto-Atendimento 24 horas (Postão) de Caxias do Sul. O óbito realmente ocorreu na sexta-feira passada, mas no Hospital Geral (HG), após uma primeira avaliação médica no Postão. A omissão alegada por Bueno e Oliveira, portanto, não é confirmada pela mãe da criança.
Mesmo abalada com a perda da filha, a mulher relatou à reportagem que procurou o Postão na quinta-feira passada, dia 18 de maio, porque a criança apresentava problemas respiratórios.
– Fomos atendidas dentro do padrão do SUS (referindo-se à longa espera), mas saímos de lá com uma receita para tratamento. Só que a minha filha não melhorou e voltamos no dia seguinte – conta a mulher, ressaltando que a criança sofria de bronquite.
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No final da tarde de sexta-feira, dia 19 de maio, mãe e filha passaram pela triagem do Postão e foram orientadas a aguardar pela consulta com o pediatra de plantão. A mãe, porém, percebeu que o quadro era grave, saiu da sala de espera e procurou novamente a equipe técnica para pedir socorro.
– Nesse momento, fomos atendidas prontamente por um médico. Dali, minha filha já saiu para a UTI – diz a mãe.
A criança foi levada de ambulância, com o acompanhamento de um médico, para o HG, onde veio a óbito. Em nota divulgada na terça-feira, a Secretaria Municipal da Saúde garante que o "atendimento prestado à paciente seguiu os protocolos da área da saúde e se deu com todo o zelo necessário". As causas da morte da criança não estão esclarecidas.A família da menina preferiu não registrar ocorrência policial ou fazer qualquer denúncia sobre um possível erro de avaliação médica.
– Vamos aguardar os prontuários. Agora, estamos passando por muita dor, não temos condições de pensar nisso – desabafa a mulher.
O secretário de Saúde, Fernando Vivian, diz que não viu necessidade na abertura de uma sindicância para apurar possíveis erros. Segundo ele, o caso estaria esclarecido.
– Fomos atrás disso assim que tivemos conhecimento. Sabemos do infortúnio sofrido pela família, mas houve o atendimento na quinta-feira e a paciente foi liberada. É difícil para um médico confirmar o diagnóstico nos primeiros sintomas de uma doença. Nesse caso específico, a doença evoluiu e o quadro clínico da menina era completamente diferente na sexta-feira. Nem sempre é óbvio apontar a gravidade num primeiro atendimento – alega Vivian.
O secretário ressalta que o pediatra responsável pelo atendimento de sexta-feira decidiu acompanhar a criança até o hospital, pois a ambulância de suporte avançado estava em outra ocorrência.
– A criança já recebeu o primeiro atendimento no Postão, com ventilação mecânica. A ida do médico na ambulância não é um procedimento usual, mas foi realizada justamente porque se percebeu a gravidade. Entendo que existe uma família com uma perda. Também sou pai. Mas a história tem sido usada com certa malícia (referindo-se às denúncias na Câmara de Vereadores) – rebate Vivian.
Na sessão desta quarta-feira, Renato Oliveira voltou a ressaltar o precário atendimento no Postão e afirmou que a morte da menina deveria ser tratada como caso de polícia.
– Quem é o responsável? O responsável é o nosso prefeito Daniel (Guerra). Esse é o responsável pela saúde de Caxias. Não é médico. Se as UBSs estivessem funcionando como deveriam estar funcionando, será que teria acontecido isso? No deslocamento, a guriazinha chegou ao Hospital Geral já em óbito, praticamente. Então, assim, imagina nós, aqui, pais, avós, tios, perder uma criança com cinco anos. Assim, eu digo que muitos não recorram, que as pessoas não recorram à Câmara de Vereadores, recorram, sim, à Polícia Civil, ao Fórum. Isso aí tem que ser processo judicial, porque não dá mais para esperar que um governo faça tanta coisa de mal para esta comunidade.
O parlamentar também citou a alta procura no Postão e o baixo número de médicos para atendimento na terça-feira.
– Tinha dois pediatras, estavam encerrando o plantão. Eles atenderam 104 pessoas durante o plantão deles. Estava fechando 104 crianças. No momento, alguém iluminado lá do governo, foi lá, acho que foi bom e disse que, se pudessem ir embora, que fossem embora, porque não ia atender todo mundo. Daí grande número de pessoas foi embora, que voltassem hoje – ressaltou Renato.
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A reportagem esteve no Postão na noite de terça-feira e constatou a superlotação. Pacientes relatavam que o tempo de espera por uma consulta passava de seis horas. A autônoma Mackieli Mendes Monteiro, 34, e a filha Manoela buscaram atendimento às 9h40min, mas a menina só foi recebida por um pediatra por volta das 17h.
– Perto do meio-dia, uma mulher do Postão foi até a sala de espera e disse para todos que o atendimento só normalizaria depois das 15h, quando chegariam mais dois médicos na pediatria. Naquela hora só tinha um pediatra atendendo – relatou a mulher.
O secretário de Saúde relaciona a longa espera ao aumento da demanda por atendimento neste período do ano, quando as doenças respiratórias surgem com força. Na terça-feira, Vivian confirmou que foram realizados 160 atendimentos pediátricos, quando a média diária é de 100 consultas.
– Hoje (quarta-feira), o plantão estava normalizado. O corpo clínico estava estabelecido. Temos três pediatras e cinco clínicos de plantão. À noite, esse número pode oscilar, como também podem ocorrer faltas. O problema é a alta procura, há pacientes de outras cidades buscando consulta e não temos como negar.